J. R. Guzzo
O que se quer, no Brasil de hoje, é deixar as pessoas com menos liberdade. O resto é hipocrisia
É realmente curioso, para um
país tão obcecado com a salvação da democracia como é o Brasil de hoje,
que não se consiga mais usar a palavra “liberdade” sem, na mesma hora,
usar junto a palavra “limite”. Temos, com o barulho de um vulcão ativo,
até um inquérito perpétuo para descobrir, processar e punir “atos
antidemocráticos”; seus gestores, no Supremo Tribunal Federal, querem
tornar o Brasil seguro para a democracia, e para executar sua missão se
deram o direito de passar por cima de qualquer lei em vigor no País.
Mas
a liberdade não está na alma da democracia que tanto se quer salvar?
Está e não está.
A defesa das “instituições” tem de ficar acima de tudo –
inclusive dos direitos individuais indispensáveis para haver cidadãos
livres. Ficamos assim, então: para salvar a democracia, temos de
liquidar a liberdade.
A má vontade com a ideia geral
de liberdade fica evidente na tendência, cada vez mais agressiva, de
explicar que ninguém deve ser realmente livre. Não se usa mais isso hoje
em dia, dizem o STF e o sistema judiciário, as classes intelectuais e o
mundo político, a elite e a mídia em geral; liberdade tem de ter
limites. É mesmo? E quem está dizendo o contrário? A liberdade, desde
sempre, é limitada pela lei; até pelo Código Penal, no caso específico
da liberdade de expressão. A questão não está aí, nesta suposta
necessidade de combater a anarquia. O que se quer, no Brasil de hoje, é
deixar as pessoas com menos liberdade – tanto que se fala cada vez mais
em “limites” e cada vez menos em liberdade. O resto é hipocrisia.
Os vigilantes da democracia estão querendo, no mundo das
realidades, liquidar direitos das pessoas. O deputado Daniel Silveira,
após nove meses de prisão ilegal, não pode falar à imprensa, por ordem
do ministro Alexandre de Moraes; segundo ele, o direito de dar
entrevistas tem “limites”. Uma emissora de televisão foi condenada
recentemente por passar dos “limites” ao levar ao ar uma reportagem em
que todos os fatos estavam corretos, mas em que havia, segundo o juiz,
“abuso no direito de informação”.
O jornalista Allan dos Santos,
nos Estados Unidos, está com um pedido de extradição nas costas por ter
ultrapassado, segundo o STF, os “limites” da liberdade de expressão. Há
gente na cadeia, como o ex-deputado Roberto Jefferson, pelas mesmas
razões. “Limites” – eis a palavra mágica que justifica hoje todas as
agressões à lei e à liberdade praticadas pela autoridade pública e pela
polícia nacional de repressão ao “racismo”, à “homofobia” e ao direito
de abrir a boca. [o jornalista Allan dos Santos está, felizmente, protegido da extradição, visto que nos 'States' os limites da liberdade de expressão são bem menos restritivos do que os impostos aqui no Brasil.
Dificilmente, o pedido de extradição será atendido.]