Programa para incentivar adiamento da vida sexual não combina com Estado laico
Dentro dos limites legais, todo cidadão é plenamente livre para se
submeter às prescrições morais e doutrinárias das religiões que por
ventura tenha optado por seguir. Em tais práticas, não cabe ao Estado
opinar ou interferir. Tampouco deve-se esperar da autoridade governamental, em contexto
republicano e democrático, que embase políticas estatais em princípios
doutrinários desprovidos de sustentação objetiva. [não se trata de IMPOR adiamento da vida sexual, ou abstinência sexual e sim apresentar uma OPÇÃO.
O cidadão, ou cidadã, continua COMPLETAMENTE LIVRE para escolher o que quiser e, por óbvio, responsável pelo resultado do que escolher.
Estado laico não pode ser confundido com Estado promíscuo, com o vale tudo.]
O anúncio de que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
estuda criar um programa público para incentivar jovens a adiar o início
da vida sexual aproxima-se perigosamente do entrelaçamento entre
religião e Estado, união a ser evitada em sociedades regidas por poderes
laicos. Não há dúvida de que a gravidez precoce é um problema sério no Brasil,
onde as taxas em algumas regiões são comparáveis às de países africanos
—e representam, em média, mais do que o dobro das verificadas na Europa.
Muitos desses casos acarretam dramas psicológicos e sociais, em
especial entre os setores mais vulneráveis.
O Estado não deve manter-se passivo diante desse quadro, mas tampouco,
em nome de crenças e interesses políticos, enveredar por caminhos que
não têm amparo em estudos científicos. Pesquisas realizadas nos EUA já
demonstraram os impactos negativos da abstinência sexual como política
pública. Naquele país, a ideia da privação é alardeada por movimentos
tradicionalistas cristãos, que pregam a virgindade antes do matrimônio e
rejeitam métodos anticoncepcionais, como o uso de preservativos ou
pílulas do dia seguinte. Tais correntes se fortaleceram com a onda
conservadora que impulsionou a eleição de Donald Trump.
No Brasil, onde há tendência análoga, um desses grupos, simpático ao
plano da ministra Damares Alves, é o Eu Escolhi Esperar, que se designa
uma “campanha cristã”. Segundo o movimento, a meta é ressaltar “a
importância de viver uma vida em santidade e pureza baseada nas
escrituras sagradas”. É óbvio que se os jovens deixarem de ter relações sexuais até o
casamento não haverá gravidez precoce. Há, porém, muitas outras maneiras
de se evitar isso.Como esta Folha tem defendido, cabe ao poder público promover campanhas
de esclarecimento e facilitar o acesso a meios contraceptivos. A opção
pela abstinência é direito de cada um —mas não comportamento a ser
prescrito a todos. [a campanha pretende apenas ressaltar, esclarecer, as vantagens da abstinência sexual.]
Editorial - Folha de S. Paulo