O que Bolsonaro diz nada vale no minuto seguinte, seja por ignorância ou esperteza
uma decisão contra uma autoridade que tenha foro especial, dependendo do nível, pode ir direto ao STF;
mas, decisão contra um criminoso condenado, cumprindo pena e com outra condenação aguardando confirmação em segunda instância e mais uma dezena de processos penais, deve seguir o caminho normal - caso tenha fundamento, não tendo, arquivo;
Lula ia ser transferido devido uma decisão de primeira instância, sobre ela teria que se manifestar o TRF-4, que seria contestada no STJ e continuando a contestação iria ao STF.
Em teoria, réu preso tem prioridade. Qual o motivo do 'em teoria'? Simples, são tantas as ações travadas nas diversas instâncias, que qualquer bandido condenado teria que esperar uns dois anos até a matéria chegar ao Supremo.
No caso de Lula, o STF, 'em menos de 12 horas, a defesa do Presodentro Luiz Inácio Lula da Silva consiga o milagre de que o Supremo Tribunal Federal receba um recurso, [recurso enviado ilegalmente ao Supremo e, ilegalmente, recebido por aquela Corte Suprema] - coloque em pauta e faça o julgamento?'
Lula atropela tudo e ainda endereça a petição para ministro de sua escolha - no caso Gilmar Mendes.]
Palavra de rei não volta atrás. Esse brocardo do velho regime monárquico sobrevive na boca do povo na República, mas nunca foi exigido dos ocupantes dos cargos mais altos do governo o compromisso inamovível da estabilidade que antes era um dever real. No caso do Brasil contemporâneo, a instabilidade resulta da completa desmoralização do conceito de divisão dos Poderes cunhado pelo barão de Montesquieu ainda na vigência do Velho Regime, que antecedeu a Revolução Francesa, no século 18. O Legislativo se fortalece na situação de poder real sem a devida autorização constitucional para substituir o Executivo e este se dá ao desplante de violar a Constituição. O Judiciário exime os seus próprios mandatários do mais alto escalão de prestarem conta de seus deveres, jogando no lixo o mais pétreo de todos os conceitos da democracia: o da igualdade de todos os cidadãos perante o talante da lei.
No impeachment de
Dilma Rousseff, um acordo entre os então presidentes do Senado, Renan
Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski,
mandou às favas o princípio constitucional da obrigação do chefe de
Estado deposto de passar oito anos sem cargo público. Em nome do direito
sagrado da petista a ser “merendeira da escola”, a ex-“presidenta” foi
dispensada da obrigação constitucional, candidatou-se ao Senado por
Minas e foi punida pelo eleitor com o último lugar na contagem dos
votos. O atual presidente do
STF, Dias Toffoli, extrapolou muito suas funções ao decretar punição
rigorosa da lei a qualquer cidadão que criticar publicamente os membros
de sua grei. Do alto de sua delirante onipotência, ele indicou o colega
Alexandre de Moraes para relatar o inquérito punitivo, sem sorteio nem
consulta aos pares do plenário. No Brasil de hoje, decreto de presidente
do STF não se discute, cumpre-se, como diziam os políticos de antanho
em relação aos juízes em geral. O relator censurou a revista Crusoé por ter publicado notícia oficial considerada ofensiva à honra de el-rey.
O mundo desabou sobre
Moraes e a censura caiu. Mas a decisão abusiva, monocrática e
totalitária, com data de extinção prevista durante o infame “recesso
branco” dos supremos magistrados, foi prorrogada até novembro. Em 1.º de
agosto, agora mês de nosso maior desgosto, o inquérito 4.781 do STF
ganhou novas e mais graves consequências. Decretou a condenação de
qualquer cidadão que ouse insultar os supremos no velho e sagrado sigilo
telefônico. E mais: suspenderá do cargo e do serviço público o servidor
de Banco Central, Coaf e Receita Federal que fiscalizar movimentações
financeiras da cúpula dos três Poderes. Nem do registro dos abusos de
Nero consta ignomínia de tal jaez.
No Brasil, assim como a plebe assistiu ao golpe militar que gerou a República insana, só resta penar “bestializada” (apud José
Murilo de Carvalho) sob arroubos tirânicos do advogado reprovado duas
vezes em concursos para juiz de primeira instância. No Congresso,
paralisado por seus próprios “malfeitos” (apud Dilma Rousseff),
ninguém se arrisca a perturbar os deuses imperfeitos do raso Olimpo. Na
Câmara, Rodrigo Maia, o Botafogo do propinoduto da Odebrecht, tem a
autoridade moral de uma lesma para evitar esta assustadora, mas não
surpreendente, tomada de poder pelos togados. No Senado, outra eminência
do baixo clero, Davi Alcolumbre, não é besta de chamar a atenção para
um Poder que acaba de perdoá-lo por eventuais traquinagens contábeis em
eleição, depois do perdão majestático da rainha Rosa Weber.
Um bando de néscios da
extrema direita, que se acham no poder porque têm acesso ao regente
Carlos, por copiarem suas diatribes no Twitter, ainda acredita na
iniciativa do chanceler Eduardo de fechar o STF com um jipe, um cabo e
dois soldados. E na inocência do mano Flávio, coveiro da CPI da Lava
Toga no Senado. É de matar de rir. Ou de chorar. Nesta entrada de
oitavo mês de governo, o pai deles, Jair, já abusou da própria
incapacidade de usar palavras no sentido certo. Não se sabe se é por
ignorância ou se é por esperteza. Com o aval de Donald Trump, insiste na
ideia de nomear o caçula Eduardo, embaixador em Washington. Não é
nepotismo, pontificou.
E Trump, em pessoa, ecoou. Rasguem os
dicionários, queimem-nos em praça pública, a palavra que denuncia a
prática incompatível na República (beneficiar parente com dinheiro
público) virou hipocrisia. Assim como qualquer pessoa que considere
alguém do STF passível de fiscalização tributária, o cristão que
discordar do capitão e seus filhotes foi, é e será sempre hipócrita.
Será insultado de hipócrita, por exemplo, quem não acha certo o clã ter
nomeado 102 garrotes mamões das tetas da loba que nutriu Rômulo e Remo,
fundadores de Roma. Trata-se de um recorde de não se orgulhar. Mas se o
fato destoa, pior para ele. A “nova política” mata a “velha” de
vergonha.
Jair assombrou a Nação
dizendo que sente falta de um ministro “terrivelmente evangélico” no
STF. Seu advogado-geral, André Mendonça, é o nome que cabe nesse susto.
Pastor evangélico e fâmulo de Toffoli. Que importa que tenha dito que a
vaga do decano Celso de Mello, a ser aberta em 11 meses, seria de Sergio
Moro? Inspira-se em Michel Temer. Verba volant, este escreveu. As de Jair comem alpiste na gaiola. Ele disse a senadores
que queriam manter o Coaf na Justiça que na Economia as diretrizes de
Moro seriam mantidas por Paulo Guedes. Mas agora pressiona o ministro da
Economia para defenestrar Roberto Leone, presidente do Coaf escolhido
pelo ex-juiz. O motivo da demissão seria sua crítica à decisão de
Toffoli que, ao proibir o compartilhamento de dados da inteligência
financeira, da Receita Federal e do Banco Central, com o Ministério
Público e a Polícia Federal, beneficiou o primogênito Flávio.
Como dizia meu avô, a palavra do presidente não vale um tostão furado de fumo podre.
Blog do Nêumanne - José Nêumanne, Jornalista, poeta e escritor - Publicado na pág. A02 de O Estado de S. Paulo