Medidas de controle das despesas de pessoal nas três esferas de governo já foram encaminhadas ao Congresso
A modernização do aparelho do Estado brasileiro é uma necessidade negada
por poucos. Não se trata da velha e surrada discussão ideológica sobre o
tamanho do Estado, mas da necessidade de tornar o aparelho estatal mais
eficiente para melhor atender o cidadão, com serviços de qualidade. Há distorções na administração pública que precisam ser corrigidas, mas
há, igualmente, confusão sobre os objetivos de médio e longo prazo de
uma reforma administrativa. Alguns enxergam apenas o aspecto fiscal, ou
seja, a ajuda imediata que essa reforma poderá dar para o equilíbrio das
contas públicas. Isto é um erro.
As medidas de controle das despesas com pessoal, no curto prazo, já
foram encaminhadas pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso nos textos
das propostas de emenda à Constituição 186/2019 e 188/2019. Se as duas
propostas forem aprovadas, as administrações estaduais, municipais e
federal poderão adotar medidas duras de redução de gastos com
servidores, em caso de dificuldade financeira.
As medidas vão desde a não realização de concursos públicos, a não
concessão de reajuste salarial, de promoções e de benefícios de qualquer
natureza, até a redução da jornada do servidor, com a correspondente
diminuição dos vencimentos. No caso da União, isso poderá ser feito se
houver risco de não cumprimento da chamada “regra de ouro” das finanças
públicas, que proíbe aumentar a dívida pública para financiar despesas
correntes.
No caso dos Estados, o conjunto de medidas de ajuste das contas poderá
ser adotado toda vez que as despesas correntes superarem 95% das
receitas correntes. O setor público brasileiro passará a contar,
portanto, com ajustes automáticos em situações que antecedem às crises,
uma vez que os gatilhos serão acionados antes que elas aconteçam. No caso da reforma administrativa, o presidente Jair Bolsonaro já
delimitou o seu grau de abrangência. Definiu, por exemplo, que as novas
regras somente valerão para os servidores que forem contratados após a
promulgação da emenda constitucional. De fato, não é razoável esperar
que a reforma atinja os servidores da ativa, que foram contratados com
as regras em vigor.
Se valerá apenas para os novos servidores, a reforma administrativa
ajudará na consolidação fiscal de médio e longo prazo, com muito pouco
efeito no curto prazo. Em sua mensagem ao Congresso Nacional, que
acompanhou a proposta orçamentária para 2020, o presidente da República
informou que o objetivo da reforma administrativa é aumentar a
produtividade do serviço público. E informou que ela, provavelmente,
abordará a reestruturação de carreiras do funcionalismo e mudanças nas
regras de estabilidade dos servidores públicos.
Atualmente, há mais de 300 carreiras, com cerca de 3.000 cargos no
serviço público. Estudo divulgado pelo Banco Mundial, recentemente,
mostrou que o nível salarial dos servidores federais é quase o dobro dos
trabalhadores da iniciativa privada, com os mesmos níveis de
escolaridade e com atividades semelhantes. O governo quer reduzir o número de carreiras e diminuir as remunerações
iniciais, aumentando o tempo de progressão do servidor. Quer também
ampliar o período de estágio antes que a pessoa concursada seja
efetivada na carreira para a qual prestou concurso, criando mecanismos
mais efetivos de avaliação de desempenho.
Não é possível melhorar a eficiência sem redefinir a questão da
estabilidade do funcionário público. A estabilidade surgiu na
administração pública para evitar a perseguição política. Com ela, os
servidores podem ter uma atuação a favor do Estado, independentemente do
governo da ocasião. O problema é que, ao longo do tempo, ela gerou dois
males que são visíveis em muitos órgãos públicos: a acomodação e a
ineficiência.
Parece óbvio que a estabilidade não pode ser concedida a todos os
servidores. Ela deve ser destinada às chamadas carreiras típicas de
Estados, que são aquelas que fazem parte das áreas de segurança,
arrecadação e gestão do dinheiro público e da diplomacia. Por mais
importante que seja um médico ou um engenheiro para determinados
serviços prestados ao cidadão, eles não integram carreiras típicas de
Estado. Mesmos para as carreiras de Estado talvez seja necessário algum tipo de
flexibilidade, que estimule a produtividade. Assim, esta reforma precisa
ser muito bem elaborada, pois ela significará o redesenho do Estado
brasileiro para as próximas décadas.
Editorial - Valor Econômico - Opinião