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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Fogo na Corte - Revista Veja

Dora Kramer

Nunca se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos

Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre temas políticos costumam gerar polêmicas. Não obstante devam ser cumpridas, habitualmente são amplamente discutidas. Sejam os debatedores os ditos especialistas ou não, sempre há os que veem razões substantivas nos votos vencidos e vencedores.

Exceção ocorreu agora, quando os cinco ministros que deram um escandaloso peteleco na Constituição para permitir reeleição vedada a presidentes do Legislativo ficaram falando sozinhos, reféns da evidência de que atuaram na jurisdição política. Nunca, nem mesmo quando o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, permitiu a preservação dos direitos políticos de Dilma Rousseff, ao arrepio das regras legais do impeachment, se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos. [só que os eleitores não concordaram com a decisão suprema, e a revogaram sumariamente, aplicando uma estrondosa derrota à escarrada ex-presidente.]

O dano à confiabilidade jurídica do tribunal teria ficado por aí não fosse a reação captada nos bastidores da Corte por parte dos vencidos, acusando de traição ministros cujos votos consideravam certos em prol da urdidura anticonstitucional. Mais grave foi que daí decorreram ameaças de criar obstáculos ao exercício da presidência de Luiz Fux, um dos presumidos “traidores”.

Queira o bom senso que tais manifestações se esgotem no calor da derrota e não se configurem como atos de fato. Do contrário, as cordas vocais desses ministros ficarão muito enfraquecidas. Perdem força para, por exemplo, impor limites a atitudes antidemocráticas como as que já foram cometidas com o incentivo do presidente da República.

Perverter o texto constitucional, ainda mais quando se é dele o guardião, não deixa de ser um atentado à democracia. Assim como criar uma crise interna de óbvias e graves repercussões externas por motivo fútil não fará bem à já alquebrada reputação do colegiado.

Embalados pelo extremo desconforto de terem sido expostos e isolados na condução de um acerto político, ministros vencidos naquela votação se dizem, em privado, dispostos a atrapalhar o andamento das pautas propostas por Fux e recorrer a manobras regimentais a fim de impor empecilhos ao trabalho do atual presidente da Corte.

Esse tipo de embate faz parte da dinâmica do Poder Legislativo, mas no Judiciário recende a desvio de função. Ultrapassa o limite do dissenso, da divergência natural entre magistrados e entra no terreno da picuinha vingativa, cujo prejuízo institucional atinge o país justamente numa quadra em que o equilíbrio é não apenas essencial ante o desequilíbrio reinante no Executivo, como foi valor reivindicado pela população nas recentes eleições municipais.

Rumo oposto tomarão as excelências contrariadas se levarem adiante o plano de transformar o Supremo Tribunal Federal numa arena de vale-tudo em nome de vaidades e agendas pessoais que em nada interessam ao Brasil.

Esquerda em foco. Por incrível que possa parecer, diante da clareza do veto expresso na Constituição, causou surpresa aos parlamentares a manifestação do Supremo contrária à reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado. Com isso, o jogo em andamento foi zerado.

(..........)

MATÉRIA COMPLETA, leia em VEJA - Blog Dora Kramer

Publicado em VEJA,  edição nº 2717, de 16 de dezembro de 2020

 

 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Urdidura dos diabos

Mais uma vez o realismo mágico interfere nos destinos nacionais, de maneira brutal. A morte trágica do ministro Teori Zavascki, às vésperas de homologar as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e associados, parece saída do mesmo autor da doença e morte de Tancredo Neves às vésperas de assumir a presidência da República, em 1985. Uma urdidura dos diabos, na definição de um ministro do STF.

Assim como, naquela ocasião, a presença de Tancredo era uma garantia da transição para um regime civil sem maiores percalços, a presença de Zavascki à frente dos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) era uma garantia de que o desfecho se daria dentro da ordem legal, sem atropelos nem postergações. Sem contar que na mesma região outra morte trágica de contornos misteriosos ocorreu, com repercussões políticas fortes: a de Ulysses Guimarães, também numa queda de helicóptero, e cujo corpo nunca mais foi encontrado. Agora, não há solução fácil, e todas as teorias de conspiração estão soltas no ar, na rede mundial.

Qualquer solução que a presidente do Supremo, ministra Carmem Lucia, venha a tomar será interpretada politicamente. A hipótese de que ela avoque para si a relatoria dos processos da Lava Jato é aventada pelos que consideram que apenas ela, no momento atual, teria condições de levar adiante os processos sem criar desconfianças. Não é provável que o faça, mesmo que se lembre que o ministro Joaquim Barbosa avocou para si a relatoria do mensalão quando assumiu a presidência do STF. Mas Barbosa era o relator da matéria, e mesmo assim foi criticado. O menos provável é que ela decida esperar a nomeação do novo ministro pelo presidente Michel Temer para fazê-lo sucessor da relatoria da Operação Lava Jato, como está previsto no regimento interno do STF.

Daria panos para as mangas, com o próprio presidente tendo sido citado em delações premiadas. Se sua citação é indireta até o momento, vários de seus assessores estão envolvidos nas delações, alguns de maneira muito direta.  O PMDB é, junto com o PT, o partido que mais aparece nas delações premiadas da Lava Jato, além de partidos de sua base aliada como o PSDB e PP, o que levantará imediatamente suspeitas sobre o indicado. Mas já há pressões políticas para que o presidente não perca essa oportunidade de fazer o relator do processo da Lava Jato. Será um tiro no pé se o fizer.

A hipótese de redistribuição dos processos urgentes, prevista no regimento, através de sorteio entre os membros do pleno do STF, é uma decisão possível, mas existe outra alternativa, que já está sendo negociada nos bastidores: redistribuir para a 2ª Turma, que trata do tema.  Ela é composta pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello. Essa pode ser a solução mais simples, pois a 2ª Turma está, na linguagem jurídica, preventa, isto é, por já estar tratando do caso, torna-se automaticamente a responsável por ele.

Como, com a morte de Zavascki, ela tem que ser preenchida, tanto pode aguardar a nomeação do novo ministro, que herdaria o lugar de Zavascki e seus processos e relatorias, ou um ministro da 1ª Turma pode ser deslocado para preencher a vaga. Nesse caso, também herdaria os processos de Zavascki. Já houve um caso, quando o ministro Dias Toffoli trocou de turma para preencher a vaga deixada por Joaquim Barbosa. Como a então presidente Dilma Rousseff demorasse a indicar o substituto, os próprios ministros da 2ª Turma fizeram um acordo para que a Operação Lava Jato não ficasse paralisada, e também para proteger o novo ministro, evitando suspeitas de que ele fora indicado para interferir nas investigações. Exatamente a mesma situação atual. [deixar o processo da Lava-jato com uma das turmas do STF é uma alternativa que poderá se tornar inexequível; 
para tanto basta que o presidente da República, do Senado ou da Câmara dos Deputados passe a ser alvo de investigação - qualquer um dos três só pode ser julgado pelo Plenário do Supremo, condição que retira o processo da Turma onde estiver e o coloca diretamente no Plenário do STF.]

O ministro Luiz Edson Facchin, nomeado para substituir Joaquim Barbosa, poderia agora se deslocar da 1ª Turma, formada ainda pelos ministros Luís Roberto Barroso – Presidente -, Marco Aurélio, Luiz Fux, e Rosa Weber. Pela proximidade com o falecido ministro Zavascki, assumiria assim os processos da Operação Lava Jato num acordo interno.  O ministro Teori Zavascki não era uma figura popular nem muito conhecida, por decisão própria, e refugiava-se na timidez para evitar muitas conversas, mas sabia o que queria. Conhecia bem o funcionamento administrativo do Supremo, pois vinha de outro tribunal superior, o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Desde o início do processo da Operação Lava Jato, sabia que o ritmo do STF seria desigual ao da primeira instância de Curitiba, mas não considerava esse um obstáculo. Queria apenas garantir que os processos seguiriam seu ritmo normal, sem interferências indevidas. Sua presença garantia essa segurança. Colocou um sarrafo bem alto para seu substituto na tarefa tão espinhosa de levar avante os processos da Lava Jato.

Fonte: Merval Pereira - O Globo