Primeiro, aprovou por unanimidade a abertura de inquérito
administrativo contra o presidente, que reiteradamente tem atacado a
legitimidade das eleições do ano que vem e a lisura da Justiça
Eleitoral, sem apresentar provas de suas acusações. Se constatado que
Bolsonaro praticou “abuso de poder econômico e político, uso indevido
dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes
públicos e propaganda extemporânea”, como está citado na resolução do
TSE, o presidente pode ser impedido de concorrer à reeleição.
Na
mesma sessão, o TSE, também por unanimidade, decidiu encaminhar ao
Supremo Tribunal Federal (STF) notícia-crime contra Bolsonaro para
apurar “possível conduta criminosa” do presidente no âmbito das
investigações sobre a disseminação de notícias fraudulentas para
prejudicar o STF. À petição, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto
Barroso, anexou o pronunciamento que Bolsonaro fez na quinta-feira
passada, no qual reiterou mentiras sobre o sistema de votação e colocou
em dúvida a honestidade da Justiça Eleitoral.
Nos dois casos, o TSE agiu de ofício, ou seja, não esperou que a
iniciativa partisse do Ministério Público Eleitoral. Afinal, o
procurador-geral eleitoral e da República, Augusto Aras, já mostrou que
não está interessado em fazer o presidente responder por suas agressões à
democracia, embora a função constitucional da Procuradoria-Geral da
República seja justamente a de defender a ordem jurídica e o regime
democrático. [em síntese: se um órgão do Poder Judiciário entender que o procurador-geral eleitoral e da República está sendo omisso, simplesmente, se torna denunciante e na nova condição assume os poderes da autoridade que entende omissa; PODE?]
Há um longo caminho até uma eventual punição
concreta de Bolsonaro, mas o que importa, neste momento, é que afinal se
passou da palavra à ação: depois de inúmeras notas de protesto,
mensagens indignadas e declarações escandalizadas de ministros das
Cortes superiores, o Judiciário afinal cumpriu seu papel institucional
intrínseco, ao chamar o presidente à sua responsabilidade.
Mas
as palavras, necessárias, também não faltaram. No momento em que se
anunciavam os inquéritos contra Bolsonaro, o ministro Barroso, na
condição de presidente do TSE, deixou claro que a ameaça à realização de
eleições, como as que o presidente da República tem feito, “é uma
conduta antidemocrática”. E acrescentou: “Conspurcar o debate público
com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta
antidemocrática”. Além dos votos de todos os colegas de TSE, o ministro
Barroso estava respaldado por uma nota conjunta de todos os seus
antecessores desde 1988, na qual reiteraram que “jamais se documentou
qualquer episódio de fraude nas eleições” desde a adoção da votação
eletrônica.
Um pouco antes, na reabertura dos trabalhos do
Supremo, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, destacou que
“harmonia e independência entre os Poderes não implicam impunidade de
atos que exorbitem o necessário respeito às instituições” e que ataques
aos ministros das Cortes superiores, como os que Bolsonaro faz, “corroem
sorrateiramente os valores democráticos”.
Mesmo diante dessa
robusta manifestação institucional contra seus atentados à democracia, o
presidente não recuou. Ao contrário: reafirmou suas ofensas ao ministro
Barroso e suas ameaças às eleições. Disse que o ministro Barroso – a
quem Bolsonaro já chamou de “idiota” e “imbecil” – “presta um desserviço
à nação brasileira”. Acrescentou que está pessoalmente numa “briga” com
o magistrado porque este estaria “querendo impor sua vontade”. E
declarou: “Jurei dar minha vida pela pátria, não aceitarei
intimidações”.
[Desanimador é quando se constata que toda a confusão, toda a necessidade de robusta manifestação, é consequência apenas de uma vontade, talvez capricho defina melhor, de um homem, de um ser humano - em carne, osso e limitações = ministro Barroso.
Se o presidente do TSE viesse a público e agindo com a exatidão da autoridade máxima da Justiça Eleitoral informasse, de forma clara, simples e convincente:
- quais as razões que o motivam a ser contrário ao VOTO AUDITÁVEL = REGISTRO DO VOTO?
- Por que ser contra algo que pode tornar a votação mais segura?
Uma vez conhecida as fundamentadas razões para sua posição, a pendenga VOTO AUDITÁVEL = REGISTRO DO VOTO desapareceria e iríamos todos, de forma harmoniosa e patriótica, cuidar dos superiores interesses do Brasil, nossa Pátria Amada.]
Bolsonaro segue assim a cartilha tradicional dos
candidatos a ditador: escolhe um inimigo, a quem atribui todo o mal, e
se apresenta como vítima de perseguição de forças ocultas. Reivindica
ter seu próprio “exército” – se não as Forças Armadas, que seja o
punhado de camisas pardas que o adulam – e ameaça desestabilizar o País
se não lhe fizerem suas vontades e as de sua família. Tem tudo para ser
apenas bravata, mas, pelo sim, pelo não, Bolsonaro deve saber que esta
República, ao contrário do que ele gostaria, não é uma terra sem lei.
Opinião - O Estado de S. Paulo