Folha de S. Paulo - O Globo
Ex-procurador-geral exagerou na seletividade da própria memória
Livro do ex-procurador-geral deseduca, desinforma e ofende o vernáculo
[não compre, não aceite como presente, é mais uma obra que honra a alcunha 'enganot';
a classificação mais adequada para a obra do doutor são as que constam da matéria = merda e bosta.]
O livro “Nada Menos que Tudo”, do ex-procurador-geral Rodrigo Janot,
deseduca, desinforma e ofende o vernáculo. Traz mais revelações sobre o
funcionamento do aparelho digestivo de sólidos e líquidos do doutor do
que a respeito da máquina do Judiciário e do Ministério Público que
chefiou por quatro anos. Conta dois episódios de vômito e um de gases. A
certa altura diz que o senador Renan Calheiros tinha uma “suposta
namorada”, quando se sabe que ele teve uma filha com a senhora.
As memórias de Janot desencadearam um episódio chinfrim porque, numa
entrevista a propósito do livro, ele revelou que foi armado ao Supremo
Tribunal Federal para matar Gilmar Mendes. (Essa cena, narrada com
detalhes na entrevista, está contada no livro de forma críptica, sem
identificar o ministro que levaria um tiro “na cabeça”.) A pedido do
doutor Alexandre de Moraes, a Polícia Federal foi à casa do
ex-procurador-geral numa operação de busca e apreensão e capturou sua
pistola. Episódio desnecessário, acompanhou o estilo teatral das
memórias do ex-procurador.
Sucederam-se manifestações de solidariedade e espanto, traduzidas pela
professora Eloísa Machado de Almeida: “O episódio coroa a má relação
entre procuradores da República e ministros do Supremo”. Aquilo que
poderia ter sido um conflito em torno do direito virou um confronto de
antropófagos com canibais. Como escreveu a professora: “O futuro da Lava
Jato sempre dependeu de sua própria integridade jurídica e de seus
membros. A autoridade do Supremo vem da legitimidade constitucional de
suas decisões. Por isso, agora, ambos naufragam abraçados”.
Mais preocupado em falar bem de si, Janot exagerou na seletividade da
própria memória. Ainda assim, ele mostra o momento em que o conjunto da
Lava Jato começou a naufragar. Em 2014, quando a Procuradoria-Geral
recebeu um lote de delações vindas de Curitiba, Janot teria comentado:
“Isso tá uma merda, não tem nada.”
Ele se referia às acusações de Alberto Youssef contra Lula e Dilma
Rousseff, “destituídas de valor jurídico”. Como procurador-geral, Janot
poderia ter contribuído para ordenar os métodos e a qualidades das
delações. Ele e os procuradores preferiam cavalgar a popularidade de
seus espetáculos. Três meses depois, em fevereiro de 2015, o procurador Carlos Fernando
dos Santos Lima, de Curitiba, dizia que “o procedimento da delação virou
um caos.(...) O que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar
para a plateia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado,
sem realmente ir em frente. Não sei fazer negociação como se fosse um
turco.” Acabou aprendendo, mas essa é outra história.
Em maio de 2015, o Ministério Público em Curitiba foi confrontado com
duas delações conflitantes, na qual um dos colaboradores oferecia-se
para uma acareação. Um dos doutores disse que não se devia mexer no
assunto: “Esse é o tipo de coisa que quanto mais mexeu pior fica.” Ao
que um de seus colegas completou:
“É igual bosta seca: mexeu, fede”. Desde que os processos de Curitiba e da Procuradoria-Geral chegaram às
cortes superiores a fedentina tomou conta da Lava Jato, pois não havia
como deixar a bosta seca intocada.
Publicado Folha de S. Paulo e O Globo - Coluna Elio Gaspari, jornalista e escritor