Medidas anunciadas pelo governo afetam mercado imobiliário, cursinhos e servidores públicos federais
Retomada de cobrança de abono do funcionalismo deve incentivar aposentadorias
Que a proposta de recriação da CPMF é a medida mais impactante do
pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo ninguém duvida, já que o
imposto atinge praticamente toda a população. Mas, por trás da
infinidade de números apresentados pelo governo, há mudanças que vão
mexer ainda mais com milhares de brasileiros. É o caso de quem planeja
comprar e, principalmente, vender imóveis. Com o aumento da alíquota do
imposto sobre ganho de capital, o governo levará uma fatia maior do
valor recebido pelo proprietário. Até hoje, sempre que alguém vende um
terreno, casa ou apartamento por valor maior do que comprou, 15% vão
para o governo. A proposta é aumentar progressivamente esse percentual
para até 30%, de acordo com o valor do bem. O vendedor vai receber
menos, e uma das formas de compensar seria aumentar o preço.
Outro setor que será atingido em cheio é o das escolas preparatórias e
dos candidatos a concurso público. A corrida pelos bons salários e pela
estabilidade oferecidos pelos governos movimenta um mercado bilionário
que reúne cursinhos, editoras especializadas em material didático e
milhares de professores e estudantes. Para esse grupo, a decisão do
governo de suspender todos os concursos federais — que são os mais
disputados — previstos para 2016 é um verdadeiro balde de água fria. No
âmbito do Poder Executivo, os concursos mais aguardados eram os do INSS,
os para as agências reguladoras, como Anac, ANP e ANS, Receita Federal,
Ministério da Fazenda, Ministério do Trabalho, Receita e Polícia
Rodoviária Federal.
Para o diretor pedagógico da Academia do Concurso, Paulo Estrella, os
cursos preparatórios vão amargar a perda de alunos e, consequentemente,
de receita: —
Estamos trabalhando a notícia e vamos acompanhar os acontecimentos,
tentando ser o mais realista possível e administrar a crise. Não tem
muito o que fazer. O aluno nos procura quando está estimulado a prestar
um concurso e enfrentar a bateria de estudo que terá pela frente. Não
tem como colocar na cabeça dessa pessoa que ela deve continuar estudando
num momento como este.
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Se quem está fora do serviço público não terá como entrar, quem está
dentro passa a ter mais motivos para sair. Junto com o chamado abono de
permanência acaba também o principal motivo que milhares de servidores
federais em condição de se aposentar tinham para continuar trabalhando. O
abono isenta esses funcionários de recolher 11% do salário para a
Previdência. Atualmente há 100 mil pessoas nessa situação.
Se a cobrança
for retomada, eles não só deixam de ter qualquer vantagem em continuar
no batente como ganharão mais ficando em casa do que trabalhando. Isso
porque, no serviço público, a aposentaria tem o mesmo valor do salário
e, embora continuem pagando à Previdência depois de aposentados, o
desconto para os inativos é um pouco menor.
PARA QUEM BUSCA ESTABILIDADE DE EMPREGO, SONHO ADIADO
João Gabriel Costa acorda todos os dias às 5h30 e pega o trem de
Campo Grande até o Centro, onde passa a manhã e a tarde fazendo cursinho
preparatório para a carreira pública. À noite, trabalha na livraria do
curso. A notícia de que o governo federal pretende suspender os
concursos públicos no ano que vem, no entanto, não o desanimou: — O momento não é de desistir, mas de continuar estudando e se dedicando, senão se perde todo um investimento que se fez.
Mas a medida do governo federal vai mexer com um mercado que
movimenta, anualmente, cerca de R$ 50 bilhões, segundo levantamento da
Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). São 500
cursos preparatórios no país. Segundo a diretora executiva da Anpac,
Maria Thereza Sombra, com a medida, deixariam de ser preenchidas 29.816
vagas. — O governo está expandindo alguns órgãos, o que é visto como
prioridade. Se deixar de contratar, o que só pode fazer por concurso,
vai abandonar tais prioridades, provocando maior descontentamento da
população — diz o diretor pedagógico da Academia do Concurso, Paulo
Estrella, que admite, porém, que os cursinhos devem perder alguns alunos
e, consequentemente, receita.
Rodrigo Menezes, diretor do site Concurso Virtual, observa que a
medida só atingiria a administração pública direta, ou seja, ficam de
fora estatais (Correios, Caixa Econômica, BNDES etc.) e sociedades de
economia mista (Banco do Brasil, Petrobras), que têm orçamento próprio
para tal fim. Também seriam mantidos os concursos de estados, Distrito
Federal e municípios. — Como já há aprovação orçamentária, a tendência é que os concursos autorizados sejam mantidos — diz Menezes.
O presidente da Anpac, Marco Antonio Araújo Junior, lembrou que
medidas semelhantes foram adotas em 2008 e 2011, com poucos efeitos
práticos. Pouco depois, os editais voltaram a ser publicados, e as
contratações, normalizadas. Já Ruy Chaves, diretor da Universidade Estácio e que administra a
Academia do Concurso, ressalta que este ano, apesar de não ter havido
nenhum concurso, o cursinho registrou procura 20% maior que em 2014.
Segundo ele, isso ocorre porque, com a crise, mais pessoas buscam um
emprego estável e bem remunerado.
A proposta de tributação progressiva sobre venda de imóveis atinge em
cheio a classe média carioca. A medida, que ainda tem de ser aprovada
pelo Congresso Nacional, prevê aumento gradual da alíquota de IR para
pessoa física sobre ganho de capital em operações de compra e venda de
imóveis acima de R$ 1 milhão. Como os preços explodiram no Rio nos
últimos anos, é cada vez mais difícil encontrar apartamentos de dois ou
três quartos abaixo daquele patamar, especialmente na Zona Sul.
Hoje, quem vende um apartamento paga 15% de IR sobre o ganho obtido,
ou seja, sobre a diferença entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido e
o preço pelo qual ele fora comprado. A alíquota é a mesma
independentemente do valor da operação. Pela nova regra, as alíquotas
vão variar de 15% a 30%, esta última para imóveis acima de R$ 20
milhões. - Se a proposta era aumentar a tributação sobre os mais ricos, no
Rio, ela pega a classe média. Não são em endereços nobres, como na
Vieira Souto (em Ipanema), que você encontra um apartamento de R$ 1
milhão ou R$ 2 milhões - diz Bianca Xavier, sócia da área tributária do
Siqueira Castro Advogados.
O dono de um apartamento comprado em 1º de janeiro de 2010 por R$ 500
mil, por exemplo, e vendido nesta terça-feira por R$ 1,5 milhão,
pagaria R$ 117.867 à Receita Federal. Caso a nova regra seja aprovada, o
IR devido subirá 33%, para R$ 157.156, no cálculo de Bianca.
Num primeiro momento, ela avalia que a medida vai fomentar o mercado
imobiliário, já que as pessoas tendem a correr para fechar negócios e
pagar menos tributos. Segundo a advogada, se a mudança for aprovada este
ano, passa a valer em 1º de janeiro de 2016. Na opinião de João Paulo Rio Tinto de Matos, presidente da Ademi-Rio,
que reúne empresas do setor imobiliário, a alteração será mais um
ingrediente na desaceleração do mercado, somando-se à retração econômica
e crédito mais caro: - Se o IR também ficar mais caro, será mais um fator de preocupação.
Para Matos, a progressão de alíquotas deveria variar conforme o ganho
do capital e não o valor de venda do imóvel. Ele critica, ainda, o fato
de os valores da tabela não levarem em conta a inflação no período de
posse do apartamento. Isenções de IR previstas em lei, para a venda do único imóvel de até
R$ 440 mil ou para nova compra em até 180 dias após a venda, serão
mantidas.
SEM ABONO, MAIS DE 100 MIL DEVEM PEDIR APOSENTADORIA
Ao extinguir o abono de permanência para cortar gastos públicos, o
governo elimina uma medida criada exatamente com esse objetivo: retardar
a aposentadoria dos servidores e conter o crescimento da folha de
salários da União. A medida, conhecida entre os servidores como “pé na
cova”, isenta da contribuição previdenciária — que na União é de 11% e
incide sobre o salário total — os funcionários que já têm tempo de
serviço e idade para se aposentar, mas decidem seguir trabalhando. Na
prática, é como se eles tivessem um aumento de salário, já que,
diferentemente do que acontece no INSS, os servidores continuam
descontando para a Previdência mesmo depois de aposentados. — A criação do “pé na cova” foi uma medida eficaz, porque fez com que
muita gente continuasse trabalhando. Não parece inteligente acabar com
ela, porque a tendência será essas pessoas se aposentarem e, para
substituí-las, o governo vai gastar muito mais do que os 11% do salário
de que estava abrindo mão. Mas, como também anunciaram que não vão
contratar mais ninguém, deve haver economia, porém às custas da crise de
falta de pessoal no serviço público — avalia Kaizô Beltrão,
especialista em Demografia e Previdência da Fundação Getúlio Vargas.
Desde que foi criado, em 2004, o abono atraiu número crescente de
servidores. Segundo o Ministério do Planejamento, há 101 mil servidores
do Executivo que se beneficiam do abono e, nos próximos cinco anos,
outros 123 mil vão adquirir as condições para recebê-lo. As despesas, ou
seja, o montante que o governo deixou de arrecadar, também cresceram.
Em 1995, foram R$ 230 milhões. Ano passado, R$ 1,17 bilhão. É
praticamente o mesmo valor que o governo prevê economizar com o fim do
abono, R$ 1,2 bilhão.
O problema é que, com o contingente de cerca de 224 mil servidores a
mais que tendem a se aposentar — 100 mil podem fazer isso já —, a
arrecadação do governo pode ser bem menor. — Mesmo que não substitua quem se aposentar, a economia do governo
será menor, pois o servidor inativo contribui para a Previdência, mas
não sobre o salário integral — lembra Beltrão.
Servidores aposentados contribuem sobre a fatia do salário que
ultrapassa o teto do INSS, hoje em R$ 4.663,75. Assim, um funcionário
que ganha R$ 10 mil desconta R$ 1.100 quando estiver trabalhando e R$
586 depois de aposentado.
Fonte: O Globo