Em
recente artigo publicado na Gazeta do Povo, o deputado Marcel van Hattem descreve o que viu nas visitas que fez aos presídios do Distrito
Federal – o feminino da Colmeia e o masculino da Papuda – vistoriando a
situação dos presos nos dias 8 e 9 de janeiro.
Um breve sumário dessas observações fica assim:
- as citações de presos eram simples reproduções de textos idênticos, sem individualização de condutas;
- por
feitas em “arrastão” e envolvendo uma verdadeira multidão, as audiências
de custódia levaram nove dias, em vez das 24 horas prescritas em lei;
- os juízes que as realizaram não podiam liberar ninguém (só Alexandre de Moraes tem poderes para tal);
- os presos não têm ficha criminal;
- tiveram suas vidas truncadas, seu trabalho e fonte de renda das famílias cortados, negócios perdidos;
- a ilegalidade das prisões do dia 9 é gritante porque não preenche, sequer superficialmente as condições para o flagrante;
- presos
relatam ter sido chamados aos ônibus para ir a um lugar seguro, mas
foram levados para o ginásio da Academia Nacional de Polícia.
O excelente conteúdo do artigo do deputado Marcel (que pode e deve ser lido aqui) inclui, também, relatos individuais de situações capazes de lancinar o coração de um brutamontes.
A questão
que quero abordar, feita a exceção dos que efetivamente invadiram e
vandalizaram os prédios dos três poderes e merecem os rigores da lei,
sai do inferno dos presídios e vai para os milhões de culpados que estão
do lado de fora.
Não creiam esses que uma consciência amorfa, que toma o
jeito determinado pelo partido ou pela morbidez ideológica os isente de
responsabilidade moral.
Já não falo
daqueles que podendo conter, avalizam com um abano de toga esses maus
tratos ao Direito e à Justiça.
Já não falo de quantos, com atribuições
constitucionais para protestar, têm os olhos cobertos pelas escamas da
conivência e da conveniência.
Já não falo dos que nos púlpitos, tribunas
e palanques são briosos defensores dos direitos humanos e levam essa
defesa ao limite do companheirismo, porque os além dessa fronteira não
são humanos ou não têm direito algum.
Já não falo dos que nos teclados
das redações, diante dos microfones e das câmeras dos grandes veículos
fazem que não veem e fingem que não sabem, algemando as próprias mãos e
censurando a si mesmos porque, ali, o jogo é jogado assim.
Já não falo
dos que, no Congresso Nacional, calçam as silenciosas pantufas da
omissão, entram e saem sem deixar rastro porque o estabelecimento trata
de outros negócios.
É dos
outros que falo, repito. E são milhões os que, sabendo, silenciam no
ambiente da vida social ou, de modo ainda mais gravoso sob o ponto de
vista moral, festejam nas redes sociais o sofrimento alheio, fazendo
piada ou repetindo o bordão vulgar – “Perdeu, mané!”.
Uns e
outros, sendo como são e agindo como agem, ocultam ao conhecimento
público um fato essencial: era contra isso, contra o risco disso, contra
a eminência de que algo assim fincasse pé na realidade nacional, que
tantos se insurgiram e foram buscar segurança em lugar errado, à porta
dos quartéis.
Temiam os abusos que sobrevieram, não tinham poder para
golpe algum, não foram à praça derrubar qualquer governo, gritaram aos
vândalos que parassem a quebradeira.
Aqueles que hoje os condenam foram
os causadores, por palavras, ações e omissões, da ida de milhões às ruas
durante quatro anos de inquietação social e civilizados protestos
populares.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.