Monica de Bolle
A esta altura da epidemia que se alastra rapidamente pelo planeta é
razoável dizer que não sabemos absolutamente nada. Nessas situações, a
reação é a mais extrema possível
Já compraram montanhas de desinfetantes para as mãos, máscaras, papel
higiênico?
E quanto a pilhas, antitérmicos, termômetros e vitamina C? Velas e lanternas? Já não há álcool ou sabonete líquido nas farmácias?
Vai faltar comida?
O comportamento que tem levado ao desaparecimento de medicamentos das
farmácias, ao sumiço de produtos de higiene pessoal e de alimentos não
perecíveis das prateleiras dos supermercados é o mesmo que leva às
corridas bancárias. Explico: a crise bancária típica ocorre quando as
pessoas, temendo que os bancos não serão capazes de devolver seus
depósitos, correm para sacá-los o mais rapidamente possível.
Como os bancos não mantêm 100% dos depósitos em caixa, se todos os
depositantes correrem ao mesmo tempo, alguns de fato não receberão o
dinheiro de volta, justificando o pânico inicial. Nenhuma farmácia ou supermercado estoca toda a quantidade de suprimentos
que a população pode vir a demandar em casos excepcionais. Logo, quando
há uma epidemia, ou o risco de que ela aconteça, as pessoas farão
exatamente a mesma coisa que fazem quando imaginam que não terão acesso a
seus depósitos: correm para as farmácias e para os supermercados,
esgotando produtos. Os afortunados garantirão seus suprimentos, enquanto
os demais ficarão a ver navios. Esse é apenas um dos aspectos da
economia da epidemia.
Outro aspecto é o comportamento das pessoas diante de situações de
incerteza. Incerteza não é risco — incerteza é tudo aquilo que pode ser
descrito como um imponderável desconhecido, enquanto risco envolve algum
conhecimento sobre a probabilidade de diferentes cenários. A esta
altura da epidemia que se alastra rapidamente pelo planeta é razoável
dizer que não sabemos absolutamente nada — inclusive não sabemos aquilo
que não sabemos.
Nessas situações, a reação é a mais extrema possível: cancelam-se de
viagens a eventos de massa, exaltam-se a quarentena e as medidas que
cerceiam brutalmente as liberdades individuais. Mas, vejam: não entrem
em pânico! Trata-se de precaução, nada mais. E lavem as mãos com sabão,
usem desinfetantes, não se esqueçam de estocar medicamentos, produtos de
higiene e limpeza, alimentos não perecíveis.
A Organização Mundial da Saúde divulgou a nova taxa de mortalidade
global desse coronavírus, ou SARS-CoV-2, para os íntimos. É de 3,4%,
dizem. Mas, por favor, não entrem em pânico, ainda que a taxa seja uma
média ponderada de países atingidos de modo diferente, com sistemas de
saúde distintos, com as mais variadas capacidades de resposta das
autoridades responsáveis.
Ou seja, a taxa de mortalidade gravíssima é nada mais do que uma média
sem sentido, sobretudo quando se considera a enorme variância entre
países, para não falar da variância dentro da própria China, epicentro
da epidemia. Na Coreia, o país com maior número de casos depois da China
e que está testando gente por meio de drive-through, a taxa é de 0,7%;
aqui nos Estados Unidos, o país mais rico do planeta, a taxa de
mortalidade é de 7%. Falta explicar que os 7% são todos os casos de
morte registrados em um estado apenas (até agora), onde um lar de idosos
foi duramente atingido. A divulgação de números sem as qualificações
necessárias acelera o pânico e o desabastecimento generalizado que as
mesmas autoridades querem evitar.
Em meio a isso, está a economia — a global, a brasileira. A paralisia
que resulta da incerteza haverá de retirar um bom pedaço do que se
esperava para o crescimento mundial em 2020, ainda que o mundo mais do
que descoordenado de hoje, ao contrário de como estava na crise de 2008,
consiga fazer medidas de estímulo mais ou menos simultâneas.
O Brasil, pobre Brasil, continua entregue à historinha de que se as
reformas andarem a coisa vai, mesmo que isso não tenha acontecido nos
últimos três anos. O corre-corre de nossas galinhas sem cabeça entregou
crescimento de 1,1% em 2019, ano da reforma da Previdência. No ano do
coronavírus não é difícil imaginar que o país pare de crescer ou mesmo
sofra uma leve recessão — no melhor dos casos, quiçá cheguemos a nossa
marca registrada, o PIB de 1%. A economia da epidemia, afinal, é isso aí. Uma grande balbúrdia em meio à
falência cognitiva generalizada. Para os que aterrissaram do Carnaval,
feliz 2020.
Monica de Bolle, colunista Época