Quem era apresentado como caso de sucesso nas capas de revista? Marcelo Odebrecht, os irmãos Batista, Eike
Grandes
empresários deveriam ser símbolos de sucesso, empreendedorismo e
retidão. Homens que teriam sido feitos por si mesmos em processos
concorrenciais em que saíram vitoriosos. Apareceriam, então, como
exemplos a serem seguidos tanto por jovens em início de carreira quanto
por aqueles que seriam objeto de um processo de emulação.
Uma
sociedade organiza-se em função de exemplos a serem seguidos, em uma
encarnação de valores a serem repetidos. O caso do mundo empresarial
deveria, neste sentido, mostrar o caminho dos que pretendem o sucesso na
vida econômica, sem descuidar, evidentemente, de que este sucesso
obedeça a regras do ponto de vista moral e jurídico. Não se trata de um
vale-tudo no absoluto desconhecimento do compromisso com valores éticos.
O Brasil, no longo reinado lulopetista, com suas consequências
agora aparecendo, deu mostras de condutas que não deveriam ser imitadas.
Seriam expressões de um sucesso a ser obtido a qualquer preço, como se o
mundo das regras jurídicas e de mercado fosse considerado simplesmente
na perspectiva de sua perversão. O seu capitalismo seria o do compadrio,
tornando-se, progressivamente, o dos comparsas.
Quais eram os
símbolos nacionais que vinham se destacando? Quem era apresentado como
caso de sucesso, preenchendo capas de revista, propagandas, notícias,
redes sociais e o mundo televisivo? Marcelo Odebrecht, os irmãos
Batista, Eike Batista e outros. Todos têm em comum estreitas
relações com o ex-presidente Lula, embora todos procurem, agora,
minimizar este fato, inclusive o próprio ex-presidente. De repente,
tornaram-se desconhecidos, como se, em um passe de mágica, tudo o que
junto fizeram tivesse sido apagado. Nem as mágicas infantis produzem tal
efeito.
É bem verdade que, nesse relacionamento de compadrio,
Lula foi somente o líder máximo, tendo sido acompanhado por todo um
submundo em que compareceram não apenas os petistas, mas a maioria dos
outros partidos, em uma espécie de partilha dos bens nacionais. Estabeleceu-se
uma triangulação entre políticos, empresários e executivos de empresas
estatais e bancos públicos, baseada tanto no enriquecimento pessoal, no
sucesso das empresas quanto no financiamento de partidos políticos.
Convém aqui ressaltar que tal processo não ficou limitado somente a um
falseamento da concorrência, restringindo severamente as condições de
uma economia de mercado, mas terminou evoluindo para um complexo
processo de corrupção, que permeou todo o aparelho estatal.
O
saqueio, por assim dizer, da Petrobras ilustra muito bem a que ponto
este processo foi conduzido, espalhando-se, assim, para outras empresas e
bancos públicos. Os compadres evoluíram para comparsas. O mundo da
política tornou-se o da polícia; o mundo empresarial, o do crime. A
Lava-Jato tem o grande mérito de ter desvendado este processo, graças
ao incansável trabalho de juízes, desembargadores, promotores,
procuradores e policiais federais. Graças a eles, este submundo veio à
tona, expondo a corrupção que tinha tomado conta do Estado, dos partidos
e deste setor do mundo empresarial. A delação premiada, nesta
perspectiva, foi um instrumento da máxima importância.
Marcelo
Odebrecht está preso, o nome de sua empresa aparecendo, agora, como
símbolo da corrupção e do descaso para com os bens públicos. Os seus
donos lutam atualmente pela sua sobrevivência, imersos nos mais
distintos tipos de problemas. Foram comidos por sua própria voracidade. Eike
Batista, outrora símbolo do rápido sucesso empresarial, cortejado por
muitos e dono de uma muito boa capacidade de comunicação, pena em
processos criminais. O seu império desmanchou-se como um castelo de
cartas, tendo mostrado não possuir nenhuma base real. A sua imagem é um
exemplo do que não pode ser repetido.
Os irmãos Batista, com
destaque para Joesley, são um caso à parte. Não por não serem compadres e
comparsas, mas por exporem à nação que o crime compensa. Comparsas
foram a um grau máximo, mas pretendem se vender como vítimas e, pior
ainda, como partícipes de um processo de revelação da corrupção. De
bandidos, pretendem ser mocinhos. Ocorre que a sociedade
brasileira, que manteve a sanidade e o bom senso no que diz respeito aos
seus valores, embora tenha sido ludibriada eleitoralmente, insurge-se
contra o espetáculo político-policial da corrupção. Os irmãos Batista
continuam sendo vistos como bandidos que devem ser exemplarmente
punidos.
Acontece, porém, que conseguiram um acordo de delação
que os isenta da punição. Um dos irmãos, Joesley, em um ato de completo
descaramento, sem nenhum tipo de vergonha, logo embarcou com a família
para Nova York, em avião particular, para usufruir do luxo de sua vida
de criminoso bem recompensado. Seu iate foi para os Estados Unidos, para
melhor usufruírem de suas regalias. E, o mais grave, com o beneplácito e
o apoio da Procuradoria-Geral da República.
A Lava-Jato mostrou
que a delação é meio para a obtenção de provas, e não fim em si mesmo. O
que estamos observando, contudo, é uma busca desenfreada por delações
como se essas fossem o seu próprio fim. Ou seja, delações são — ou
deveriam ser — instrumentos de punição, e não ferramentas de impunidade. O resultado é uma completa inversão de valores. Os Batistas
chegam a reclamar candidamente de que estariam sofrendo “retaliações” do
governo, como se o seu acordo com a Procuradoria-Geral da República
fosse um salvo-conduto para que a sua vida empresarial — e pessoal —
continuasse “normalmente”.
Fizeram um grande caixa para atravessar este
período. Esqueceram de combinar com os russos. Seus fornecedores não
mais querem lhes vender os seus produtos. Os seus clientes já não mais
querem comprá-los. Bancos públicos e privados querem segurança do que
lhes foi emprestado. E a Comissão de Valores Mobiliários investiga suas
operações.
E a sociedade quer dar um basta a tudo isso!
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - O Globo