Entenda as razões pelas quais o trabalho dos institutos que aferem tendências da opinião pública exibe cada vez mais inconsistências
Antes de mais nada, é importante pontuar que o xadrez político para 2022 embaraça os institutos de pesquisa já na largada: como elaborar um cenário que agrade às redações do consórcio da mídia mainstream, no qual a tão desejada “terceira via” tenha musculatura para enfrentar o ex-presidente Lula e o atual, Jair Bolsonaro? E como achar esse nome sem que ele exista somente na prancheta do entrevistador — ou seja, muito além da cabeça do eleitor? É ali que começa a confusão. Nessa hora, alguém cita um governador que dá sinais de não ter votos sequer para buscar a reeleição, aparecem apresentadores de televisão, youtubers e políticos que só o editor da própria manchete conhece — como o “Joe Biden brasileiro” — ou o onipresente ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, que não quer nada com isso. Ao final, o que sobra é Ciro Gomes (PDT), sempre com menos porcentual de intenções de voto do que “os que não sabiam ou não responderam” ao questionário.
Recentemente, o instituto Paraná Pesquisas fez um comparativo entre os resultados de cinco sondagens para a eleição presidencial — uma delas, feita por eles. O resultado está abaixo. Colocadas numa régua, as intenções de voto de Lula nas cinco empresas variam de 29 a 41 pontos, e as de Bolsonaro, de 23 a 37 pontos.
Não por acaso, foi justamente a mais barulhenta delas a que rende manchetes até agora para a turma “meio intelectual, meio de esquerda”. Segundo o Datafolha, Lula teria hoje 41% das intenções de voto, ante 23% de Bolsonaro. No segundo turno, seria uma “barbada”: 55% a 32%. O leitor mais cético poderia se lembrar que na noite de 28 de setembro de 2018, dez dias antes da eleição, o mesmo instituto informou, em pesquisa encomendada pelo jornal Folha de S.Paulo e pela TV Globo, que Bolsonaro perderia para o petista Fernando Haddad em eventual segundo turno (45% a 39%). No mesmo dia, o portal UOL estampou a seguinte manchete: “Datafolha: Bolsonaro perde em todos os cenários de 2º turno; Ciro vence Haddad”.
Segundo o Datafolha, neste 2021, depois de passar muito tempo procurando pessoas pelo telefone na pandemia, seu time foi a campo nos dias 11 e 12 de maio. Fizeram-se 2.071 entrevistas com potenciais eleitores (acima de 16 anos) em 146 cidades. O que se sabe sobre quem respondeu é o seguinte: “As entrevistas foram realizadas mediante aplicação de questionário estruturado, com cerca de 25 minutos de duração. A checagem cobriu, no mínimo, 20% do material de cada entrevistador”.
Linha de produçãoO questionário dessas sondagens, principalmente as telefônicas, é intrigante por si só porque, antes do ano eleitoral, ninguém tem acesso à estratificação dos dados. A legislação só reza sobre os levantamentos realizados dentro do calendário eleitoral — conforme o artigo 33 da Lei nº 9.504/1997 e as resoluções sempre atualizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na véspera do pleito. Questionar o estrato de uma pesquisa, portanto, torna-se tarefa hercúlea: quem foram os 2.000 eleitores ouvidos — durante a pandemia, aliás, por telefone ou on-line —, onde e como eles foram localizados?
Outro detalhe deve ser destacado: a guerra de preços das pesquisas in loco durante a pandemia foi voraz. Para levar uma equipe de profissionais confiável a campo, um instituto tradicional cobrava, antes da crise do coronavírus, até R$ 200 mil de uma emissora ou editora, valor muitas vezes compartilhado entre elas — como sempre fazem as TVs e os jornais/portais de notícia. Mas uma sondagem telefônica como a citada acima custa, em média, R$ 0,10 para cada ligação, no máximo, conforme a operadora. Ficou mais barato pesquisar na pandemia.
O questionário do Vox Populi, feito de 12 a 16 de maio em 116 municípios, com 40 telas em PowerPoint, também é autoexplicativo. Oeste apresenta parte das perguntas formuladas:
Esse roteiro já bastaria, mas piora ao longo do percurso. Seguem outras perguntas:
• “Quando Bolsonaro foi eleito, muitas pessoas achavam que ele era um cara diferente, que ia mudar a política e fazer um governo mais próximo das pessoas comuns. Hoje, dois anos e meio depois, você acha que Bolsonaro é o que ele dizia ser, ou não?”
• “O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo coronavírus. Na sua opinião, quanto Bolsonaro é responsável pelas mortes por coronavírus no Brasil?”
Outra:
• “Pelo que você viu ou ficou sabendo, você acha que Lula e o PT foram perseguidos nos últimos anos, com o impeachment da Dilma e a prisão de Lula, ou não houve uma perseguição contra eles, foram tratados da mesma maneira que outras lideranças políticas e partidos?”
Em setembro do ano passado, uma reportagem intitulada “Alerta: Pesquisas à vista”, da jornalista Selma Santa Cruz, publicada na Edição 24 da Revista Oeste, dizia: “Apesar de todo o vigor exibido em campanhas contra as chamadas fake news, a ponto de se aplaudirem medidas de censura, infelizmente ainda não se vê por aqui nenhuma mobilização para combater as fake polls. Caberá aos eleitores ficar alertas para não serem manipulados inadvertidamente”.
Na era da patrulha das agências checadoras de informações alheias a serviço das redações, fica uma sugestão: as pesquisas deveriam ser verificadas com lupa e, se os números não batessem com os fatos (mobilizações nas ruas em plena pandemia, por exemplo), poderiam ser devidamente rotuladas com a tarja que elas tanto gostam de colar: fake.
Silvio Navarro - Revista Oeste