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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A beligerância dos sertanejos de toga - Revista Oeste

Augusto Nunes
 

As decisões do STF não são mais ajuizadas que as fantasias dos moradores da vila de Ribeirãozinho 

Seis anos antes que se transformasse no município de Taquaritinga, Ribeirãozinho resolveu mostrar em 1902, com dois monumentos à fantasia, que a gente do lugarejo era ainda pouca, mas muito imaginosa, e pegava em armas sem muita conversa nem discurseiras extensas tanto para mudar o regime em vigor no país como para defender a vila em perigo. No primeiro episódio histórico, Ribeirãozinho aderiu a uma conspiração silenciosa e, no dia aprazado, os chefes da insurreição proclamaram a restauração da monarquia. Ninguém sabia direito qual dos descendentes de dom Pedro II ocuparia o trono, nem o que seria feito dos governantes locais, muito menos se algum revolucionário da vila viraria barão, conde, duque ou visconde, mas todos cumpriram exemplarmente a missão que lhes fora confiada.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 
Luís Roberto Barroso, ministro do STF   - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Enquanto a população festejava na única praça a queda da República ainda na primeira infância, um grupo sobraçando carabinas prendeu o delegado, outro se apropriou da estação da estrada de ferro inaugurada no ano anterior e um terceiro expropriou o telégrafo para comemorar a chegada de informações alvissareiras sobre o andamento da insurreição em outras cidades. Depois de algumas horas, o primeiro telegrama informou que os monarquistas de São Carlos do Pinhal se haviam sublevado. Não chegou mais nenhum. Diante da constatação de que apenas duas cidades estavam dispostas a sepultar a República, os líderes do movimento em Ribeirãozinho voltaram para casa, e ali aguardaram os encarregados de levá-los para a gaiola. A monarquia durou um dia.

Compreensivelmente desolada, Ribeirãozinho baixou o penacho durante alguns meses, até que a lira do delírio foi novamente acionada, no mesmo ano da graça de 1902, pela notícia perturbadora: dezenas de leprosos, como eram então chamados os futuros hansenianos, vinham dos lados de Araraquara em direção à vila, avançando pelos trilhos da estrada de ferro. De novo, os moradores não perderam tempo com reuniões deliberativas, trocas de ideia e outras firulas de pouca valia. 

Enquanto mulheres e crianças se trancavam em casa, os homens rumaram para a estação de trem armados de carabinas, trabucos, garruchas, espingardas, um e outro facão de cortar cana simulando baionetas. De bruços na linha férrea, passaram a noite e a madrugada esperando a aparição do inimigo. Na manhã seguinte, descobriram que a marcha dos leprosos era boato. 
O que faria a numerosa milícia civil se fosse verdade? 
Negociariam uma retirada sem sangue ou repeliriam a ameaça de contágio na base do tiro, porrada e bomba? 
Como já não restavam sobreviventes quando nasci, não pude decifrar o enigma. Mas o ânimo beligerante da tropa improvisada recomenda que se crave a segunda opção. Aquilo tinha tudo para não acabar bem.
 
Não parecem mais ajuizados que aqueles sertanejos de Ribeirãozinho os sete homens e duas mulheres que compõem a bancada majoritária do Supremo Tribunal Federal. 
Pelo que andou dizendo em Lisboa o ministro Dias Toffoli, a monarquia foi oficiosamente ressuscitada no momento em que a Corte anexou ao amplo espaço que já dominava o vasto território do Poder Moderador
Pelas audácias fora da lei que vêm colecionando, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso são os braços do decano Gilmar Mendes, o déspota no trono.  
Os leprosos da hora agrupam as ramificações da grande tribo dos “negacionistas” os que tomaram vacina, os que enxergam também efeitos colaterais perigosos na imunização sem limites, os que dispensam o uso da máscara em conversas no restaurante, os que se recusam a enxergar um genocida no presidente Jair Bolsonaro e, fora o resto, os que se atrevem a criticar integrantes da nobreza de toga. “Mexeu com um, mexeu com todos”, avisou há pouco tempo Luiz Fux.

André Mendonça tem tudo para tornar-se um ótimo juiz: basta fazer o contrário do que fazem os semideuses de picadeiro

Nesta semana, a Constituição foi novamente submetida a selvagens sessões de tortura por gente que existe para preservar-lhe a integridade. Alexandre de Moraes, o Carcereiro Compulsivo, mandou um recado ao procurador-geral da República, Augusto Aras: convém concordar com os castigos impostos ao preso político Roberto Jefferson, ao exilado político Allan dos Santos, ao deputado federal Daniel Silveira e a quem mais lhe aprouver. 
E é bom parar de divergir das sucessivas provocações feitas por Moraes ao chefe do Poder Executivo. 
Por ter sugerido que Jair Bolsonaro fosse poupado de prestar depoimento à Polícia Federal, Aras foi tratado grosseiramente pelo capitão do mato togado. 
O chefe do Ministério Público foi intimado a enviar ao ministro, no prazo de 24 horas, o material que há na procuradoria sobre o inquérito que Moraes abriu a pedido de Omar Aziz — este sim um caso de polícia.
 
Barroso, depois de novas alusões a autoridades genocidas”, decidiu que só entrariam no país portadores do passaporte vacinal. 
Alguém lhe soprou que, aplicada a brasileiros que viajaram para o exterior sem o documento, estaria criada a versão brasileira de um personagem que até agora existiu apenas no cinema: o exilado de aeroporto.  
Ao reescrever o decreto às pressas, acabou endossando quarentenas e testes que rejeitara quando propostos pelo presidente da República. 
A suprema semana terminou com a posse do ministro André Mendonça, que tem tudo para tornar-se um ótimo juiz: basta fazer o contrário do que fazem os semideuses de picadeiroe qualificar publicamente de inconstitucionais as decisões inconstitucionais dos colegas.  
Talvez consiga injetar uma dose de coragem em Nunes Marques, a decepcionante primeira indicação de Bolsonaro.
 
Quando isso vai acabar?, perguntam-se milhões de brasileiros inconformados com a arrogância insolente do que é, em sua essência, um time de funcionários públicos do grupo A muito bem remunerados com o dinheiro dos impostos.  
Se não é fácil saber quando, não parece difícil adivinhar como. [vale a pena ler:  A primeira derrota do Supremo  e/ou Fronteira demarcada.]
Vai acabar no momento em que a Polícia Federal se recusar a prender alguma autoridade alvejada por mais um mandado de prisão proibido pela Constituição.
 

Leia também “Os imoderados no poder”

 Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 31 de julho de 2020

Efeito Lava-Jato - Nas entrelinhas

“Assim como o ‘partido fardado’ que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Bolsonaro, nada impede que surja um partido togado, ‘lavajatista’, mirando o pleito de 2022”

Armou-se em Brasília um cerco à Operação Lava-Jato, cujas forças-tarefas de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão com os dias contados. As polêmicas declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a atuação de seus integrantes foram tão categóricas que não lhe permitem um recuo sem que se transforme numa espécie de rainha da Inglaterra no Ministério Público Federal (MPF). Além disso, foram coadjuvadas pela proposta apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de quarentena de oito anos para magistrados e procuradores ingressarem na política, tema que prontamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se dispôs a pôr em pauta no Parlamento.

À margem da discussão sobre os fundamentos jurídicos e a legitimidade das ações mais polêmicas da Lava-Jato, é óbvio que o plano de fundo de toda essa discussão são a liderança e a influência do ex-ministro da Justiça Sergio Moro junto às forças-tarefas. O ex-juiz de Curitiba se mantém como potencial candidato a presidente da República, mesmo fora do governo Bolsonaro. Sua passagem pelo Ministério da Justiça pode ter sido um grande erro do ponto de vista de sua trajetória como magistrado, se ambicionava uma vaga no Supremo, mas funcionou como a porta de sua entrada na política, provavelmente sem volta. A própria crise que o levou a desembarcar do governo Bolsonaro faz parte do roteiro de quem transita para o mundo da política como ela é. Moro é candidatíssimo, e a narrativa da Lava-Jato é o leito natural do rio caudaloso que pode levá-lo à Presidência.

Nesse aspecto, a proposta do ministro Toffoli, que parece estapafúrdia e foi desdenhada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, mira a candidatura de Moro, sem dúvida. Não no sentido de tornar inelegível o ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex de Guarujá: qualquer nova lei sobre inelegibilidade para magistrados e procuradores não pode ter efeito retroativo. Mas existe, sim, um clima no Congresso para aprovação de uma lei que tire das eleições de 2022 magistrados e procuradores da Lava-Jato que vierem a deixar a carreira para mergulhar de cabeça na luta política eleitoral. [o ministro Toffoli, vez ou outra, acerta de forma magistral.
Caso da posição que tem sobre a necessidade de quarentena, sugere oito anos, para que magistrados que deixem a magistratura, seja qual for a razão, possam se candidatar a cargos eletivos.
A quarentena de oito anos é extremamente oportuna e contempla uma necessidade.
Se aprovada, evita que magistrados
- especialmente integrantes dos tribunais superiores e do STF - que alcançaram tais posições não por eleições (nos Estados Unidos, uma democracia modelo = considerando que a do Brasil é tão frágil que qualquer um que disser que a 'democracia' no Brasil corre risco, se torna especialista =  é comum eleições para promotor de cidades, chefes de polícia e outros cargos.) 
- alcancem notoriedade por medidas 'diferentes' e sejam eleitos para cargos públicos, sem possuir a competência necessária para um bom desempenho nos mesmos.
Recentemente, tivemos o caso de um ex-ministro do STF que foi relator em um caso importante, se aposentou e, por sentir-se capacitado para tanto, pleiteou ser presidente da República.]

Assim como o “partido fardado” que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Jair Bolsonaro, até agora, nada impede que surja um partido togado, “lavajatista”, na expressão de Augusto Aras, para disputar as eleições de 2022. Seria o caminho natural a tomar por parte dos procuradores da Lava-Jato, se forem desmobilizados e marginalizados pelo procurador-geral da República. A Lava-Jato, mesmo que venha a ser desmantelada pela Procuradoria-Geral e o Supremo, continuará sendo um divisor de águas na política brasileira, pelo menos para as atuais gerações. É muito difícil tomar a bandeira da ética das mãos de seus protagonistas, procuradores e juízes que promoveram o maior expurgo de políticos enrolados em escândalos de corrupção da vida nacional da nossa história.

Colaterais
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito num tsunami eleitoral, na qual a Lava-Jato foi o fator decisivo. Entretanto, o presidente da República tomou outro rumo na condução de seu governo, desde o rompimento com Moro. Embora não se tenha registro de nenhum grande escândalo de corrupção na administração federal, a bandeira da ética se perdeu com o rompimento com Moro e, sobretudo, por causa do caso Fabrício Queiroz, amigo do presidente da República e ex-assessor do seu filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro (Progressistas-RJ), investigado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa fluminense. [destacando o óbvio,  para não ser esquecido: nada existe contra Fabrício Queiroz e o senador Flávio Bolsonaro. O que existe são supostas movimentações bancárias atípicas, realizadas pelo primeiro e, supostamente, destinadas a favorecer o segundo.] 
Consciente da situação, Bolsonaro já opera uma mudança de eixo eleitoral, agora estribado na força do poder central e nas políticas de transferência de renda, como ficou evidente, ontem, na viagem ao Piauí, na companhia do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas e um dos caciques do Centrão. Por sinal, um político denunciado pela Lava-Jato.

Um bom termômetro da força de inércia da questão ética na campanha eleitoral teremos nas eleições de São Paulo, sobretudo na disputa pela prefeitura da capital. Embora não esteja envolvido em nenhum escândalo, o prefeito Bruno Covas, que vem liderando as pesquisas, começa a ter que pôr no seu planejamento para gestão de crises os efeitos da Lava-Jato na disputa da Prefeitura de São Paulo, em razão das denúncias contra o senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), fundadores e principais líderes da legenda no estado. Alvo de operações recentes, os dois estão sendo investigados por lavagem de dinheiro e uso de caixa dois eleitoral, o que tem um efeito deletério para a candidatura à reeleição do prefeito paulistano.

Extrapolando as eleições municipais — o que as urnas podem confirmar ou não —, é muito provável que o desgaste sofrido pelo PSDB, por causa desses escândalos, venha a criar dificuldades para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), viabilizar sua candidatura a presidente da República. Conspiram contra esse projeto a recuperação de imagem do presidente Bolsonaro e a resiliência eleitoral do PT, o que pode levar Doria à opção pela reeleição, ou seja, é melhor um Palácio dos Bandeirantes nas mãos do que os do Planalto e da Alvorada nos sonhos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense