Um dos efeitos mais notáveis da covid, e não só no Brasil, foi ter criado um tipo até então desconhecido de ciência
- a ciência estática, na qual um bloco de cientistas tem certeza
absoluta de que todo o conhecimento humano existente na área de
medicina, por exemplo, chegou ao seu ponto máximo e não pode mais ser
ampliado, nem modificado. Não poderia haver uma abordagem diferente para
uma questão médica, sobretudo se ela nunca se apresentou antes? Não,
não poderia.
A verdade científica, por esta visão do mundo, esgota-se
naquilo que o professor Pedro ou o pesquisador Paulo sabem - ou, mais
precisamente, naquilo que acham que está certo, ou de que gostam.
Resultado: é proibido discutir, segundo a ciência estática, qualquer
afirmação, constatação ou hipótese que não seja aprovada pelos gestores
do que se tornou hoje o universo “cientificamente correto”.
Outra
maneira, menos paciente, de descrever isso tudo é dizer logo de uma vez
que a política, na onda da covid, entrou com as quatro patas na
ciência. Nada demonstra essa perversão tão bem quanto a “CPI” da covid,
na qual o submundo policial do Senado grita todos os dias o que é
“ciência boa” e o que é “ciência ruim”. A primeira é qualquer coisa que
sirva aos seus interesses políticos.
A segunda são os fatos que querem
abolir. Todo mundo vê: semianalfabetos que não saberiam dizer que horas
são, mas têm uma carteirinha de senador, interrogando médicos e outras
pessoas de bem como se fossem um soldado da PM diante de algum vagabundo
numa delegacia de polícia. É um “ambiente tóxico”, disse o presidente
do Conselho Federal de Medicina. E é isso, na sua forma mais grosseira, o “cientificamente correto”.
Que
gente com o nível de um senador de CPI faça isso, quando se pensa cinco
segundos no assunto, é bem aquilo que se poderia mesmo esperar. Menos
compreensível é a atuação, cada vez mais excitada, agressiva e
repressora, dos médicos, pesquisadores e cientistas que praticam o
“cientificamente correto” e se tornaram militantes de uma causa: a de
que a covid só pode ser tratada de uma forma, a sua, e que qualquer
ideia diferente tem de ser denunciada como uma ameaça à saúde pública.
Assumiram o papel de vigilantes. Na vertente mais lamentável da sua
conduta, querem punição, inclusive penal, para colegas que estiverem em
desacordo com eles.
A política e a ideologia já interferem de
maneira cada vez mais rancorosa nas disciplinas da ciência ligadas ao
meio ambiente, na biologia humana, na gramática - fala-se, até, de uma
“matemática negra”. Por que a medicina seria poupada dessas deformações?
Mas é especialmente perturbador que a contaminação política vá tornando
cada vez menor, junto à população brasileira, a credibilidade da
medicina e dos médicos. Talvez nada comprove isso de maneira tão clara
quanto a guerra aberta ao tratamento precoce da covid - ou as tentativas
de se fazer alguma coisa pelo paciente antes que a sua situação se
agrave a ponto de precisar de uma UTI.
O Conselho Federal de
Medicina se coloca, claramente, a favor do direito dos médicos de darem o
tratamento que julgarem mais indicado para quem lhes pede socorro,
dentro de sua relação pessoal e intransferível com os clientes. É assim
em todas as doenças - por que não na covid? Negar a liberdade do médico,
aí, é tornar ilegal o livre exercício da medicina no Brasil.
O CFM tem a
atribuição constitucional de supervisionar a prática da medicina no
País; não é um botequim onde se dá palpite sobre remédio. Não faz nenhum
sentido, como acontece na CPI e nos grupos onde se trata a covid como
questão política, jogar suas recomendações na lata de lixo.