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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Princípios vencidos - Alon Feuerwerker

A política costuma montar armadilhas para os políticos, lato sensu, que constroem a trajetória com base em princípios absolutos
Em algum momento, geralmente quando o político ou seu grupo ascendem a posições de poder, esses princípios são capturados no redemoinho das disputas políticas, e o princípio antes férreo acaba pintado com as cores da seletividade e da hipocrisia.

Esse roteiro é especialmente frequente entre os autoproclamados defensores dos direitos humanos. E do estado de direito.  
Nesses casos, é sempre útil fazer o teste definitivo. 
Quando estiver diante de um defensor dos direitos humanos, ou do devido processo legal, verifique se ele os defende também para os inimigos, e não apenas para os aliados.


Se o teste der negativo, você estará diante de um produto vencido.

Mas nem todo produto vencido está estragado. Mesmo ao custo de ver desvestida a hipocrisia, mesmo a nudez do rei estando visível, o estratagema pode perfeitamente funcionar. 
Acontece quando a hipocrisia e a seletividade entram em consonância com os desejos, ódios ou preconceitos das massas, e essas deformidades do espírito transformam-se em força material.
 
O mecanismo tem aplicabilidade quase universal. Na política externa, quando interessa, invoca-se o direito das nações à autodeterminação. Em outros casos, prevalece a exigência externa de que o país siga religiosamente os direitos humanos e certos modelos de democracia preestabelecidos.

Outro princípio é a exigência da solução pacífica dos conflitos. Mais um teste que nunca falha. 
Quando o político levanta a justa bandeira da paz, verifique se ele faz isso também quando o lado que ele apoia numa guerra está em vantagem, quando existe a possibilidade real de o conflito ser resolvido favoravelmente pela força das armas.

Nesses casos, o mais comum é o pacifista indignado transmutar-se rapidamente em defensor do direito à autodefesa, ou à rebelião.

Mas tudo tem um outro lado. A hipocrisia e a seletividade características da política abrem o mercado de oportunidades para os grilos falantes que se dedicam a exigir coerência.
Para o que foi dito ontem continuar valendo hoje. E estará completo o elenco do teatro político. Mesmo os espetáculos de qualidade duvidosa atrairão público.

E estará garantido o meio de vida dos profissionais do ramo.

Quando é que o equilíbrio entra em risco? Uma situação clássica é quando a vida das massas se deteriora e o governante, de tantas máscaras vestidas e desvestidas, de tanto dizer algo e seu contrário, torna-se um desconhecido grotesco e perde a condição de liderar.  Outra é quando alterações ambientais provocam o extermínio em massa dos grilos falantes.

Sempre uma tentação para o poder.

A combinação das duas circunstâncias costuma ser fatal. Aí aparecem os relâmpagos em céu azul, e tudo que é sólido se desmancha no ar. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

domingo, 31 de outubro de 2021

O buraco na defesa - Alon Feuerwerker

Análise Política

A hipótese de haver uma maioria centrista que rejeita os “extremos” não se vem comprovando. Desde a estreia, na disputa presidencial de 2018. Mas continua um sucesso de crítica, apesar do até agora insucesso de público. Uma pista pode ajudar a explicar a dificuldade na decolagem. O centrismo é tanto mais capaz de hegemonizar quanto mais inclusivo dá a impressão de ser. A ideia de construir consensos excluindo leva jeito de contradição em termos.

Não se deve subestimar, porém, o potencial de outra espécie de “centrismo”, que mais corretamente deveria levar o nome de “solucionismo”. Talvez haja um amplo contingente de eleitores em busca antes de tudo de soluções práticas para problemas idem, e é bem provável que essa turma venha a decidir a eleição. Trata-se então de encontrar a necessidade e preenchê-la, seguindo o conselho de Norman Vincent Peale.

Se bem que de vez em quando vale também criar a necessidade, ainda que artificialmente. O marketing está aí para isso.

Faz sentido que Luiz Inácio Lula da Silva e mais recentemente Jair Bolsonaro estejam voltados a lapidar a imagem de resolvedores de problemas. O primeiro vem ancorado nas percepções positivas sobre seu governo em temas como a fome. [baseado no preceito MANTER A FOME para manter o eleitorado.] O segundo busca bandeiras sociais. Tem lógica. A pandemia vem deixando um rastro de dificuldades econômicas, e a sobrevivência material ocupa o centro das preocupações desde que casos e mortes despencaram.

O Brasil traz uma peculiaridade no assunto que modernamente leva o nome de inclusão social. O foco gira invariavelmente em torno do papel redistributivo do Estado. Agora mesmo, um bordão de Lula é “incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”.[e os ladrões a serviço do condenado petista e do perda total na Petrobras e outras estatais.]  E a luta toda de Bolsonaro é pelo Auxílio Brasil de 400 reais. Ambos estão deixando um buraco na defesa, para alguém que diga a real: só crescimento econômico resolve.

Não se está dizendo aqui que crescimento sozinho resolve, mas que sem crescimento não tem solução. Os exemplos históricos são abundantes. Qual é o problema, então? “Desenvolvimento” virou palavra proibida. Um desafio mais complicado para os países que ficaram para trás, e cuja ascensão econômica agora é combatida pelos que hoje andam na frente como um risco à sobrevivência da humanidade.

Bolsonaro está colhendo os frutos amargos por ter subestimado a necessidade de encaixar a demanda brasileira de desenvolvimento no mindset da hora em escala global. [Não podemos esquecer que Bolsonaro não teve tempo para governar = em 2019, além das dificuldades inerentes a um inicio de governo, tendo que administrar a 'herança maldita' que recebeu, Bolsonaro sofreu sistemático boicote e a partir de 2020 teve que enfrentar a maldita pandemia.
Só agora, com a pandemia sob controle, surgem condições para iniciar seu governo e cujo programa inicial será convalidado em 2022, pelo eleitorado ao efetivar sua reeleição.] Lula corre o risco de ficar preso na tentação do discurso fácil, na lógica do determinante de matriz nula. Ele é sempre zero. A conhecida interpretação lato sensu do princípio da precaução. Ou seja, se algo representa risco, não faça, até reduzir esse risco a zero, ou perto de zero.

E se tanto Bolsonaro quanto Lula tentarem contornar o desafio, em vez de enfrentar? E se preferirem fixar o discurso na rejeição ao antípoda? Costuma funcionar em países como os Estados Unidos, onde só tem espaço para dois candidatos viáveis. Mas no Brasil isso acabaria deixando o citado buraco na defesa, para alguém que diga que em vez de ficar brigando vai se concentrar em fazer a economia crescer e gerar os urgentes milhões de empregos. [em nosso modesto entendimento não existe nenhum candidato com pretensões a enfrentar Bolsonaro (os fatos mostram que o condenado petista inexiste como candidato, portanto 2022 será Bolsonaro contra o resto) que consiga programa melhor de governo do que pregar rejeição ao capitão.]

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


sábado, 5 de dezembro de 2020

Um plano - Alon Feuerwerker

Análise Política

O Supremo Tribunal Federal marcou para o próximo dia 16 o julgamento de duas ações que tratam da vacinação para a Covid-19 (leia).  A primeira pede que o tribunal obrigue o governo federal a adquirir a vacina Coronavac produzida no Instituto Butantan. A segunda, que o governo apresente em 30 dias um plano nacional de vacinação.

É um sintoma da progressiva disfuncionalidade política. O que deveria ser resolvido com o exercício da autoridade do Poder Executivo, ou do próprio Legislativo, escorrega para a esfera do Judiciário. 

E depois reclamam quando este poder chama a si o que é atribuição dos demais. Não que faltem motivos para críticas aos juízes. Mas seria ingenuidade imaginar que arrastados para o centro do palco eles não ocupariam o espaço aberto para protagonismo.

Sobre as vacinas, a população espera um plano seguro, efetivo e viável para o máximo de pessoas conseguirem imunizar-se no menor tempo possível. E espera que os políticos, lato sensu, se entendam para o objetivo ser atingido.

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Trump, Biden e Bolsonaro - Alon Feuerwerker

Análise Política

Qual será ao fim e ao cabo o efeito de uma eventual vitória do democrata Joe Biden nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil? Nesta semana o assunto ganhou alguma tração quando um deputado do partido de Biden criticou o apoio aberto de familiares de Jair Bolsonaro ao incumbent Donald Trump.

O Brasil é ponto focal dos Estados Unidos na América do Sul. Um momento explícito foi quando o então presidente Richard Nixon disse que para onde pendesse o Brasil penderia a América Latina. É razoável portanto partir da premissa: a preocupação americana pelo que se passa aqui sobreviveria bastante bem à troca de guarda ali. Amizades e inimizades pessoais jogam seu papel, mas seria um erro superestimar. A chave decisiva para a análise é outra: de que maneira as relações entre ambas as nações ajudam ou atrapalham o projeto de poder do segmento líder em cada um dos dois países. E projetos de poder invariavelmente vêm conectados a projetos nacionais.

Nos tempos da primeira Guerra Fria a relação de troca sempre foi cristalina: os Estados Unidos ajudavam por aqui a manter uma arquitetura social e política enquanto o Brasil somava forças com o Ocidente no trabalho de contenção da influência da União Soviética. As exceções, quando essa lógica deixava de prevalecer em termos absolutos, apenas confirmavam a regraUma exceção foi no governo Ernesto Geisel. O rápido reconhecimento da Angola soberana e o acordo nuclear Brasil-Alemanha, no âmbito da ideia de “Brasil potência”, são fatos da história. Assim como o rompimento do acordo militar com os EUA em represália, segundo Geisel, às pressões do então presidente Jimmy Carter em torno do tema dos direitos humanos.

O momento hoje parece bem distinto daquele interregno geiselista. Não se nota nas elites brasileiras, lato sensu, maior desconforto com o alinhamento aos Estados Unidos. A divisão é outra: uns preferem acoplar-se a Trump e suas políticas, outros gostariam de engatar-se a Biden e à agenda do Partido Democrata, gostariam que a hegemonia norte-americana se desse apoiando outros atores e contemplando uma pauta mais antenada.

Não se nota por aqui hoje em dia maior ambição de protagonismo independente. Que implicaria jogar um jogo mais inteligente diante da “nova Guerra Fria”, entre os Estados Unidos e uma China em ascensão. Só o que se vê, no máximo, são lamentos diante da possibilidade de o alinhamento com o trumpismo atrapalhar os negócios do agronegócio.
E neste ponto é preciso admitir que se o Brasil precisa da China a China também se beneficia das boas relações com Brasil. Não à toa o atual momento comercial entre os dois países é o mais expressivo desde sempre. Nunca a China teve tanta participação nas exportações brasileiras. Manter as coisas pelo menos como estão interessa muito a Brasília mas também a Beijing.

Mas até quando?
O alarido diante dos factoides não deve enganar: há muito tempo não se via no Brasil tanta disponibilidade para uma acomodação ao jogo que é jogado pela Casa Branca. Pouca razão haveria para um possível presidente Biden arrumar encrenca com o Brasil por causa de Bolsonaro. Ainda mais se o horizonte para 2022 continuar como está. 

Alon Feuerwerker - jornalista e analista político


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Força, fraqueza. E o atributo central - Alon Feuerwerker

Análise Política


Quando Luiz Inácio Lula da Silva estava fustigado pelas ondas da tempestade que passou à história como mensalão, a popularidade dele apenas oscilou. Jamais chegou a ser abandonado pela espinha dorsal do seu eleitorado. O escândalo deu-se em 2005. No começo do ano seguinte, o da reeleição, Lula já ultrapassava os adversários nas pesquisas. Liderança que não mais lhe escapou.

A oposição chegou a namorar o impeachment mas nunca foi em frente. Cautela. Pois todos os levantamentos mostravam ileso o prestígio do presidente junto à tropa dele. Quando se especula sobre afastamentos presidenciais normalmente mede-se 1) o apoio parlamentar, 2) a economia 3) o "povo na rua" e 4) as pesquisas.

Colocar povo na rua não chega a ser tão complicado. Há exceções, como numa pandemia. Mas mesmo agora na Covid-19 vemos gente disposta a sair de casa para protestar. E talvez “a rua” no pós mantenha um forte componente digital, quem sabe? E se o Brasil é habitado por bem mais de 200 milhões de pessoas colocar até 1 milhão na rua, ou na “rua”, não chega ser decisivo.

Presidentes normalmente entram "à vera" na linha de tiro para serem afastados só quando sua sustentação no povo evapora. O item 4. Foi assim com Fernando Collor e Dilma Rousseff. Estavam já muito vulneráveis quando os adversários colocaram para rodar os exércitos do impeachment. Mas dizer que governantes caem quando perdem apoio é quase uma tautologia.

O que leva líderes a ver evaporar a sustentação? A piora das condições materiais? Também, mas não necessariamente. A popularidade de Vladimir Putin vem resistindo bem às dificuldades econômicas trazidas pelas sanções em represália à reanexação da Crimeia. O ditado “É a economia, estúpido” popularizou-se com Bill Clinton, mas toda unanimidade é burra. Ainda que a afirmação do Nelson Rodrigues tenha uma contradição interna.

O governante consegue resistir bem à tempestade econômica na medida em que os atributos centrais dele estão preservados. Putin mantém-se porque ninguém duvida de que trabalha pela grandeza da Rússia humilhada ao final da Guerra Fria. Lula reelegeu-se, elegeu a sucessora e colocou seu candidato no segundo turno em 2018 porque nunca convenceram o povão de que ele deixou de “olhar pelos pobres e pelos excluídos”.

Ao contrário, Collor enfraqueceu-se decisivamente quando conseguiram carimbá-lo de corrupto. Bem ele que se apresentara em 1989 como quem melhor iria combater a corrupção. A anemia política de Dilma teve a ver com a guinada real e simbólica de política econômica entre a duríssima campanha pela reeleição e o instalar do segundo governo. Guinada que dividiu e desmobilizou a base eleitoral dela, deixando-a indefesa. E em vez de a oposição aplaudir a presidente por “fazer a coisa certa” aproveitaram a fraqueza dela para derrubá-la. É a política, estúpido.

Qual o atributo central de Jair Bolsonaro aos olhos do tal terço, um pouco mais, um pouco menos, nas pesquisas? Ele ser “anti-sistema”. Lato sensu. Eis por que precisa manter o conflito aquecido com “o sistema”. Mas a realidade é uma contradição ambulante, e essa guerra eterna drena recursos e energias do presidente, e traz isolamento. Quando ele mais precisa de aliados. Se não se faz omelete sem quebrar ovos, tampouco existe almoço grátis. Ah, sim: o dito centrão não está nem perto de ser "o sistema". Fica a dica.
E vamos ver até que ponto o conflito com Sergio Moro mexe na percepção dos atributos presidenciais. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista politico


segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Só lamenta a polarização social e política quem acredita ter força para impor a unanimidade - Alon Feuerwerker

Análise Política

Uma fábula persiste desde a campanha presidencial: a possibilidade de eliminar a polarização política e social por meio de um consenso majoritário centrista. A tese naturalmente fracassou nas urnas, como previsto, mas o prejuízo dos seus elaboradores e propagandistas foi apenas relativo, eles continuam por aí prestigiados e ouvidos para delinear caminhos futuros. Faz parte.

O hit do momento é que a saída de Luiz Inácio Lula da Silva da prisão vai acirrar aquela polarização, quando o desejável seria o contrário. 

Há de cara um problema nesse desejo: ele supõe que 
1) Lula poderia de algum modo aderir a um status quo que lhe negasse protagonismo político ou 
2) sem Lula, seria possível, com o tempo, ou atrair Jair Bolsonaro para a órbita centrista ou removê-lo.

São apostas arriscadíssimas, mas às quais se aplica a velha metodologia de repetir indefinidamente certas coisas nos jornais (lato sensu), esperando o milagre acontecer. Vai que rola... Entrementes, os fatos, costumeiramente teimosos, abastecem a linha de montagem da vida real e do próprio jornalismo, uma das poucas atividades no Brasil em que a escassez de oferta não tem dado as caras.

Vamos resumir. Impor o consenso só interessa e é possível a quem tem hegemonia. A falta de consenso no Brasil não é resultado da ação de pessoas más que desejam ver brasileiros brigando com brasileiros nas ruas, nas redes sociais e nos encontros de família, mas do fato banal de nenhum dos três blocos político-sociais-culturais deter força suficiente para se impor aos outros dois.

Os três blocos são o liberal-progressista, liderado por Fernando Henrique Cardoso, o social-progressista, liderado por Lula, e o liberal-conservador, liderado por Bolsonaro. Note que nenhum dos três precisa estar completamente de acordo com o ideário dominante em sua turma, precisa apenas evitar ser desafiado na tribo. E ficar por aí esperando a roda da fortuna lhe sorrir.

Só acha que Lula “radicalizou” ao deixar a PF quem achava possível ele propor uma união nacional em torno da agenda Guedes para a economia. Ou acreditava ser da conveniência do ex-presidente aceitar a priori a hegemonia liberal para a formação de uma frente ampla anti-Bolsonaro. Se não aceitou algo parecido em períodos muito mais desfavoráveis para ele, por que agora?

O Chile é a prova viva de que mesmo experimentos liberais economicamente exitosos produzem déficits sociais, reais ou na esfera da percepção, que podem bem ser trabalhados por uma oposição com olho na estratégia. Lula está focado nesse mercado potencial. E se até os resultados econômicos faltarem para Bolsonaro, o plano fica mais viável ainda. Assim é a política. Nem Bolsonaro nem Lula serão derrotados por lamúrias contra a radicalização e a polarização, nem o liberal-centrismo vai atrair um dos dois simplesmente por prometer a paz dos cemitérios. Subestimar a inteligência das pessoas é sempre um erro. 


 Alon Feuerwerker, jornalista - Análise Política

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Que anti vai dar as cartas em 2022? E a falta que faz uma rua para a turma do terceiro turno - Alon Feuerwerker


Análise Política


A máxima “é a economia, estúpido", universalizada a partir da vitória de Bill Clinton em 1992 contra George Bush Primeiro, deve enfrentar um bom teste ano que vem. Se as previsões de recessão americana não se confirmarem, Donald Trump vai às urnas surfando crescimento sólido e pleno emprego. Restará aos democratas navegar no antitrumpismo, uma convergência de rejeições variadas, com foco comportamental e ambiental. Que bicho vai dar?

E por aqui? Se a economia continuar mal, o bolsonarismo chega a 2022 capenga. E sua melhor aposta seria o antipetismo. Mas é ingênuo imaginar que o bolsonarismo vai assistir passivamente à perenização da mediocridade econômica, e caminhar mugindo para o matadouro eleitoral. Se é verdade que Paulo Guedes resta como o último dos ministros ainda com crachá de super, a esta altura o mundo já percebeu: quem acreditou em carta branca caiu no conto do vigário.

O seguro morreu de velho e, na dúvida, o bolsonarismo e o lavajatismo continuam batendo no PT. [o presidiário Lula se auto classifica como uma jararaca, sendo o PT sua extensão, se deve usar para destruir o PT, perda total, a mesma tática que se usa para eliminar a serpente.] Mas o presidente parece ter um olho no peixe e outro no gato, também abre fogo regular contra um nascente antibolsonarismo antipetista que lança raízes na direita, no autodeclarado centrismo, e até numa fatia da esquerda, esta em busca da plástica que remova as rugas de quase duas décadas de governos PT, e lhe permita aparecer como novidade.

Não será fácil vertebrar esse antitudo. Em 2018 naufragou, apesar da torcida. Talvez porque sua melhor aposta fosse o PSDB, ele próprio atingido pela marcha do lavajatismo. Mas convém não subestimar. Agora são vários candidatos "contra os extremismos”, desde o ainda tucano João Doria até a franjinha do PT ansiosa por livrar-se da liderança de Lula. Passando por Luciano Huck e por um Ciro Gomes cada vez mais disposto a bater nos outrora aliados.

Diz a sabedoria política: mais que para eleger alguém, a pessoa sai de casa no dia da eleição para derrotar alguém. Principalmente num segundo turno. Daí a importância de monitorar em tempo real a temperatura dos vários anti. Dois parâmetros são úteis aqui: a taxa de rejeição de cada nome/partido e as simulações de segundo turno. É um erro achar que a distância das eleições diminui a importância dessa medição. É o contrário.

Que anti será hegemônico daqui a três anos? O vacilo na medição dessa variável costuma ser fatal. Ano passado, a campanha de Fernando Haddad parece ter acreditado por um momento que a ida de Bolsonaro ao segundo turno desencadearia a aglutinação de um amplo movimento democrático antibolsonarista. Não rolou. O antipetismo mostrou-se bem mais forte. Pelo menos, Haddad teve um final digno. Não foi o caso do massacrado centrismo antiextremista.

Registre-se que na história do Brasil frentes da esquerda com os liberais só existiram com sucesso quando os primeiros aceitaram a liderança dos segundos. #ficaadica

É corajoso, e curioso, que as mais animadas articulações políticas opositoras apostem exatamente no que deu errado na eleição. Na esquerda, a frente ampla não programática. Na direita e no autonomeado centro, a advertência contra o risco de supostos extremismos. Talvez essa coragem se pague, mas por enquanto é visível a dificuldade de os atores concordarem em qualquer coisa que não seja a vontade de chegar ao poder só surfando na rejeição alheia.

Mas, se isso deu certo para o presidente por que não daria certo contra ele? Aliás, o fato mais vistoso da conjuntura é a agitação dos que apoiaram Bolsonaro contra o PT e agora conspiram a céu aberto para tentar se livrar dele. Exibem músculos na opinião pública, mas falta-lhes rua. Quem poderia fornecer? A esquerda. Mas esta não parece especialmente motivada, ainda, a injetar o combustível político indispensável aos algozes de tão pouco tempo atrás.

Pode ser também a Lava Jato. Daí as piscadelas cada vez mais explícitas, a pretexto de não deixar morrer a luta contra a corrupção. A dificuldade? A relação íntima do bolsonarismo com o lavajatismo. E como Bolsonaro não nasceu ontem, vetou sem medo de ser feliz um monte de coisas na Lei de Abuso de Autoridade. E seu indicado à Procuradoria Geral da República já estendeu o tapete vermelho à turma de Curitiba, lato sensu


Alon Feuerwerker - Análise Política