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quarta-feira, 27 de março de 2019

Quase confissão – Defesa de Lula tenta chicana na Justiça Eleitoral



Todo político quer ser acusado de caixa 2, e não de corrupção e lavagem de dinheiro, que valeram a Lula a condenação


O pedido da defesa para que o processo que resultou na condenação do ex-presidente Lula pelo tríplex do Guarujá vá para a Justiça Eleitoral, além de uma tentativa patética de chicana, é quase uma confissão de culpa.  Ele não foi condenado por caixa 2, mas sua defesa alega que o processo acusa Lula de ter liderado um esquema de arrecadação de dinheiro para custear campanhas eleitorais do PT e de partidos aliados.

Todo político quer ser acusado de caixa 2, e não de corrupção e lavagem de dinheiro, que valeram a Lula uma condenação de 12 anos e um mês. Querer se beneficiar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que mandou para a Justiça Eleitoral os crimes conexos ao caixa 2 é também admitir, o que nega até hoje, a existência de um fundo formado pelo dinheiro de propina em obras públicas para financiar as campanhas eleitorais de seu partido.  Ganhar de empreiteiras um tríplex na praia ou melhorias no sítio em Atibaia que usava como se fosse seu, dificilmente, pode ser considerado um crime eleitoral. No limite, o ex-presidente terá desviado dinheiro da propina para a campanha eleitoral para uso próprio, o que descaracteriza a finalidade política. E, como os desvios foram de dinheiro público, através da Petrobras e de outras estatais, não existe caixa 2, mas sim peculato, como ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão.

Lula volta, quase 14 anos depois, a utilizar-se de uma estratégia de defesa montada pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para amenizar as acusações contra o PT, pois naquela época o crime eleitoral quase nunca levava políticos para a cadeia. Ainda hoje pelo menos a percepção continua a mesma.  Em 2005, no auge das acusações sobre o mensalão, o então presidente em duas oportunidades jogou para o caixa 2 o esquema de corrupção que montou em seu governo. Em julho, em entrevista no “Fantástico”, da Rede Globo, gravada em Paris, Lula disse que “o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente”.
Em novembro, em entrevista no “Roda Viva” da TV Cultura, Lula disse que a denúncia do deputado cassado Roberto Jefferson revelou o caixa 2 nas campanhas eleitorais do PT, o que o então presidente da República classificou como uma ação “contra a história do próprio partido”. Agora, Lula, depois de tantos anos de revelações terríveis sobre a corrupção institucionalizada que patrocinou nos governos do PT, comprovadamente não contra a história do partido, quer através de sua defesa que essa corrupção, que de fato foi geradora das benesses de que ele e sua família usufruíram, seja transformada em ações de cunho político-eleitoral.

É como se o ex-governador Sérgio Cabral, que depois de anos preso confessou afinal seu esquema de corrupção, alegasse que tudo o que ganhou de propina — joias, helicópteros, roupas de grife, bebidas caras —tinha um objetivo político-eleitoral. A única maneira de essa chicana dar certo seria os juízes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que vão julgar nos próximos dias os recursos a favor de Lula, aceitarem a tese de que o ex-presidente, por ser o chefe da organização criminosa que atuou durante os anos petistas, usou o caixa 2 do partido para obter o tríplex e, por extensão, também o sítio de Atibaia.  Mas o simples senso comum, além da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antonio Palloci e de outros, impede que essa tramoia dê certo.

Mais confissões
Outro que acabou confessando seus crimes foi o terrorista Cesare Battisti, que admitiu a participação direta e o envolvimento em quatro assassinatos durante interrogatório feito na prisão pelo procurador Alberto Nobili, responsável pelo grupo antiterrorista da cidade italiana de Milão.

Na confissão, Battisti disse que alegava inocência para obter apoio político da esquerda do México, da França e do Brasil, principalmente do ex-presidente Lula, que proibiu sua extradição, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-ministro da Justiça Tarso Genro, que pediu a Lula que não extraditasse o terrorista agora confesso, e o ex-senador Eduardo Suplicy ainda alimentam dúvidas sobre sua culpabilidade. Querem saber por que Battisti confessou. Muito simples: perdeu a proteção dos governos de esquerda.

 

Merval Pereira, jornalista - O Globo