É um indulto previsto em lei, por bom comportamento. Mas quem há de aceitar como justa essa saidinha de cinco dias do presídio? Impossível sentir compaixão pelas duas
Uma foi
condenada a 39 anos pelo assassinato dos pais em 2002. A outra foi condenada a
26 anos e oito meses por matar a enteada em 2008. Dois crimes bárbaros
ocorridos em São Paulo. O domingo materno será de festa para ambas. Ninguém
esquece que Suzane von Richthofen fingiu chorar com o luto após abrir a porta
de casa para que o namorado e o irmão dele matassem a marretadas seu pai e sua
mãe. Ninguém esquece que Anna Carolina Jatobá foi condenada por jogar do sexto
andar uma menininha de 5 anos, Isabella Nardoni, com a cumplicidade do marido e
pai da garota.
Suzane e
Jatobá estão em liberdade para comemorar o Dia das Mães. É um indulto previsto
em lei, por bom comportamento. Mas quem há de aceitar como justa essa saidinha
de cinco dias do presídio de Tremembé, até terça-feira? Impossível sentir
compaixão pelas duas mulheres. É justiça ou descompasso moral soltar ambas no
Dia das Mães? O benefício é justo ou deslocado? Indulto ou insulto? Curioso o
sorriso de Suzane para as câmeras quando está fora das grades. Quase como se a
celebridade negativa a divertisse. Matou a mãe por motivo fútil, porque não
aceitava seu namoro. Rica, tinha vida confortável. Contratou os rapazes para
sujar as mãos por ela. Órfã por matricídio, vai festejar o Dia das Mães ao lado
do noivo, um empresário de Angatuba (SP). Tenta cumprir o resto da pena em
liberdade, mas seu pedido não foi analisado.
Anna
Carolina Jatobá nunca foi de sorrir. Inventou com o marido Alexandre Nardoni,
na época, uma história fantasiosa para a morte de Isabella. O casal foi
desmascarado por pistas do carro à janela, embora continue a se dizer inocente.
Anna Carolina Jatobá vai comemorar o domingo com os dois filhos. A mãe de
Isabella, que também se chama Ana Carolina, vai comemorar com o filho de 1 ano
e dez meses. Seu senso de justiça é outro. “Uma pessoa que comete um crime
desses deveria ficar presa o resto da vida dela”, disse em março, dez anos após
o assassinato. Ela encontrou a filha ainda viva, estirada no jardim.
Como a
Justiça deve agir diante de assassinatos torpes assim? “O sistema penal e
prisional é uma criação humana para substituir o desejo de vingança”, diz a
juíza Andrea Pachá. A pena de prisão não deveria ser apenas punitiva, mas sim
aprimorada para garantir aos condenados uma chance de ressocialização. A
progressão de pena e o indulto têm essa função. Mas, sempre que a lei se
dissocia dos sentimentos morais, a sensação de injustiça vem à tona.
“Como
magistrada, o que me inquieta é não conseguir explicar com clareza para a
sociedade a razão de ser de determinadas normas”, afirma Andrea Pachá. “Devemos
nos preocupar com a aplicação da lei, mas devemos nos preocupar com a
importância simbólica que a lei representa. Nesse contexto, os indultos —
previsões importantes da afirmação da civilidade e da humanidade — poderiam
muito bem se desvincular de datas sensíveis e cheias de significado para todos
nós”.
Em outras
palavras, Suzane e Jatobá talvez devessem passar o Dia das Mães na cadeia, para
refletir sobre o significado da maternidade. Assim, não despertariam a ira da
sociedade, que as enxerga como bruxas.
Ruth de
Aquino, jornalista