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sexta-feira, 31 de julho de 2020

Efeito Lava-Jato - Nas entrelinhas

“Assim como o ‘partido fardado’ que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Bolsonaro, nada impede que surja um partido togado, ‘lavajatista’, mirando o pleito de 2022”

Armou-se em Brasília um cerco à Operação Lava-Jato, cujas forças-tarefas de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão com os dias contados. As polêmicas declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a atuação de seus integrantes foram tão categóricas que não lhe permitem um recuo sem que se transforme numa espécie de rainha da Inglaterra no Ministério Público Federal (MPF). Além disso, foram coadjuvadas pela proposta apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de quarentena de oito anos para magistrados e procuradores ingressarem na política, tema que prontamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se dispôs a pôr em pauta no Parlamento.

À margem da discussão sobre os fundamentos jurídicos e a legitimidade das ações mais polêmicas da Lava-Jato, é óbvio que o plano de fundo de toda essa discussão são a liderança e a influência do ex-ministro da Justiça Sergio Moro junto às forças-tarefas. O ex-juiz de Curitiba se mantém como potencial candidato a presidente da República, mesmo fora do governo Bolsonaro. Sua passagem pelo Ministério da Justiça pode ter sido um grande erro do ponto de vista de sua trajetória como magistrado, se ambicionava uma vaga no Supremo, mas funcionou como a porta de sua entrada na política, provavelmente sem volta. A própria crise que o levou a desembarcar do governo Bolsonaro faz parte do roteiro de quem transita para o mundo da política como ela é. Moro é candidatíssimo, e a narrativa da Lava-Jato é o leito natural do rio caudaloso que pode levá-lo à Presidência.

Nesse aspecto, a proposta do ministro Toffoli, que parece estapafúrdia e foi desdenhada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, mira a candidatura de Moro, sem dúvida. Não no sentido de tornar inelegível o ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex de Guarujá: qualquer nova lei sobre inelegibilidade para magistrados e procuradores não pode ter efeito retroativo. Mas existe, sim, um clima no Congresso para aprovação de uma lei que tire das eleições de 2022 magistrados e procuradores da Lava-Jato que vierem a deixar a carreira para mergulhar de cabeça na luta política eleitoral. [o ministro Toffoli, vez ou outra, acerta de forma magistral.
Caso da posição que tem sobre a necessidade de quarentena, sugere oito anos, para que magistrados que deixem a magistratura, seja qual for a razão, possam se candidatar a cargos eletivos.
A quarentena de oito anos é extremamente oportuna e contempla uma necessidade.
Se aprovada, evita que magistrados
- especialmente integrantes dos tribunais superiores e do STF - que alcançaram tais posições não por eleições (nos Estados Unidos, uma democracia modelo = considerando que a do Brasil é tão frágil que qualquer um que disser que a 'democracia' no Brasil corre risco, se torna especialista =  é comum eleições para promotor de cidades, chefes de polícia e outros cargos.) 
- alcancem notoriedade por medidas 'diferentes' e sejam eleitos para cargos públicos, sem possuir a competência necessária para um bom desempenho nos mesmos.
Recentemente, tivemos o caso de um ex-ministro do STF que foi relator em um caso importante, se aposentou e, por sentir-se capacitado para tanto, pleiteou ser presidente da República.]

Assim como o “partido fardado” que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Jair Bolsonaro, até agora, nada impede que surja um partido togado, “lavajatista”, na expressão de Augusto Aras, para disputar as eleições de 2022. Seria o caminho natural a tomar por parte dos procuradores da Lava-Jato, se forem desmobilizados e marginalizados pelo procurador-geral da República. A Lava-Jato, mesmo que venha a ser desmantelada pela Procuradoria-Geral e o Supremo, continuará sendo um divisor de águas na política brasileira, pelo menos para as atuais gerações. É muito difícil tomar a bandeira da ética das mãos de seus protagonistas, procuradores e juízes que promoveram o maior expurgo de políticos enrolados em escândalos de corrupção da vida nacional da nossa história.

Colaterais
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito num tsunami eleitoral, na qual a Lava-Jato foi o fator decisivo. Entretanto, o presidente da República tomou outro rumo na condução de seu governo, desde o rompimento com Moro. Embora não se tenha registro de nenhum grande escândalo de corrupção na administração federal, a bandeira da ética se perdeu com o rompimento com Moro e, sobretudo, por causa do caso Fabrício Queiroz, amigo do presidente da República e ex-assessor do seu filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro (Progressistas-RJ), investigado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa fluminense. [destacando o óbvio,  para não ser esquecido: nada existe contra Fabrício Queiroz e o senador Flávio Bolsonaro. O que existe são supostas movimentações bancárias atípicas, realizadas pelo primeiro e, supostamente, destinadas a favorecer o segundo.] 
Consciente da situação, Bolsonaro já opera uma mudança de eixo eleitoral, agora estribado na força do poder central e nas políticas de transferência de renda, como ficou evidente, ontem, na viagem ao Piauí, na companhia do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas e um dos caciques do Centrão. Por sinal, um político denunciado pela Lava-Jato.

Um bom termômetro da força de inércia da questão ética na campanha eleitoral teremos nas eleições de São Paulo, sobretudo na disputa pela prefeitura da capital. Embora não esteja envolvido em nenhum escândalo, o prefeito Bruno Covas, que vem liderando as pesquisas, começa a ter que pôr no seu planejamento para gestão de crises os efeitos da Lava-Jato na disputa da Prefeitura de São Paulo, em razão das denúncias contra o senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), fundadores e principais líderes da legenda no estado. Alvo de operações recentes, os dois estão sendo investigados por lavagem de dinheiro e uso de caixa dois eleitoral, o que tem um efeito deletério para a candidatura à reeleição do prefeito paulistano.

Extrapolando as eleições municipais — o que as urnas podem confirmar ou não —, é muito provável que o desgaste sofrido pelo PSDB, por causa desses escândalos, venha a criar dificuldades para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), viabilizar sua candidatura a presidente da República. Conspiram contra esse projeto a recuperação de imagem do presidente Bolsonaro e a resiliência eleitoral do PT, o que pode levar Doria à opção pela reeleição, ou seja, é melhor um Palácio dos Bandeirantes nas mãos do que os do Planalto e da Alvorada nos sonhos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


segunda-feira, 25 de março de 2019

Bolsonaro, que onda é essa?

“Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo”


Muita gente ainda não se deu conta de que o grande derrotado nas eleições foi o chamado centro democrático. E que o tsunami eleitoral gerou uma sucessão de swells que fazem a alegria dos surfistas da política. Em português, essa palavra significa “ondulação”. São vagas formadas por uma tempestade em alto-mar que se deslocam para a costa, gerando grandes ondas que se propagam por longas distâncias. Ao se aproximarem da praia, quando batem nas barreiras de corais ou bancos de areia, tornam-se ainda maiores; dependendo das condições climáticas e das características do local, podem se tornar gigantes.

Essa analogia tem tudo a ver com o momento político que estamos vivendo. É um erro supor que o grande derrotado nas eleições gerais passadas foi o PT, que chegou ao segundo turno e manteve a segunda bancada na Câmara, mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso. As forças centristas que ficaram de fora do segundo turno, e derivaram para o apoio a Bolsonaro, embora sejam as maiores derrotadas, mantiveram a ilusão de que esse apoio por gravidade lhes garantiria a preservação dos espaços de poder que ocupavam antes. Isso, até agora, vem sendo um ledo engano.

Estão como aquele banhista que permanece na areia tomando sol e se diverte com os surfistas que caem das pranchas, sem levar em conta que o calhau que os derrubou vai se espraiar. Quando menos espera, a onda invade a praia, carrega os chinelos, enche a toalha de areia e molha a carteira com os documentos. É mais ou menos isso que está acontecendo com os políticos que esperavam de Bolsonaro o mesmo tratamento recebido durante o governo de Michel Temer, que governou como se fosse primeiro-ministro, compartilhando o governo com o Parlamento. O ex-presidente e seu maior estrategista, o ex-governador fluminense Moreira Franco, estão presos. Outros políticos do MDB e partidos do centro investigados pela Operação Lava-Jato estão na mira do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e seus amigos que continuam na força-tarefa encarregada de banir a corrupção da política.

Bolsonaro não se propôs a fazer um governo de centro, a lógica da formação da sua equipe, sua forma de atuação e a narrativa política que adotou, assumidamente de direita, é incompatível com a construção de uma coalizão ampla. Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo. Está mais para Dilma Rousseff com sinal trocado, do que para Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora o primeiro não tenha metido os pés pelas mãos como o segundo. Seus ataques à política tradicional são uma demonstração dessa incompatibilidade de gênios. Para manter a base eleitoral que o levou ao segundo turno, enquanto gozar de prestígio popular, não fará nenhum movimento em direção ao centro político que possa parecer aos seus eleitores um “estelionato eleitoral”. Somente um fracasso na economia, uma “vaca” sinistra, para usar a linguagem dos surfistas, pode levar Bolsonaro a um “arreglo”.

Previdência
Esse é o grande nó da relação do Palácio do Planalto com o Congresso, que continua sendo hegemonizado pelo centro. Tanto o PSL quanto o PT estão isolados. No Senado, com a eleição de Davi Alcolumbre e a escolha do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) para líder do governo, a situação é menos grave, a Casa gosta de “azeite”, mar liso. Na Câmara, somente se cria quem “entuba grebando de back”. Quem acompanha as sessões do plenário observa um “crowd” cheio de “prego”, ou seja, muitos novatos para poucas ondas. Nos bastidores, as raposas do centro político se articulam em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vem sendo alvo de ataques do filho mais novo do presidente da República, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, e dos partidários mais radicalizados do presidente da República.

Além de não poder dialogar com o PT, que está no seu papel de fazer oposição, Bolsonaro tem dificuldades com seu próprio partido, o PSL, que pauta suas ações pela antipolítica, concentrando os ataques no Supremo, além de defender interesses fortemente corporativos que estão em contradição com a reforma da Previdência. Mas há uma realidade inescapável: governar é uma ação política, implica interação com o Congresso, o Judiciário e a sociedade civil. Por essa razão, a semana começa com Bolsonaro e Maia se estranhando novamente.

Nas entrelinhas - Luiz Carlos Azedo -  CB