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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

"Assistimos agora a escaramuças, de novo, em torno de uma vacina" - Alexandre Garcia

"A Anvisa tem por obrigação a defesa da saúde da população, assumindo a responsabilidade pela segurança de vacinas. Se liberar uma vacina que cause danos à saúde das pessoas, será responsabilizada"

Passados 116 anos da Revolta da Vacina, que teve 30 mortes, 110 feridos e 12.400 prisões no Rio de Janeiro e fez o governo recuar da obrigatoriedade da imunização contra a varíola, assistimos, agora, a escaramuças, de novo, em torno de uma vacina. De um lado, o governo federal e, de outro, o governo de São Paulo. O secretário-executivo do Ministério da Saúde, como porta-voz do Executivo, disse que, quando houver vacina licenciada, a estrutura habitual do governo, que aplica 300 milhões de doses anuais de 19 vacinas, será acionada via SUS, em seus 38 mil postos. E acusou Doria de vender sonhos e se aproveitar da esperança do povo. Em meio à pandemia, a população divide-se entre os que esperam salvação na vacina e os que preferem esperar, diante de vacinas tão pouco testadas em tão pouco tempo. E ainda temos as de engenharia genética, que nunca tomamos. A produtora alega, no contrato, que não se responsabiliza por efeitos colaterais.

[Importante lembrar: além de responsabilizarem (responsabilização merecida,  caso a liberação indevida  pela Agência, ocorra  por incompetência, medo de algum partideco ou por qualquer tipo de pressão política, venha de onde vier) a Anvisa, vão tentar encontrar um meio de atribuir responsabilidade ao presidente Jair Bolsonaro. 

A Anvisa deve denunciar qualquer pressão que sofra para liberar vacina da preferência de algum governante;  não pode,  não deve liberar nenhuma vacina que não atenda aos requisitos estabelecidos  por órgãos competentes, isentos, responsáveis, sérios, possuidores de credibilidade mundial.  Vacina que tenha aprovação apenas no país de origem, sem ter sido validada em nenhum outro país, que só é defendida pelo país fabricante, tem que ser recusada.

A aprovação da segurança e eficácia da vacina, ou vacinas, tem que ser baseada na ciência. Tudo tem  que ser provado e comprovado - na dúvida, deve ser rejeitado.]

Sempre citada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é autônoma, não está submetida a governos e muito menos à política, como salientou seu diretor-geral. Os funcionários da Anvisa fizeram uma nota reiterando isso. A agência tem por obrigação a defesa da saúde da população, assumindo a responsabilidade pela segurança de vacinas. Se liberar uma vacina que cause danos à saúde das pessoas, será responsabilizada. Se permitir que o governador Doria aplique a vacina chinesa sem que ela esteja licenciada na China e aqui, também será responsabilizada.  
E se as pessoas a serem vacinadas assinarem um termo de responsabilidade, como fazem antes de cirurgias?
 

A lei da pandemia prevê autorização emergencial, que não é a vacinação em massa. Assim, não se pode atropelar, por ânsia política, o rito científico que visa à segurança da vacina. O próprio governador de São Paulo, que havia prometido entregar dados da fase III da vacina chinesa, adiou o prazo, embora já tenha anunciado início da vacinação para 25 de janeiro, o que é uma precipitação ou desejo de apressar a Anvisa. Enquanto isso, há resultados marcantes nos tratamentos preventivo e precoce. 

Nenhum laboratório, até agora, entrou na agência pedindo registro para uso emergencial e experimental. No entanto, o relator de ações no Supremo, ministro Lewandowski, deu 48 horas para o governo marcar data de início e fim da vacinação. Parece que vivemos no país do faz de conta.  
Faz de conta que temos a vacina, faz de conta que ela é segura, faz de conta que está aprovada, faz de conta que até sabemos quando a vacinação vai começar e terminar.  
Brinca-se com a saúde e a esperança do povo, como se fôssemos cordeirinhos descerebrados.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense