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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A confusão em torno da reforma administrativa – Editorial - Valor Econômico

Medidas de controle das despesas de pessoal nas três esferas de governo já foram encaminhadas ao Congresso

A modernização do aparelho do Estado brasileiro é uma necessidade negada por poucos. Não se trata da velha e surrada discussão ideológica sobre o tamanho do Estado, mas da necessidade de tornar o aparelho estatal mais eficiente para melhor atender o cidadão, com serviços de qualidade. Há distorções na administração pública que precisam ser corrigidas, mas há, igualmente, confusão sobre os objetivos de médio e longo prazo de uma reforma administrativa. Alguns enxergam apenas o aspecto fiscal, ou seja, a ajuda imediata que essa reforma poderá dar para o equilíbrio das contas públicas. Isto é um erro.

As medidas de controle das despesas com pessoal, no curto prazo, já foram encaminhadas pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso nos textos das propostas de emenda à Constituição 186/2019 e 188/2019. Se as duas propostas forem aprovadas, as administrações estaduais, municipais e federal poderão adotar medidas duras de redução de gastos com servidores, em caso de dificuldade financeira.

As medidas vão desde a não realização de concursos públicos, a não concessão de reajuste salarial, de promoções e de benefícios de qualquer natureza, até a redução da jornada do servidor, com a correspondente diminuição dos vencimentos. No caso da União, isso poderá ser feito se houver risco de não cumprimento da chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que proíbe aumentar a dívida pública para financiar despesas correntes.

No caso dos Estados, o conjunto de medidas de ajuste das contas poderá ser adotado toda vez que as despesas correntes superarem 95% das receitas correntes. O setor público brasileiro passará a contar, portanto, com ajustes automáticos em situações que antecedem às crises, uma vez que os gatilhos serão acionados antes que elas aconteçam. No caso da reforma administrativa, o presidente Jair Bolsonaro já delimitou o seu grau de abrangência. Definiu, por exemplo, que as novas regras somente valerão para os servidores que forem contratados após a promulgação da emenda constitucional. De fato, não é razoável esperar que a reforma atinja os servidores da ativa, que foram contratados com as regras em vigor.

Se valerá apenas para os novos servidores, a reforma administrativa ajudará na consolidação fiscal de médio e longo prazo, com muito pouco efeito no curto prazo. Em sua mensagem ao Congresso Nacional, que acompanhou a proposta orçamentária para 2020, o presidente da República informou que o objetivo da reforma administrativa é aumentar a produtividade do serviço público. E informou que ela, provavelmente, abordará a reestruturação de carreiras do funcionalismo e mudanças nas regras de estabilidade dos servidores públicos.

Atualmente, há mais de 300 carreiras, com cerca de 3.000 cargos no serviço público. Estudo divulgado pelo Banco Mundial, recentemente, mostrou que o nível salarial dos servidores federais é quase o dobro dos trabalhadores da iniciativa privada, com os mesmos níveis de escolaridade e com atividades semelhantes. O governo quer reduzir o número de carreiras e diminuir as remunerações iniciais, aumentando o tempo de progressão do servidor. Quer também ampliar o período de estágio antes que a pessoa concursada seja efetivada na carreira para a qual prestou concurso, criando mecanismos mais efetivos de avaliação de desempenho.

Não é possível melhorar a eficiência sem redefinir a questão da estabilidade do funcionário público. A estabilidade surgiu na administração pública para evitar a perseguição política. Com ela, os servidores podem ter uma atuação a favor do Estado, independentemente do governo da ocasião. O problema é que, ao longo do tempo, ela gerou dois males que são visíveis em muitos órgãos públicos: a acomodação e a ineficiência.

Parece óbvio que a estabilidade não pode ser concedida a todos os servidores. Ela deve ser destinada às chamadas carreiras típicas de Estados, que são aquelas que fazem parte das áreas de segurança, arrecadação e gestão do dinheiro público e da diplomacia. Por mais importante que seja um médico ou um engenheiro para determinados serviços prestados ao cidadão, eles não integram carreiras típicas de Estado. Mesmos para as carreiras de Estado talvez seja necessário algum tipo de flexibilidade, que estimule a produtividade. Assim, esta reforma precisa ser muito bem elaborada, pois ela significará o redesenho do Estado brasileiro para as próximas décadas.
Editorial - Valor Econômico - Opinião