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domingo, 6 de dezembro de 2020

O jeitinho brasileiro e o Supremo Tribunal Federal - Alberto Carlos Almeida

Blog em VEJA

Nem mesmo os juízes de nosso mais elevado tribunal deixam de ser brasileiros quanto interpretam a Constituição

No meu livro A cabeça do brasileiro detectei que o jeitinho é a quebra de uma regra informal e é aprovado e praticado pela grande maioria da população. A principal regra informal sistematicamente não respeitada é a fila. A princípio, sempre que há uma fila, seja para a obtenção de um empréstimo em banco, para a matrícula escolar de crianças ou para comprar pão na padaria, não há uma lei positiva afirmando que ela deva ser seguida. Esta é a situação típica em que se revela a moral contextual dos brasileiros: respeitar ou não a fila depende da situação, mais do que isto, é o contexto que nos leva a avaliar como certo ou errado furar a fila.

Augusto Nunes: O Supremo literalmente rasgou a Constituição

 [vídeo inserido pelo Blog Prontidão Total em 6 dezembro 2020]

A palavra “depende”, como resposta à pergunta se alguma coisa é certa ou errada, é a síntese de nossa ética contextual: para nós brasileiros não há nada absolutamente certo ou errado, tudo depende da situação. Há uma zona cinzenta moral onde certo e errado se misturam. Rigorosamente o mesmo ato pode ser correto um dia e errado no outro, a depender das circunstâncias que cercam quem o pratica. A pesquisa que deu origem ao meu livro prova que fazemos constantemente isso em nosso dia a dia. Aliás, a grande maioria dos brasileiros tanto já deu um jeitinho como conhece alguém que o fez, ah, e também o aprova (aprovar o jeitinho não depende de nada).

Quando algum brasileiro é escolhido para ser ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), deputado, senador ou presidente ele não deixa de ser brasileiro (ainda bem). Este indivíduo foi criado e socializado no país do jeitinho. Para ele a quebra de uma regra informal pode ser algo certo a depender da situação. Porém, exercendo tais cargos ele terá de lidar com regras formais, inclusive com a Lei Magna, a Constituição. Não há mágica: a mesma pessoa que aprendeu a usar o jeitinho e a valorizá-lo poderá cair na tentação de dar um jeitinho na lei. É exatamente isso que estamos vendo no julgamento da constitucionalidade da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

São muitos os deputados, senadores e ministros do STF que defendem que seja dado um jeitinho da Constituição, afinal, ela é clara: está escrito com todas as letras que a reeleição é vedada dentro da mesma legislatura. 
Para a moral contextual isso não é e nunca foi um problema, essa regra pode ou não valer a depender da situação. Se até mesmo os ministros do STF admitem, por meio de seus votos, que as circunstâncias têm grande peso ao lermos o que está escrito na Constituição, quem somos nós para contestá-los. Não julgo o voto destes ministros, apenas constato que eles são e sempre brasileiros e vivemos em uma democracia, eles representam a maioria de nosso povo e nossa visão moral predominante. Todo poder ao jeitinho! [quanto à representação há dúvidas,visto que eles não foram eleitos para nos representar.]
 
Revista VEJA - Blog por Carlos Alberto Almeida