O Estado de S.Paulo
A lei do mínimo esforço indica aumento de impostos e não uma ampla reforma tributária
Renúncia é a palavra decisiva no amplo debate sobre reforma tributária. É
mesmo um formidável debate social e político, além da alta complexidade
técnica e econômica. Pois os números consolidados indicam uma
assombrosa adesão de praticamente todos os setores da economia e
sociedade brasileiras a algum tipo de favor fiscal.
Agricultura, indústria, serviços, profissionais liberais, pequenas
empresas, entidades não lucrativas, zonas francas, deduções para pessoas
físicas são contemplados de alguma forma, e nenhum se manifesta
disposto a renunciar à renúncia fiscal. Ao contrário: nos últimos 15
anos o fenômeno dobrou de tamanho (para quem aprecia números: as
renúncias fiscais passaram de aproximadamente 2% para 4% em relação ao
PIB).
Economistas se dividem quase em guerra religiosa quanto à eficiência
dessas medidas fiscais que, na conta geral, diminuem a base de
arrecadação de impostos, aumentando a carga para quem está pagando
tributos. Talvez sociólogos – ou, melhor, antropólogos – entendam o
problema. As renúncias espelham um arraigado hábito político, que é o de espetar a
conta nos cofres públicos e empurrar uma solução definitiva para um
futuro não definido. É um tipo de “individualismo” muito característico
de nosso “caráter nacional”. Todos os setores participantes nas
renúncias confiam na sua capacidade de fazer valer seus interesses (que
são legítimos), e a preocupação com o bem-estar geral é um problema
moral reconhecido, porém secundário.
O País permaneceu num equilíbrio de interesses que foi se tornando cada
vez mais precário – até o estouro de duas brutais crises, a fiscal e a
de saúde (que se alimentam mutuamente). O que está escancarado agora é o
clássico problema da ação e coordenação coletivas, que dependem de...
lideranças. A questão é imensamente maior do que a já complicada tarefa de
arregimentar votos no Legislativo pela proposta A ou B de reforma
tributária. Demanda uma imensa capacidade política de procurar algum
tipo de convergência, de impor algum tipo de medida numa situação na
qual ninguém renuncia a nada. Todos estão envolvidos: entes da Federação
(Estados e municípios), variados segmentos econômicos, bases eleitorais
(indivíduos que pagam Imposto de Renda).
No meio desse turbilhão o governo fala em quadratura do círculo, que é
gastar mais num quadro fiscal delicado sem aumentar a já insuportável
carga tributária. Apostando que o instinto dos congressistas, sendo o de
gastar mais, os fará aceitar mais impostos. Uma aliança tácita com os
“desenvolvimentistas” saudosos de Geisel no Planalto, e descontentes com
o teto de gastos.
As contas dos economistas não fecham: não dá para suportar o necessário
crescimento dos vultosos gastos públicos sem aumentar impostos, e
apostam nisso. Sociólogos e antropólogos também apostariam. É só olhar
para nosso apego à lei do mínimo esforço. É bem menos complicado do
ponto de vista político aumentar impostos do que se engajar na
esfalfante tarefa de coordenar esforços, praticar maldades (vistas pelo
lado “individual”), convencer, articular, coagir, votar. Com as elites
divididas.
Para que tudo isso, dirão os cínicos, se no fim de tanto esforço
impopular (e seus efeitos eleitorais nos mais diversos níveis) o
resultado será de qualquer jeito aumento de impostos?
Resolver parte do
problema via privatizações?
No momento menos de 20 das centenas de
estatais estão na lista de privatizações. Conter gastos e despesas?
Segurar os gastos com funcionalismo depende de uma reforma
administrativa, a que enfrentaria os bem articulados interesses
corporativistas dentro do Estado brasileiro. Ela ainda é só uma
intenção.
Resta a esperança de que a retomada da economia pós-pandemia traga
retorno de investimentos, a produtividade aumente, emprego e renda
cresçam e arrecadações encham cofres públicos que novamente seriam
usados como sempre foram – para acomodar diversos interesses setoriais e
privados, pois os da coletividade se resolverão sozinhos.
William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo