A política costuma montar armadilhas para os políticos, lato sensu, que
constroem a trajetória com base em princípios absolutos.
Em algum
momento, geralmente quando o político ou seu grupo ascendem a posições
de poder, esses princípios são capturados no redemoinho das disputas
políticas, e o princípio antes férreo acaba pintado com as cores da
seletividade e da hipocrisia.
Esse roteiro é especialmente frequente entre os autoproclamados
defensores dos direitos humanos. E do estado de direito.
Nesses casos, é
sempre útil fazer o teste definitivo.
Quando estiver diante de um
defensor dos direitos humanos, ou do devido processo legal, verifique se
ele os defende também para os inimigos, e não apenas para os aliados.
Se o teste der negativo, você estará diante de um produto vencido.
Mas nem todo produto vencido está estragado. Mesmo ao custo de ver
desvestida a hipocrisia, mesmo a nudez do rei estando visível, o
estratagema pode perfeitamente funcionar.
Acontece quando a hipocrisia e
a seletividade entram em consonância com os desejos, ódios ou
preconceitos das massas, e essas deformidades do espírito transformam-se
em força material.
O mecanismo tem aplicabilidade quase universal. Na política externa,
quando interessa, invoca-se o direito das nações à autodeterminação. Em
outros casos, prevalece a exigência externa de que o país siga
religiosamente os direitos humanos e certos modelos de democracia
preestabelecidos.
Outro princípio é a exigência da solução pacífica dos conflitos. Mais um
teste que nunca falha.
Quando o político levanta a justa bandeira da
paz, verifique se ele faz isso também quando o lado que ele apoia numa
guerra está em vantagem, quando existe a possibilidade real de o
conflito ser resolvido favoravelmente pela força das armas.
Nesses casos, o mais comum é o pacifista indignado transmutar-se rapidamente em defensor do direito à autodefesa, ou à rebelião.
Mas tudo tem um outro lado. A hipocrisia e a seletividade
características da política abrem o mercado de oportunidades para os
grilos falantes que se dedicam a exigir coerência.
Para o que foi dito
ontem continuar valendo hoje. E estará completo o elenco do teatro
político. Mesmo os espetáculos de qualidade duvidosa atrairão público.
E estará garantido o meio de vida dos profissionais do ramo.
Quando é que o equilíbrio entra em risco? Uma situação clássica é quando
a vida das massas se deteriora e o governante, de tantas máscaras
vestidas e desvestidas, de tanto dizer algo e seu contrário, torna-se um
desconhecido grotesco e perde a condição de liderar. Outra é quando
alterações ambientais provocam o extermínio em massa dos grilos
falantes.
Sempre uma tentação para o poder.
A combinação das duas circunstâncias costuma ser fatal. Aí aparecem os
relâmpagos em céu azul, e tudo que é sólido se desmancha no ar.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político