Aos fatos:
— No ranking dos países mais poluentes, o Brasil ocupa o 7º lugar. Mas o número de emissões de gases do efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, entre outros) não chega a 3% do total. Na frente estão China (cerca de 26%), Estados Unidos (12%), União Europeia (7,5%), Índia (7%), Rússia (5%) e Japão (2,5%). “Destes menos de 3%, um terço vem da agricultura e pecuária, um terço da indústria e o restante das florestas e terras não produtivas”, esclarece Roberto Castelo Branco, ex-secretário de Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente. “Ao mesmo tempo, alimentamos 20% da população do planeta.”
— Em 2020, 84% da energia elétrica produzida no Brasil veio de fontes renováveis. Seguem-se o Canadá (65%) e a Suíça (60%). A chave do sucesso está na matriz hidrelétrica, modelo responsável por quase 65% de toda a geração de eletricidade no Brasil. Uma reportagem de Oeste publicada em outubro do ano passado mostrou que, embora não seja livre de impactos ambientais (para a construção das usinas, grandes áreas são alagadas), eles são imediatos. Além disso, os resíduos são muito menos nocivos que os modelos fósseis e nucleares.
— As áreas preservadas no interior dos imóveis rurais ocupam um terço (33,2%) do mapa nacional. “Nem o Estado Brasileiro preserva mais vegetação nativa do que os produtores rurais”, registra Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial e colunista de Oeste. Ao todo, elas superam a superfície de 186 dos 195 países existentes.
“Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, detém 28,3%”
Em média, os produtores rurais preservam 50% da propriedade — a porcentagem determinada por lei varia de acordo com o Estado: em São Paulo, por exemplo, são 20%; na Amazônia, 80%. “É como se você tivesse um carro, mas só pudesse usar os bancos da frente”, compara Michel Muniz, assessor do projeto Farmun, que estimula pesquisas científicas ligadas ao agronegócio em escolas de Mato Grosso. “Ou como uma casa de quatro cômodos, em que só dois podem ser ocupados. Os outros devem ser arrumados e mantidos em ordem, mas ninguém pode usá-los.”
Um estudo da Embrapa Territorial calculou o preço do patrimônio fundiário imobilizado pelos produtores em cada município. O valor total ultrapassou R$ 2 trilhões. Para preservar essas terras — e também para evitar roubo de madeira, prevenir incêndios, construir cercas e pagar vigias —, estima-se que os agricultores desembolsem cerca de R$ 15 bilhões por ano.
“Outro fato a considerar é a dinâmica da recuperação das florestas e outros tipos de vegetação no mundo rural”, lembra Evaristo. “O balanço entre desmatamento e regeneração florestal na Amazônia pelo Projeto Terraclass mostra que quase 30% das áreas mapeadas como desmatadas nos últimos 30 anos hoje estão ocupadas de novo por vegetação nativa (Terraclass Embrapa/Inpe).
Um levantamento realizado em 2019 pela Embrapa Territorial constatou que os restantes 33,7% do território tem a seguinte distribuição: pastagens (21,2%) e lavouras (9%). As áreas urbanas ocupam cerca de 3,5%.
— De junho a setembro deste ano, a redução de incêndios e queimadas foi de 13%. Na Amazônia, ficou em 26% a menos, contrastando com o aumento de 2020. “Agricultores não queimam por malvadeza”, explica Evaristo. “São sobretudo os produtores desprovidos de tecnologia suficiente, descapitalizados e marginalizados do mercado que empregam o fogo, ocasionalmente, para renovar pastagens, combater carrapatos ou eliminar resíduos vegetais acumulados. Eles representam menos de 2%.”
A era das fake newsEmbora ainda estigmatizado como um pária ambiental, o Brasil surpreendeu a turma do contra já nos primeiros dias da COP26. Como detalha Roberto Castelo Branco em seu artigo publicado nesta edição de Oeste, o país não se limitou a comprometer-se com a contenção em 1,5º Celsius do aumento global da temperatura até 2060. Também antecipou a meta de reduzir a zero o desmatamento ilegal na Amazônia de 2030 para 2028, aumentou de 43% para 50% a redução das emissões de todos os setores da nossa economia em 2030. Confirmou a redução de emissões em 37% para 2025 e formalizou a antecipação, em dez anos, do comprometimento com uma economia neutra para 2050.
Ainda não está claro se tantas concessões serão recompensadas. Em 2015, o Acordo de Paris (consumado durante a COP21) determinou que, a partir de 2020, o Brasil e outros países em desenvolvimento começariam a receber US$ 100 bilhões por ano dos países ricos para ações de proteção ambiental. Até agora, não vimos a cor do dinheiro.
“É preciso não apenas que se cumpram as promessas do Acordo de Paris como que se regulamente no âmbito internacional o mercado de carbono”, observa Rodrigo Justus, conselheiro titular da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Não estamos vendo nada acontecer de concreto desde 2007.” Naquele ano, foi proposta uma redução de 25% a 40% nas emissões de gases do efeito estufa até 2020. O ano-base era 1990.
Sem exigir contrapartidas, o Brasil também prometeu reduzir em 30% as emissões de metano até 2030, o que pode afetar negativamente a pecuária nacional. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o setor foi responsável por quase 72% das emissões brasileiras de metano em 2020. Apesar disso, uma nota conjunta divulgada neste 3 de novembro pelos ministérios do Meio Ambiente e da Agropecuária afirmou que, ao aderir a esse compromisso global, o país demonstra que já possui projetos que tratam do tema. Entre eles, foram citados o Programa Nacional Lixão Zero, que extinguiu cerca de 20% dos lixões, e a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Apesar da postura claramente favorável às bandeiras dos ambientalistas, o país ainda não se livrou da desconfiança internacional. “O Brasil quer mais investimento em sua economia, mas, no futuro, não vai ser possível atrair os fundos maiores sem uma política ambiental clara nos níveis federal e estaduais”, diz Peter Wilson, embaixador britânico no Brasil. “Os fundos públicos de outros governos, incluindo os do Reino Unido, vão ser usados onde são mais efetivos.”
“Há 30 anos, eu voava até a Europa para falar das mesmas coisas que a gente hoje repete: as queimadas, o desmatamento, etc.”, conta Antônio Cabrera, ministro da Agricultura no governo Fernando Collor. “O que mudou é que o Brasil está assumindo uma posição de liderança no agronegócio internacional. E essa liderança incomoda cada vez mais.” Outra transformação, segundo Cabrera, é que hoje o país produz mais utilizando menos recursos naturais.
“Estamos na era das fake news”, lamenta Cabrera. “As maiores notícias falsas, hoje, envolvem a área ambiental, principalmente em relação à Amazônia. O presidente da França, Emmanuel Macron, chegou a publicar uma foto antiga das queimadas na Amazônia como se fosse de hoje. E outras celebridades opinam sobre um assunto que desconhecem, como Cristiano Ronaldo, Lewis Hamilton, Gisele Bündchen ou Leonardo DiCaprio. Temos de começar a combater essas fake news com fatos, com informação. Nenhum outro país, entre as grandes potências agrícolas, tem o ativo ambiental do Brasil.”
Ainda existem, claro, inúmeros problemas a resolver no universo ambiental. O desmatamento ilegal cresce desde 2012, principalmente em decorrência da falta de regularização fundiária e de fiscalização. “Se o governo não consegue garantir a segurança nem de uma favela no Rio de Janeiro, por que iria fazer diferente na Amazônia?”, perguntou J.R. Guzzo, colunista de Oeste, num artigo publicado na Gazeta do Povo. Mas os fatos mostram que o país está muito melhor que seus concorrentes. O meio ambiente é tão importante para os seres humanos quanto a agricultura. Nessa matéria, o restante do mundo tem muito a aprender com o Brasil.
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Branca Nunes, editorial - Revista Oeste