Vilma Gryzinski
O contexto faz uma tremenda diferença
Qual a diferença entre a morte de Fakhrizadeh e os atentados praticados por agentes do regime iraniano? Tecnicamente, nenhuma. Mas entra aí o contexto — e faz uma tremenda diferença. O Irã representa uma ameaça existencial a Israel de uma forma que não tem a contrapartida oposta. Israel não ameaça varrer o Irã do mapa e nem provê dinheiro, armas e ideologia a organizações poderosas como o Hezbollah, hoje a força político-militar dominante no Líbano, cuja própria razão de ser é a destruição de Israel.
O Oriente Médio não é um ambiente que dê espaço a ingênuos, e Israel sabe muito bem que a eliminação de Fakhrizadeh, já aposentado, não muda em nada o programa nuclear iraniano, sempre a uma curta distância de transitar para a bomba atômica. A tática foi usada na última década, combinando assassinatos cirúrgicos contra cientistas nucleares e ataques cibernéticos com o vírus Stuxnet, conseguindo no máximo atrasar o projeto. Talvez o aspecto mais relevante do assassinato do físico iraniano tenha sido o timing: na transição do governo de Donald Trump para o de Joe Biden, com a certeza de que o novo presidente será muito mais condescendente com o Irã e menos flexível com Israel.
Estaria Benjamin Netanyahu tentando criar um fato consumado, uma reação armada iraniana que explodisse no colo de Biden antes mesmo de sua posse? Os iranianos não seriam bobos de cair nesse tipo de armadilha. Todos os envolvidos entendem que haverá retaliação, mas não aleatória ou irracional. Aliás, no acerto de contas do Irã, ocupa o primeiríssimo lugar o poderoso general Qassem Soleimani, explodido num bombardeio cirúrgico feito por drones americanos no aeroporto de Bagdá. A eliminação de Soleimani, que tinha o sangue de americanos nas mãos, não provocou o tipo de conflito generalizado sobre o qual se voltou a falar agora, mas com certeza será vingada. O direito de matar, legítima ou ilegitimamente, sempre vem com a etiqueta de preço.
Publicado em VEJA, edição nº 2716, de 9 de dezembro de 2020
Blog Mundialista - Vilma Gryzinsky - VEJA