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terça-feira, 10 de julho de 2018

Epílogo de uma fantasia [mais uma derrota de Lula e dos petistas]

Principal projeto de política externa nos anos Lula, a Unasul acabou com a sede interditada no fim de semana e burocratas absolutamente sem nada para fazer

Custou R$ 220 milhões. Parece um prédio parado no ar, com vidros refletindo montanhas ao fundo e cercado por espelhos d’água. Tem 19,5 mil metros quadrados distribuídos em cinco andares e dois subsolos. Desde a inauguração, em 2008, abrigou três dezenas de diplomatas, um para cada 650 metros quadrados de construção. Em dez anos, eles quase nada tiveram para fazer, além de receber salários de R$ 60 mil por mês e desfrutar mordomias.

Era símbolo do principal projeto petista para a política externa brasileira, t
raçado no 1º de janeiro de 15 anos atrás em jantar no Palácio da Alvorada, quando Lula celebrou a posse na Presidência da República. Nasceu da ambição de líderes regionais que desejavam impor um contraponto à influência dos Estados Unidos na Organização dos Estados Americanos (OEA).  No fim de semana, o governo do Equador mandou a polícia interditar o edifício-sede da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), na Metade do Mundo, periferia de Quito. Quer o prédio de volta, para instalar uma universidade. Lenín Moreno, presidente equatoriano, alega razões objetivas: seu país gastou uma fortuna numa fantasia política, porque, na prática, a Unasul nunca funcionou, e há anos sobrevive em coma político.

Metade dos países associados abandonou a entidade — inclusive o Brasil, que pagou 39% das despesas na última década, o equivalente a R$ 168 milhões. “Me pergunto se algum dia a Unasul serviu para alguma coisa”, argumenta Moreno.  Dos quatro presidentes-fundadores, Lula está preso, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro; a argentina Cristina Kirchner e o equatoriano Rafael Correa têm prisão decretada, acusados de corrupção, fraudes, sequestro e associação a grupos terroristas; e o venezuelano Hugo Chávez morreu. A Unasul foi comandada por ex-presidentes com biografias turvadas por episódios de corrupção. O primeiro, Néstor Kirchner, falecido marido de Cristina, enriqueceu na Presidência argentina. Assumiu em 2003 com patrimônio de US$ 1,9 milhão, saiu cinco anos depois com fortuna 7,5 vezes maior (US$ 14,2 milhões), segundo as próprias declarações juramentadas. Kirchner morreu em 2010. A viúva gastou US$ 116 mil dos contribuintes para homenageá-lo com uma estátua de 2,2 metros de altura, plantada na entrada da sede da Unasul. O último secretário-geral da entidade foi o ex-presidente colombiano Ernesto Samper, cuja biografia está marcada por vínculos com cartéis de drogas. Em 1995, na Presidência da Colômbia, ele assistiu a confissões públicas sobre o patrocínio do narcotráfico à sua eleição. Os principais doadores foram os irmãos Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuela, na época chefes do Cartel de Cáli. Até hoje, Samper não pode entrar nos Estados Unidos.

Se passou década e meia desde que o entusiasmado chanceler brasileiro Celso Amorim apresentou o projeto da Unasul ao venezuelano Hugo Chávez, e sorriu ao ouvi-lo dizer: “O que vocês estão propondo é uma ‘Alquita’”, referência à versão menor, regionalizada, do projeto dos EUA para uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A iniciativa do governo Lula foi festejada e apropriada por Chávez e pelo casal Kirchner. Dela sobraram um prédio vazio na Metade do Mundo e dúzias de burocratas bem remunerados, absolutamente sem nada para fazer. É o epílogo melancólico de uma fantasia política chamada Unasul.


José Casado - O Globo
 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O dia da ira

Para os petistas, a lei vale para todos, menos para eles e, sobretudo, para seu líder maior

Coincidências, no mais das vezes, encobrem nexos necessários entre fatos, discursos e palavras. Casualidades também revelam projetos e tendências, que assim se expressam. Pode igualmente acontecer que tenham um sentido manifestamente intencional, tornando semelhantes projetos políticos que ganham, dessa maneira, uma afinidade eletiva. Tal é o caso do ex-ministro José Dirceu, que declarou ser o dia 24 deste mês, data do julgamento do ex-presidente Lula em Porto Alegre, o “dia da ira”.

O parentesco político em questão é com os grupos terroristas islâmicos, no caso, o Hamas, que tem na violência e na destruição do outro seus meios de ação e sua finalidade. No caso deles, a destruição do Estado de Israel, no nosso, a destruição da democracia representativa ou, em outra perspectiva, do Estado Democrático de Direito.  Note-se que o ex-ministro, já condenado, usa tornozeleira eletrônica e está pendente de um julgamento para saber se voltará ou não para a prisão. Normalmente, uma pessoa que se encontra em tal condição deveria usar da prudência, pois está pagando por crimes cometidos, salvo se se considera acima da lei ou, na versão petista, um “preso político”. Ou seja, a lei valeria para todos os cidadãos, exceção feita aos petistas e, sobretudo, a seus líderes mais importantes, como é o caso do ex-presidente Lula.

Um caso corriqueiro de tribunais se torna não apenas um espetáculo político, como uma afronta ao império da lei. Nessa perspectiva, o “mensalão” e o “petrolão”, símbolos da corrupção política dos governos petistas, tornam-se instrumentos revolucionários. Esqueceram-se de dizer que espoliaram e exploraram a população brasileira, mormente os pobres, e não a “burguesia”, que se tornou uma aliada no “capitalismo de compadrio”. O Brasil, no desemprego e no retrocesso do PIB, sofre até hoje as consequências dessa aventura, dessa irresponsabilidade política.

Pretender, agora, apresentar o julgamento de Lula como um ato político de “luta” contra os ricos e as classes privilegiadas” está mais para hilário do que para simplesmente cômico, não fosse o fato de muitos brasileiros ainda acreditarem nesse engodo. E esse engodo veste a roupagem revolucionária!  O chamado à manifestação, organizado pelo PT e por movimentos sociais que orbitam em torno do partido, como o MST e o MTST, tem como objetivo deslegitimar, tornar nulo ou dificultar ao extremo o julgamento do ex-presidente. Ora, esses dois ditos movimentos sociais são, em suas versões urbana e rural, organizações hierárquicas com explícito programa revolucionário em moldes marxistas, voltado para a destruição da economia de mercado, da propriedade privada e do Estado de Direito; em suma, para a aniquilação do “capitalismo”. Basta a leitura de seus textos, documentos e até entrevistas. A aura romântica tem sua realidade na destruição sistemática que estão empreendendo na Venezuela. O PT, aliás, não cessa de defender o “socialismo do século 21”, o bolivarianismo, Chávez, Maduro e asseclas. É isso que querem para o Brasil!

O PT e seus aliados estão perigosamente apostando na instabilidade institucional. Deixam sistematicamente claro que a lei não vale para eles. Ameaçam velada ou explicitamente o TRF-4, cujo trabalho tem sido impecável na condenação dos envolvidos na Lava Jato, sejam eles petistas ou não. A cor partidária, num julgamento, não conta. Os desembargadores encarregados do julgamento de Lula têm tido comportamento impecável. O mesmo vale para o presidente do tribunal, desembargador Thompson Flores, que se tem colocado institucionalmente à altura do desafio.  O objetivo do partido e de seus aliados consiste em criar um clima de agitação, procurando politizar o julgamento de seu líder máximo. Alguns falam de grandes manifestações, petições internacionais, e os mais radicais vislumbram uma invasão do tribunal. Visam até mesmo a criar uma imagem internacional pejorativa do Brasil, como se vivêssemos à margem da lei, na perseguição política da “esquerda”. A perversão é explícita. Os que desrespeitam a lei procuram transferir essa imagem para os que defendem o Estado de Direito e fazem cumprir a lei. O crime deixa de ser crime para ser um ato revolucionário!

Observe-se que a defesa de Lula não se preocupa com argumentos jurídicos, mas tão só com encaminhamentos que têm como finalidade maior politização do processo. Advogados tornam-se militantes. Para eles, a lei e a Constituição seriam apenas empecilhos que deveriam ser ultrapassados e desconsiderados a todo custo. A face bolivariana do PT torna-se ainda mais nítida. Está, verdadeiramente, em jogo o que se pode denominar uma luta política entre a democracia totalitária e a democracia representativa, entre o projeto revolucionário e o Estado Democrático de Direito. A primeira está baseada na ideia de que o “povo” – ou melhor, seus representantes e demagogos – tudo pode, não importa o respeito ou não à Constituição. A segunda está ancorada na observância das leis, das instituições e da Constituição, impondo limites a essa espécie de ilimitação da dita soberania popular.

O exemplo recente entre nós é o da ditadura bolivariana na Venezuela, com seus líderes nem mais encobrindo que não se preocupam com as instituições democráticas. Num primeiro momento, guardaram ainda a aparência democrática representativa, enquanto mero instrumento de conquista do poder. Agora a máscara caiu. O projeto petista, em sua fase atual, tem esse componente de uma “democracia totalitária”, em que a vontade do povo não conheceria limites. A eleição seria uma absolvição. Os rituais democráticos são ainda observados, porém os discursos e manifestações apontam para a subversão da democracia representativa. Pertence ao passado a mensagem de pacificação da então dita Carta ao Povo Brasileiro, jamais reconhecida, porém, como documento partidário.


Denis  Lerrer Rosenfield - Professor de Filosofia da Universidade Federal do RS - O Estado de S.Paulo