“O eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto”
O governador de São Paulo, João Doria, pode ter dado um grande passo
em falso para a consolidação de sua candidatura. Nem tanto por exigir do
PSDB um claro posicionamento de oposição ao presidente Jair Bolsonaro,
uma vez que já se coloca nesse campo, mas porque fez duas exigências
para as quais, no momento, ainda não reúne forças suficientes para
obtê-las dentro de seu próprio partido: a renúncia do deputado Bruno
Araújo (PE), que preside a legenda, e a expulsão do deputado Aécio Neves
MG), uma eminência parda nas bancadas da Câmara e até do Senado, onde
ainda tem muitos aliados.
Doria fez as exigências num jantar com lideranças tucanas na
segunda-feira. Bruno Araújo foi surpreendido pela proposta e não gostou
nem um pouco da ideia de passar o comando da legenda para o governador
paulista, de quem, inclusive, era aliado. A reação do presidente do PSDB
foi defender a realização de prévias, pois o governador do Rio Grande
do Sul, Eduardo Leite, tem revelado a aliados que não deseja se reeleger
ao cargo e gostaria de disputar a Presidência da República. O líder da
bancada na Câmara, Rodrigo Castro (MG), muito menos. É muito ligado a
Aécio, que reagiu confrontando Doria diretamente: “O partido não tem
dono”.
O ninho foi incendiado por Doria, mas a divisão interna já estava
patente na disputa pelos comandos da Câmara e do Senado. No primeiro
caso, por muito pouco a bancada não se retirou do bloco encabeçado pelo
líder do MDB, Baleia Rossi (SP), que foi derrotado por Arthur Lira
(PP-AL). Foi preciso que Doria e até o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso interviessem nas articulações, porque a maioria da bancada
estava com o candidato do Centrão. No segundo, cinco dos oito senadores
tucanos apoiaram Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contra Simone Tebet (MDB-MS).
Ou seja, o eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o
Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto.
Repete-se no PSDB uma situação muito parecida com a do DEM, que se
alinhou com o presidente Jair Bolsonaro na eleição das Mesas do Senado e
da Câmara, com a diferença de que os tucanos já têm uma candidatura
própria. Desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, os candidatos
paulistas à Presidência do PSDB enfrentam dificuldades internas fora do
estado, principalmente em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. No caso de
Doria, essa dificuldade é ainda maior porque o governador paulista não
tem nenhuma experiência parlamentar, ou seja, não conhece o Congresso.
Além disso, há contenciosos entre os estados nos quais São Paulo fica
num certo isolamento, principalmente em matérias financeiras e
tributárias.
Doria disputava uma aliança com o DEM com o presidente Jair Bolsonaro
e o apresentador Luciano Huck, que também tentava atrair a legenda para
sua candidatura, inclusive com a possibilidade de a ela se filiar. Os
recentes episódios na Câmara fizeram com que ambos despertassem desse
sonho. Doria, agora, tenta atrair para o PSDB o vice-governador Rodrigo
Garcia, que deve assumir o governo e se candidatar à reeleição. Isso
resolveria o problema do descolamento do DEM em São Paulo, facilitando,
também, a acomodação dos tucanos paulistas. O governador paulista também
tenta atrair o deputado Rodrigo Maia (RJ), que anunciou sua saída do
DEM com duras críticas ao ex-prefeito de Salvador (BA) ACM Neto,
presidente da legenda. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM),
é outro assediado por Doria.
Rodrigo Maia e Eduardo Paes são atores importantes no quadro político
nacional, mas precisam de um partido para ter protagonismo. O primeiro
tem pressa em se reposicionar, para não sair do jogo; o segundo, não tem
a mesma urgência, pois não pretende se candidatar em 2022. Além do
PSDB, as principais opções para Maia são o PSL, com a saída dos
parlamentares ligados a Bolsonaro, e o MDB, que precisa se reestruturar
no Rio de Janeiro. Corre por fora o Cidadania, caso se confirme a
filiação de Luciano Huck.
Comitê de imprensa
Oscar Niemeyer, Carlos Castelo Branco, Ari Cunha, Tarcísio Holanda e
Jorge Bastos Moreno, para não estender a lista, certamente estariam engrossando o coro de protestos contra o despejo do comitê de imprensa
da Câmara do local que historicamente lhe foi destinado, ao lado do
plenário, para facilitar o acesso recíproco de jornalistas e deputados a
ambos os espaços. O “ato administrativo” do novo presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), obviamente, é uma retaliação política à cobertura
da imprensa durante a sua campanha eleitoral, na qual se consolidou uma
imagem negativa.
A exposição que todo presidente da Casa tinha ao atravessar o Salão
Verde da Câmara era sempre um rito democrático [sic] : ao transitar do gabinete
para o plenário, mesmo cercado de seguranças, era abordado por
jornalistas, parlamentares, lobistas e cidadãos. Provavelmente, o espaço
do comitê de imprensa será reconfigurado, com novos banheiros, amplo
gabinete, salas reservadas e novas cortinas, para impedir os olhares
indiscretos de quem chega pela chapelaria e avista o espaço inteiramente
livre no qual os jornalistas trabalham em suas bancadas. Muitas vezes,
eram os últimos a deixar a Câmara, depois de sessões que entravam pela
madrugada. [nos tempos modernos, em que um celular bem operado vale por um estúdio de televisão, não há necessidade de sacrificar tanto espaço para acomodar os jornalistas - nos tempos dos transmissores à válvula, das filmadoras de celuloide, o espaço era vital. Hoje, um simples pendrive grava o que na década de 60 existia dezenas de rolos de filme.]
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense