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sábado, 6 de novembro de 2021

O mundo precisa aprender com o Brasil - Revista Oeste - Editorial

Vista superior do Rio Amazonas, Brasil | Foto: Gustavo Frazão/Shutterstock
Vista superior do Rio Amazonas, Brasil -  Foto: Gustavo Frazão/Shutterstock

Aos fatos:

No ranking dos países mais poluentes, o Brasil ocupa o 7º lugar. Mas o número de emissões de gases do efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, entre outros) não chega a 3% do total. Na frente estão China (cerca de 26%), Estados Unidos (12%), União Europeia (7,5%), Índia (7%), Rússia (5%) e Japão (2,5%). “Destes menos de 3%, um terço vem da agricultura e pecuária, um terço da indústria e o restante das florestas e terras não produtivas”, esclarece Roberto Castelo Branco, ex-secretário de Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente. “Ao mesmo tempo, alimentamos 20% da população do planeta.”

Em 2020, 84% da energia elétrica produzida no Brasil veio de fontes renováveis. Seguem-se o Canadá (65%) e a Suíça (60%). A chave do sucesso está na matriz hidrelétrica, modelo responsável por quase 65% de toda a geração de eletricidade no Brasil. Uma reportagem de Oeste publicada em outubro do ano passado mostrou que, embora não seja livre de impactos ambientais (para a construção das usinas, grandes áreas são alagadas), eles são imediatos. Além disso, os resíduos são muito menos nocivos que os modelos fósseis e nucleares.

As 614 áreas indígenas existentes no Brasil ocupam 14% do território nacional. Caso formassem um país, elas somariam quase 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Segundo uma reportagem publicada na edição 76 de Oeste, se fosse um Estado, seria o terceiro maior da Federação, atrás apenas de Amazonas e Pará.  
O total dessas terras é maior que a França e a Alemanha juntas.  
Os dois países somam quase 150 milhões de habitantes, o que corresponde a 120 pessoas por quilômetro quadrado. 
“Por aqui, de acordo com o portal Terras Indígenas no Brasil, menos de 680 mil índios vivem hoje em aldeias legalmente reconhecidas”, escreveram Cristyan Costa e Paula Leal. “É como se cada indígena tivesse direito a 2 quilômetros quadrados só para si — área equivalente a 242 campos de futebol.” O Estado de Roraima, por exemplo, tem 46% do seu território reservado a tribos indígenas.[é muita terra para pouco índio e além do mais lhes falta disposição para produzir alguma coisa de útil nas tais terras indígenas - grande parte sequer mora nelas.]

— As áreas preservadas no interior dos imóveis rurais ocupam um terço (33,2%) do mapa nacional. “Nem o Estado Brasileiro preserva mais vegetação nativa do que os produtores rurais”, registra Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial e colunista de Oeste. Ao todo, elas superam a superfície de 186 dos 195 países existentes.

“Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, detém 28,3%”

Em média, os produtores rurais preservam 50% da propriedade — a porcentagem determinada por lei varia de acordo com o Estado: em São Paulo, por exemplo, são 20%; na Amazônia, 80%. “É como se você tivesse um carro, mas só pudesse usar os bancos da frente”, compara Michel Muniz, assessor do projeto Farmun, que estimula pesquisas científicas ligadas ao agronegócio em escolas de Mato Grosso. “Ou como uma casa de quatro cômodos, em que só dois podem ser ocupados. Os outros devem ser arrumados e mantidos em ordem, mas ninguém pode usá-los.”

Um estudo da Embrapa Territorial calculou o preço do patrimônio fundiário imobilizado pelos produtores em cada município. O valor total ultrapassou R$ 2 trilhões. Para preservar essas terras — e também para evitar roubo de madeira, prevenir incêndios, construir cercas e pagar vigias —, estima-se que os agricultores desembolsem cerca de R$ 15 bilhões por ano.

“Outro fato a considerar é a dinâmica da recuperação das florestas e outros tipos de vegetação no mundo rural”, lembra Evaristo. “O balanço entre desmatamento e regeneração florestal na Amazônia pelo Projeto Terraclass mostra que quase 30% das áreas mapeadas como desmatadas nos últimos 30 anos hoje estão ocupadas de novo por vegetação nativa (Terraclass Embrapa/Inpe).

Conjugadas, as áreas protegidas e preservadas do Brasil ocupam mais de 5,6 milhões de quilômetros quadradosou 66,3% do território nacional. “Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, detém 28,3%”, informa Evaristo. “Dos 64 milhões de quilômetros quadrados de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. 
A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do planeta; hoje, tem apenas 0,1%. 
A África possuía quase 11%, e agora tem 3,4%. 
A Ásia já deteve mais de 23%; agora, possui 5,5% e segue desmatando.” No sentido inverso, a América do Sul saltou de pouco mais de 18% das florestas para cerca de 40%.

Um levantamento realizado em 2019 pela Embrapa Territorial constatou que os restantes 33,7% do território tem a seguinte distribuição: pastagens (21,2%) e lavouras (9%). As áreas urbanas ocupam cerca de 3,5%.

De junho a setembro deste ano, a redução de incêndios e queimadas foi de 13%. Na Amazônia, ficou em 26% a menos, contrastando com o aumento de 2020. “Agricultores não queimam por malvadeza”, explica Evaristo. “São sobretudo os produtores desprovidos de tecnologia suficiente, descapitalizados e marginalizados do mercado que empregam o fogo, ocasionalmente, para renovar pastagens, combater carrapatos ou eliminar resíduos vegetais acumulados. Eles representam menos de 2%.”

A era das fake news
Embora ainda estigmatizado como um pária ambiental, o Brasil surpreendeu a turma do contra já nos primeiros dias da COP26. Como detalha Roberto Castelo Branco em seu artigo publicado nesta edição de Oeste, o país não se limitou a comprometer-se com a contenção em 1,5º Celsius do aumento global da temperatura até 2060. Também antecipou a meta de reduzir a zero o desmatamento ilegal na Amazônia de 2030 para 2028, aumentou de 43% para 50% a redução das emissões de todos os setores da nossa economia em 2030. Confirmou a redução de emissões em 37% para 2025 e formalizou a antecipação, em dez anos, do comprometimento com uma economia neutra para 2050.

Ainda não está claro se tantas concessões serão recompensadas. Em 2015, o Acordo de Paris (consumado durante a COP21) determinou que, a partir de 2020, o Brasil e outros países em desenvolvimento começariam a receber US$ 100 bilhões por ano dos países ricos para ações de proteção ambiental. Até agora, não vimos a cor do dinheiro.

“É preciso não apenas que se cumpram as promessas do Acordo de Paris como que se regulamente no âmbito internacional o mercado de carbono”, observa Rodrigo Justus, conselheiro titular da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Não estamos vendo nada acontecer de concreto desde 2007. Naquele ano, foi proposta uma redução de 25% a 40% nas emissões de gases do efeito estufa até 2020. O ano-base era 1990.

Sem exigir contrapartidas, o Brasil também prometeu reduzir em 30% as emissões de metano até 2030, o que pode afetar negativamente a pecuária nacional. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o setor foi responsável por quase 72% das emissões brasileiras de metano em 2020. Apesar disso, uma nota conjunta divulgada neste 3 de novembro pelos ministérios do Meio Ambiente e da Agropecuária afirmou que, ao aderir a esse compromisso global, o país demonstra que já possui projetos que tratam do tema. Entre eles, foram citados o Programa Nacional Lixão Zero, que extinguiu cerca de 20% dos lixões, e a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Apesar da postura claramente favorável às bandeiras dos ambientalistas, o país ainda não se livrou da desconfiança internacional. “O Brasil quer mais investimento em sua economia, mas, no futuro, não vai ser possível atrair os fundos maiores sem uma política ambiental clara nos níveis federal e estaduais”, diz Peter Wilson, embaixador britânico no Brasil. “Os fundos públicos de outros governos, incluindo os do Reino Unido, vão ser usados onde são mais efetivos.”

Há 30 anos, eu voava até a Europa para falar das mesmas coisas que a gente hoje repete: as queimadas, o desmatamento, etc.”, conta Antônio Cabrera, ministro da Agricultura no governo Fernando Collor. O que mudou é que o Brasil está assumindo uma posição de liderança no agronegócio internacional. E essa liderança incomoda cada vez mais.” Outra transformação, segundo Cabrera, é que hoje o país produz mais utilizando menos recursos naturais.

“Estamos na era das fake news”, lamenta Cabrera. “As maiores notícias falsas, hoje, envolvem a área ambiental, principalmente em relação à Amazônia. O presidente da França, Emmanuel Macron, chegou a publicar uma foto antiga das queimadas na Amazônia como se fosse de hoje. E outras celebridades opinam sobre um assunto que desconhecem, como Cristiano Ronaldo, Lewis Hamilton, Gisele Bündchen ou Leonardo DiCaprio. Temos de começar a combater essas fake news com fatos, com informação. Nenhum outro país, entre as grandes potências agrícolas, tem o ativo ambiental do Brasil.”

Ainda existem, claro, inúmeros problemas a resolver no universo ambiental. O desmatamento ilegal cresce desde 2012, principalmente em decorrência da falta de regularização fundiária e de fiscalização. Se o governo não consegue garantir a segurança nem de uma favela no Rio de Janeiro, por que iria fazer diferente na Amazônia?”, perguntou J.R. Guzzo, colunista de Oeste, num artigo publicado na Gazeta do Povo. Mas os fatos mostram que o país está muito melhor que seus concorrentes. O meio ambiente é tão importante para os seres humanos quanto a agricultura. Nessa matéria, o restante do mundo tem muito a aprender com o Brasil.

Leia também “As elites estão rindo na nossa cara”

Branca Nunes, editorial - Revista Oeste

 

 

terça-feira, 31 de maio de 2016

Muito cacique

Juntos, os Três Poderes da União têm mais de 1,12 milhão de servidores. Desse total, 30,93% exercem cargo comissionado ou função de confiança, indica recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Trata-se de um índice muito alto de discricionariedade no preenchimento das funções públicas, incompatível com a Constituição Federal, que obriga o poder público a fazer valer, entre outros, os princípios da eficiência e da impessoalidade.

O objetivo do estudo do TCU foi “identificar e avaliar riscos relativos às funções de confiança e aos cargos em comissão, assim como dar transparência acerca dos quantitativos, atribuições, requisitos de acesso e outras informações relevantes sobre o tema”. Trata-se de tema relevante, quer seja pelo histórico de um poder público inchado, com muita gente vivendo à custa do Estado, quer seja pelos 13 anos de lulopetismo, nos quais houve um deliberado aumento do número de nomeações, com o objetivo claro de aparelhar o Estado.

O estudo do TCU lembra que as funções de confiança devem ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo. Já os cargos em comissão – ou comissionados – são de livre nomeação e exoneração, ainda que a Constituição Federal exija a definição de porcentuais mínimos de servidores de carreira nesses postos. Com dados de julho e agosto de 2015, o levantamento analisou 278 organizações dos Três Poderes da União.

No Poder Executivo há 963.172 servidores ativos, com 33.581 cargos comissionados (3,4%) e 221.646 funcionários em funções de confiança (23%). Já o Poder Legislativo tem o maior porcentual de servidores em cargos em comissão. Para um total de 24.174 servidores, há 15.453 cargos comissionados (63,9%) e 3.743 servidores em funções de confiança (15,4%).
O Poder Judiciário, com seus 115.760 servidores, tem os maiores índices de pessoas em funções de confiança. São 55.964 (48,3%) servidores nessa situação, além de 8.525 cargos comissionados (7,3%). No Poder Judiciário é minoria quem não tem um cargo em comissão ou uma função de confiança. Tem mais cacique do que índio. Semelhante distorção foi encontrada em 65 dos 278 órgãos analisados pelo TCU.

O estudo analisou nove possíveis riscos relativos ao processo de escolha de funcionários comissionados. São eles: investidura de pessoas sem as necessárias competências, aumento de gastos com pessoal, conflito entre o interesse público e os interesses da pessoa indicada, cargos comissionados cujas atribuições não são de direção, chefia ou assessoramento, descumprimento dos porcentuais mínimos de servidores de carreira em cargos em comissão, perda de experiência em razão da transitoriedade dos cargos comissionados, não utilização de bancos de talentos ou fontes institucionais para seleção de candidatos, nepotismo e nomeação de pessoas impedidas por lei de assumir essas funções.

Esses riscos não são elucubrações são bem reais. Ninguém nega que o bom funcionamento do poder público exija a previsão de cargos comissionados. Mas isso está longe de significar que um terço dos servidores tenha cargo comissionado ou exerça função de confiança. Além dos gastos que tais nomeações acarretam, é difícil vislumbrar eficiência num sistema tão maciçamente preenchido por escolhas pessoais, que, segundo a Constituição, devem ser exceções.
O problema não é, porém, apenas a questão da imensa quantidade desses cargos, cujo número certamente precisa ser reduzido. Como lembra o TCU, a discricionariedade envolvida na investidura de um cargo de livre nomeação e exoneração também deve se submeter ao princípio da eficiência. A livre nomeação não significa diminuição ou exclusão da exigência. Seja qual for o cargo, “os servidores públicos devem agir com qualidade, presteza e eficácia”. Aqui também está um urgente desafio.


Fonte: Editorial - O Estadão