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sábado, 16 de maio de 2020

A última de Bolsonaro: premiar quem deveria ser punido - VEJA - Blog do Noblat

Não se premia quem se revelou incompetente – no caso, o tal general. Não se pune inocentes – no caso o diretor-geral da Polícia Federal e o superintendente da Polícia Federal no Rio. O chefe do general supostamente relapso era o delegado Alexandre Ramagem, diretor da ABIN. Pois Ramagem foi justamente a escolha feita por Bolsonaro para substituir Valeixo. Não faz sentido. Não faz.

Quanto mais mente para se defender da acusação de que tentou intervir na Polícia Federal porque desejava tê-la diretamente ao seu serviço, obediente às suas ordens, a produzir relatórios diários com informações que por lei estava proibida de fornecer, mais Bolsonaro se arrisca a ser denunciado pelos crimes de obstrução à investigação de organização criminosa e advocacia administrativa.

Mentir é como puxar da caixinha um lenço de papel. Quando se puxa o primeiro lenço, apresenta-se o segundo. Na maioria das vezes, uma mentira requer outra para manter-se de pé. E assim vai até que a caixa se esvazia. Bolsonaro já deu provas de sobra de que é um mentiroso compulsivo. Mente e é desmentido. Mente por prazer, mente por descuido, mente para se safar, simplesmente mente. Em agosto do ano passado, ele quis trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio. Alegou que sua produtividade era baixa. Mentiu. A produtividade era alta. O superintendente foi trocado, mas não pelo nome que Bolsonaro indicou. Inconformado, ele continuou a pressionar Moro e o diretor-geral da Polícia Federal. Deu no quê? Na grave crise política que o país assiste estupefato.

Na próxima segunda-feira, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, terá acesso ao vídeo com a gravação da reunião ministerial de abril. E decidirá se o libera na íntegra ou com cortes para que os brasileiros o vejam. Os poucos que conhecem o vídeo estão convencidos de que sua exibição varrerá o que ainda resta de credibilidade a Bolsonaro e à sua malta.

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA



sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Urdidura dos diabos

Mais uma vez o realismo mágico interfere nos destinos nacionais, de maneira brutal. A morte trágica do ministro Teori Zavascki, às vésperas de homologar as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e associados, parece saída do mesmo autor da doença e morte de Tancredo Neves às vésperas de assumir a presidência da República, em 1985. Uma urdidura dos diabos, na definição de um ministro do STF.

Assim como, naquela ocasião, a presença de Tancredo era uma garantia da transição para um regime civil sem maiores percalços, a presença de Zavascki à frente dos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) era uma garantia de que o desfecho se daria dentro da ordem legal, sem atropelos nem postergações. Sem contar que na mesma região outra morte trágica de contornos misteriosos ocorreu, com repercussões políticas fortes: a de Ulysses Guimarães, também numa queda de helicóptero, e cujo corpo nunca mais foi encontrado. Agora, não há solução fácil, e todas as teorias de conspiração estão soltas no ar, na rede mundial.

Qualquer solução que a presidente do Supremo, ministra Carmem Lucia, venha a tomar será interpretada politicamente. A hipótese de que ela avoque para si a relatoria dos processos da Lava Jato é aventada pelos que consideram que apenas ela, no momento atual, teria condições de levar adiante os processos sem criar desconfianças. Não é provável que o faça, mesmo que se lembre que o ministro Joaquim Barbosa avocou para si a relatoria do mensalão quando assumiu a presidência do STF. Mas Barbosa era o relator da matéria, e mesmo assim foi criticado. O menos provável é que ela decida esperar a nomeação do novo ministro pelo presidente Michel Temer para fazê-lo sucessor da relatoria da Operação Lava Jato, como está previsto no regimento interno do STF.

Daria panos para as mangas, com o próprio presidente tendo sido citado em delações premiadas. Se sua citação é indireta até o momento, vários de seus assessores estão envolvidos nas delações, alguns de maneira muito direta.  O PMDB é, junto com o PT, o partido que mais aparece nas delações premiadas da Lava Jato, além de partidos de sua base aliada como o PSDB e PP, o que levantará imediatamente suspeitas sobre o indicado. Mas já há pressões políticas para que o presidente não perca essa oportunidade de fazer o relator do processo da Lava Jato. Será um tiro no pé se o fizer.

A hipótese de redistribuição dos processos urgentes, prevista no regimento, através de sorteio entre os membros do pleno do STF, é uma decisão possível, mas existe outra alternativa, que já está sendo negociada nos bastidores: redistribuir para a 2ª Turma, que trata do tema.  Ela é composta pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello. Essa pode ser a solução mais simples, pois a 2ª Turma está, na linguagem jurídica, preventa, isto é, por já estar tratando do caso, torna-se automaticamente a responsável por ele.

Como, com a morte de Zavascki, ela tem que ser preenchida, tanto pode aguardar a nomeação do novo ministro, que herdaria o lugar de Zavascki e seus processos e relatorias, ou um ministro da 1ª Turma pode ser deslocado para preencher a vaga. Nesse caso, também herdaria os processos de Zavascki. Já houve um caso, quando o ministro Dias Toffoli trocou de turma para preencher a vaga deixada por Joaquim Barbosa. Como a então presidente Dilma Rousseff demorasse a indicar o substituto, os próprios ministros da 2ª Turma fizeram um acordo para que a Operação Lava Jato não ficasse paralisada, e também para proteger o novo ministro, evitando suspeitas de que ele fora indicado para interferir nas investigações. Exatamente a mesma situação atual. [deixar o processo da Lava-jato com uma das turmas do STF é uma alternativa que poderá se tornar inexequível; 
para tanto basta que o presidente da República, do Senado ou da Câmara dos Deputados passe a ser alvo de investigação - qualquer um dos três só pode ser julgado pelo Plenário do Supremo, condição que retira o processo da Turma onde estiver e o coloca diretamente no Plenário do STF.]

O ministro Luiz Edson Facchin, nomeado para substituir Joaquim Barbosa, poderia agora se deslocar da 1ª Turma, formada ainda pelos ministros Luís Roberto Barroso – Presidente -, Marco Aurélio, Luiz Fux, e Rosa Weber. Pela proximidade com o falecido ministro Zavascki, assumiria assim os processos da Operação Lava Jato num acordo interno.  O ministro Teori Zavascki não era uma figura popular nem muito conhecida, por decisão própria, e refugiava-se na timidez para evitar muitas conversas, mas sabia o que queria. Conhecia bem o funcionamento administrativo do Supremo, pois vinha de outro tribunal superior, o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Desde o início do processo da Operação Lava Jato, sabia que o ritmo do STF seria desigual ao da primeira instância de Curitiba, mas não considerava esse um obstáculo. Queria apenas garantir que os processos seguiriam seu ritmo normal, sem interferências indevidas. Sua presença garantia essa segurança. Colocou um sarrafo bem alto para seu substituto na tarefa tão espinhosa de levar avante os processos da Lava Jato.

Fonte: Merval Pereira - O Globo