Análise Política
Não foi à toa, portanto, que ao longo dos quatro anos de conflito
latente ou aberto com o Judiciário o então presidente Jair Bolsonaro
tenha batido sistematicamente no argumento de estar “jogando dentro das
quatro linhas”. A esta altura, e os últimos acontecimentos ajudam a
lançar luz sobre o passado, fica claro que o ex-presidente não tinha
apoio militar para manobras continuístas construídas fora do campo
regulamentar de jogo e contra o juiz.
Outro complicador para Bolsonaro, e talvez lhe tenha faltado a
percepção, é as “quatro linhas” exibirem flexibilidade juridica inédita
no Brasil. E, principalmente, o hoje ex-presidente nunca ter estado nem
perto de conhecer, ou ao menos vislumbrar, uma coexistência pacífica com
as instâncias judiciárias encarregadas de dizer o que a Constituição
permite ou não fazer.
Coexistência difícil também por ambos terem disputado com ferocidade o
poder moderador, formalmente abolido na República, mas muito vivo.
Sobre aquela flexibilidade, há poucas coisas mais ingênuas em política
do que exigir coerência. Na política, os argumentos servem unicamente
para reforçar ou alterar a correlação de forças, e quem não tiver
estômago para tanto deve buscar outra atividade. Dito isso, é digno de
nota que em quatro décadas o Brasil tenha transitado da legalização de
partidos cujo programa propõe a abolição da democracia liberal para a
criminalização de uma conduta conexa, apenas vinda do lado oposto.
Um tema para os historiadores.
Os lamentáveis acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, ao
afrontar material e simbolicamente a legalidade numa escala inédita em
anos recentes, deixaram o exército (atenção para a minúscula)
bolsonarista exposto ao cerco das tropas inimigas, num saliente
indefensável. Infelizmente para a tropa, o comandante não percebeu que
era hora de retirada para preservar forças, ou avaliou mal a situação.
A boa tática está sempre a serviço da estratégia. O contrário é um erro.
Quando Napoleão Bonaparte mandou executar Louis Antoine Henri de
Bourbon, o Duque de Enghien, e com isso desencadeou contra si a ira das
casas reais europeias, deu a Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord a
oportunidade de acrescentar uma das frases que marcariam a biografia do
célebre político francês: “Aquilo foi pior que um crime; foi um erro".
Os sinais estão aí.
Pois, se Jair Bolsonaro for neutralizado como alternativa imediata real,
e depois de 8 de janeiro há acordo entre as demais correntes para isso,
como administrar as contradições que naturalmente vão aflorar entre os
hoje aliados anti-Bolsonaro e certamente futuros inimigos?
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político