“Fake News” ameaçam destruir a vida em sociedade
Com todos os atropelos que traz à privacidade do cidadão, o projeto de
lei aprovado pelo Senado esta semana e apelidado de “Lei das Fake News”
poderá ser melhor para a democracia do que não fazer coisa alguma. A
chance dele vingar, contudo, é muito pequena, quase nula, dada a forma
como passou.
Os que criticam a proposta munidos de boa fé deveriam se sentir motivados a apresentarem uma alternativa política plausível ao parecer do senador Angelo Coronel. Pode ser que ainda o façam, já que há discussões na Câmara que devem levar a uma revisão profunda do projeto. A ver.
Não há pior situação do que a atual, em que o fenômeno das “fake news” corrompe o sistema democrático não apenas no plano institucional, enganando legiões na hora do voto, mas no universo de direitos: a convivência entre diferentes é minada e até questões que afetam a sobrevivência da espécie, como o combate à pandemia ou a preservação do meio ambiente, têm o debate desvirtuado. O direito à privacidade e à liberdade de expressão não pode se sobrepor a regras que garantam a existência da vida em sociedade. É o paradoxo de Karl Popper: a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância.
[o projeto de 'Lei das Fake News', é mais uma excrescência expelida pelo Poder Legislativo brasileiro e que pretende salvar a democracia usando a cassação de direitos assegurados pela democracia que vigora em países sérios.
É mais uma criação brasileira = democracia à brasileira.
Temos outras adaptações que deturpam leis de modo a que se tornem convenientes aos interesses dos donos do Poder - que tudo fazem para cassar o Poder de um Presidente da República eleito com quase 60.000.000 de votos.
Um exemplo: prisão perpetua à brasileira.
Dirão os crédulos: 'mas a constituição cidadã e democrática do Brasil proíbe penas com característica de perpétua'.
Proíbe e sendo as autoridades brasileiras fiéis cumpridoras das leis, especialmente da Lei Maior, criaram um subterfúgio: decretam uma prisão preventiva, sem data para terminar e estamos diante de uma prisão com características de perpétua = se sabe a data de inicio mas não se sabe se, e quando, termina.
Aliás, ironicamente as mais cruéis ditaduras comunistas iniciam o nome oficial com três palavras = República Democrática Popular ... . ]
O debate sobre o projeto produziu até o momento uma coalizão tão
insólita quanto involuntária. Combatem a proposta tanto expoentes do
libertarianismo digital quanto os ferrabrazes do bolsonarismo, muitos
dos quais alvos do inquérito que cursa no Supremo Tribunal Federal.
Faltou ao Senado a percepção de que era preciso negociar mais o texto
para se desmanchar esta frente. Transferir a responsabilidade de fazer
esta negociação para a casa revisora - no caso em questão a Câmara - e
levar a voto a proposta com tamanho grau de dissenso foi um erro, porque
vai atrasar a tramitação no Legislativo já que, alterado, o texto terá
que voltar para o exame dos senadores.
Os fomentadores de “fake news”, os que fazem da mentira um método de
ação política, jogam nesta questão com o tempo. Enquanto o impasse
permanecer, a liberdade de expressão e o direito à privacidade estarão
resguardando um mundo paralelo que prega contra vacinas, diz que o
desmatamento não aumentou, que não houve ditadura militar, que a
Lava-Jato foi uma conspiração do governo americano, que há um plano da
China para dominar o pensamento acadêmico brasileiro e por aí vai. E
esses são os exemplos mais suaves, porque o que corre nas redes sociais é
mais pesado: vai na pessoa física, visa destruir o oponente,
desmoralizando-o. [o pensamento quando expresso contra o Presidente da República é engrandecido, ainda que seja apresentado pelos inimigos do presidente Bolsonaro;
quando apresentado a favor do presidente se torna crime hediondo?
Fake news é notícia falsa - se pergunta: que crime é cometido , ou que notícia falsa se veicula, quando algum cidadão expressa o seu entendimento de que o Governo militar não foi uma ditadura militar?
que crime comete o cidadão que expressa seu entendimento de atitudes da China são um plano para dominar o pensamento acadêmico brasileiro?
Já quando pessoas contrárias ao governo do presidente Bolsonaro = contrárias ao Brasil, à liberdade e à democracia, decidem usar revistas em quadrinhos = destinadas majoritariamente ao público infanto-juvenil - para divulgar beijos entre pessoas do mesmo sexo, são consideradas praticantes do legítimo exercício do direito de expressão.]
Veterano no acompanhamento da cena política, o presidente do Conselho
Científico do Ipespe, Antonio Lavareda, mostra-se alarmado. “O Brasil
soube administrar bem a corrupção no sistema eleitoral. Com todos os
problemas que acarretou a nova norma, a proibição de doação de empresas a
candidatos conteve o problema. Agora o vírus que ameaça à política está
nas redes sociais. É melhor pecar por excesso do que ceder a um
principismo ingênuo.” Em resumo, “o risco que as fake news representam
impõem o sacrifício de algumas liberdades. Não há direito absoluto”,
comenta.
O debate a ser feito, portanto, é até que ponto deve-se abrir mão de
determinados direitos (privacidade e liberdade de expressão) para a
preservação social. Esta é a dimensão da decisão que a Câmara deve
encaminhar.A polarização política muito potencializada pelas redes já cobrou a
fatura no filtro que o brasileiro busca ao se informar. A internet
tornou-se a porta da entrada da informação, sem ter os mecanismos de
autocontrole que existem em todas as plataformas tradicionais de mídia.
Segundo uma pesquisa comparada da Reuters em parceria com a Universidade
de Oxford, com 2.058 entrevistas, feitas entre janeiro e fevereiro
deste ano, nada menos que 43% dos pesquisados no país preferem ler
notícias de fontes que compartilhem o seu ponto de vista. Nos Estados
Unidos, onde a penetração da internet é maior e a polarização política é
enorme, a proporção é de 30%. No Reino Unido, 13%. á os que preferem ler noticias imparciais no Brasil somam 51%, ante 65%
na Itália e 80% na Alemanha. Entre 2013 e 2020, o percentual que se
informa por meio do jornal impresso recuou de 50% para 23% e pela
televisão caiu de 75% para 67%. Já os que consomem notícias por redes
sociais subiram de 47% para 67%. Fica patente que o Brasil é uma terra
fértil, em que se plantando tudo dá.
Eleição
A eleição deste ano tem tudo para entrar para a história política
brasileira como uma completa anomalia, não apenas por ser a primeira a
acontecer em novembro desde 1989. O palanque eletrônico se converterá no
único possível. A campanha se desenrolará em clima de absoluto
desinteresse, porque é incontroverso que a pandemia monopoliza a
atenção. De quebra, passou a vigorar a regra que proíbe coligações
eleitorais, o que estimula os partidos a lançarem chapa completa nos
grandes centros.
Para Lavareda, a televisão volta a ter um papel central no processo
político, mais do que exerceu em 2018, com a população confinada em suas
casas. “Isso vai acontecer não apenas por causa do horário eleitoral,
mas porque a TV ganhou credibilidade com a pandemia.” Bolsonaro não terá partido, mas será impossível o bolsonarismo não estar
presente na disputa. No cardápio das opções locais, haverá o candidato
que vai procurar colar na imagem do presidente para captar a simpatia de
seus irredutíveis apoiadores. E os seguidores do presidente
estabelecerão suas afinidades eletivas.
Dificilmente, contudo, a nacionalização da eleição será uma marca este
ano. A campanha em confinamento tolhe a oposição aos prefeitos. Se o
administrador local conseguir driblar a penúria financeira, - algo que
ficou mais fácil, com a negociação estabelecida no Congresso - as
chances de superar os problemas causados pela catástrofe sanitária são
grandes. Largam em grande vantagem.