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segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Isis Khorasan: o grupo islâmico ultrafundamentalista mais radical do mundo

Como se não bastassem todos os fatores de extrema instabilização do Oriente Médio, ainda tem os radicais que fizeram atentado no Irã

Irã funeral explosões

 Vítimas do duplo atentado: em ação, um grupo nascido do Estado Islâmico que trata os xiitas como hereges a serem eliminados (Mohammad Ali Mohammadian/Anadolu/Getty Images)

Só para dar uma ideia: os adeptos do Isis Khorasan acham que o Talibã é moderado demais. 
Também não mostram a menor sensibilidade pela aliança de interesses que permite que grupos fundamentalistas sunitas como o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina sejam nutridos, armados e, inevitavelmente, instruídos pelo regime xiita do Irã.

Para eles, os xiitas são “hereges” e está acabado. Merecem ser explodidos, como no terrível duplo atentado que matou quase cem pessoas durante uma homenagem póstuma ao general iraniano Qasem Suleimani na semana passada.

O grupo foi criado por remanescentes do Isis, ou Estado Islâmico, principalmente paquistaneses. Khorasan é o nome de uma região que abrange partes do Paquistão, do Afeganistão e do Irã. Abreviadamente, o grupo é chamado de Isis-K. O Estado Islâmico original também tinha um forte componente antixiita, refletindo numa situação limite a milenar tensão entre as duas principais correntes religiosas do Islã, os minoritários xiitas e a maioria sunita.

Esta tensão se manifesta hoje na rivalidade que países sunitas como a Arábia Saudita alimentam em relação ao Irã, embora disfarcem com reconciliações públicas. 
Note-se que foram poucas as manifestações de solidariedade ao regime iraniano depois do duplo atentado, o maior da história da república islâmica instalada em 1979. 
Os universitários pró-Hamas que se espalham pelo mundo ocidental e protestam contra tudo que Israel faz em Gaza também ficaram calados.
 
CALDEIRÃO INFERNAL
O assunto talvez seja complexo demais – e desconfortável
para quem tem uma visão simplificada em que todos os muçulmanos são colocados sob uma etiqueta só, e na condição de vítimas. 
Na verdade, muçulmanos matando outros muçulmanos são uma constante nas últimas décadas, com exceções episódicas como em Gaza.
 
O maior conflito intramuçulmano recente aconteceu na Síria, onde a rebelião contra o regime foi liderada por fundamentalistas sunitas alinhados com a ideologia da Fraternidade Muçulmana.  
O regime sírio, controlado por uma minoria mais desconhecida ainda, os alauítas, foi salvo pelo “eixo da resistência”: Irã e seus filiados libaneses do Hezbollah, além da ajuda da Rússia no bombardeio indiscriminado dos focos de resistência.

No auge da guerra civil, o Hamas ficou do lado dos rebeldes, por afinidades religiosas e ideológicas. Chegou a ser expulso da Síria. Mas o Irã, de quem todo mundo depende, promoveu a reconciliação depois do fim da guerra civil. Os horrores de uma guerra que matou um número literalmente incalculável – 500 mil pessoas, segundo algumas avaliações – nunca provocaram protestos como os que acontecem agora contra Israel.

O Estado Islâmico, originado no Iraque, floresceu nesse caldeirão infernal . Chegou a ter o controle de um território grande entre a Síria e o Iraque. Para combatê-lo houve uma aliança tácita que reuniu Estados Unidos e as forças xiitas iraquianas com grande influência do Irã.  
A perda do controle territorial e o altíssimo número de baixas obviamente não significaram o fim da ideologia do Isis. 
O Isis-K não tem a mesma força, mas se beneficia do abrigo fornecido pelas regiões montanhosas literalmente inalcançáveis do Afeganistão e do Paquistão.


PROVA DE VIDA
Num sinal de que considera o Talibã moderado demais,
o Isis-K foi o responsável pelo grande atentado no aeroporto de Cabul, quando as forças americanas estavam deixando o Afeganistão, com 170 mortos entre a multidão que tentava fugir do país e treze militares americanos – um dos maiores vexames do governo de Joe Biden.

O racha entre sunitas e xiitas remonta à época da sucessão do profeta Maomé. Os xiitas acreditam que Maomé designou especificamente seu genro (e primo), Ali, para conduzir os fieis. 
Muito sangue rolou desde então, embora os fundamentos religiosos sejam os mesmos: a revelação, o Corão, a adesão literal à sharia e o controle total da aparência feminina que provocou uma barbaridade recente como as 74 chibatadas a que foi submetida a curda iraniana Rosa Heshmati por não usar o pano na cabeça.

Além de divergirem sobre o passado, sunitas e xiitas também têm visões diferentes sobre o futuro. Os xiitas iranianos são mais messiânicos e aguardam a próxima volta de um imã histórico, numa espécie de juízo final.

Como minoria em todos os grandes países muçulmanos, com exceção do Irã, os xiitas sofreram perseguições históricas. 
No Afeganistão e no Paquistão, são frequentemente alvos de atentados pavorosos praticados pelo Isis-K em mesquitas e outros locais religiosos. De novo, com zero de protestos nas sensíveis universidades da elite ocidental.

É claro que o Irã tentou empurrar a culpa pelo duplo atentado para Israel, dizendo, ridiculamente, que a linguagem do documento em que o Isis-K assumia a responsabilidade era suspeita. Imagina-se que os serviços de inteligência de Israel saberiam imitar direitinho a linguagem do Isis-K, mas todo mundo entende que é uma encenação. A letal prova de vida do grupo mais radical de um universo em que o fundamentalismo extremo predomina acrescenta um elemento de desestabilização num cenário em que não faltam perigos de que tudo o que já está muito ruim fique pior ainda.

 Vilma Gryzinski, Mundialista - Revista VEJA

 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

STF - Se queriam matar Moraes no 8 de janeiro, ele não pode mais julgar os manifestantes - Alexandre Garcia

Vozes - Gazeta do Povo 

 O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes disse a jornal que havia planos para sequestrá-lo e matá-lo no 8 de janeiro.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes disse a jornal que havia planos para sequestrá-lo e matá-lo no 8 de janeiro.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O ministro Alexandre de Moraes gravou para a Globo um documentário. A entrevista saiu na primeira página do jornal O Globo, com a manchete “Havia planos de me prender e até de me matar, diz Moraes”. 
Ele afirma que isso é resultado das investigações do 8 de janeiro, em que descobriram três planos: no primeiro, forças especiais do Exército pegariam Alexandre de Moraes e o levariam para Goiânia; no segundo, o corpo dele seria ocultado à beira da estrada entre Brasília e Goiânia; e o terceiro seria para enforcá-lo na Praça dos Três Poderes.
 
Muita gente há de dizer, como os juristas já estão dizendo, que agora Moraes não pode mais continuar na direção do inquérito de 8 de janeiro, uma vez que ele é o alvo, a vítima, e portanto fica suspeito. 
Se ele continuar como juiz para julgar isso, já não seria juiz, mas vingador
Só que já temos isso há mais de quatro anos, no “inquérito do fim do mundo”, aberto não pelo Ministério Público, mas pelo Supremo, com base em um trecho do Regimento Interno que foi derrogado pela Constituição. 
A Constituição, quando escreveu os artigos 127 e 129, dizendo que o Ministério Público é essencial e é quem tem a iniciativa, o artigo 43 do Regimento Interno do STF deixou de existir.
 
E o estranho nesse inquérito imenso não é apenas que nunca termine, mas também que envolva pessoas que deveriam ser julgadas na primeira instância, que não têm foro privilegiado
Mas, nessa entrevista, Moraes disse que quem decide a competência é o próprio Supremo. O Supremo se declara competente, e pronto. Então não há mais parâmetro do devido processo legal para fazer observações a respeito de juiz natural, amplo direito de defesa. Em nome da “defesa da democracia”, atropelou-se a democracia.

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Moraes chegou a contar que aconselhou Lula e o ministro da Justiça a prender o comandante da PM de Brasília, o secretário de Segurança, a afastar o governador, para dar o exemplo a outros governadores, para que se não se levantassem em apoio ao golpe. 
E o chefão da Polícia Federal disse que as investigações vão mostrar quem fez planos de enforcar Alexandre de Moraes na Praça dos Três Poderes. 
Decerto ele desenhou uma forca lá, porque não foi alguém que gritou na rede social, se é plano mesmo.
 
Senado e Câmara querem barrar obrigatoriedade de vacinação de crianças contra Covid
Já existe movimento contrário na Câmara e no Senado à obrigatoriedade da vacinação com a vacina Pfizer-Baby: três doses para crianças de 6 meses a 5 anos. 
O Ministério da Saúde colocou a vacina no Programa Nacional de Vacinação, mas há um projeto de decreto legislativo na Câmara e movimentação do senador Eduardo Girão para derrubar a exigência e deixar essa decisão a critério absoluto dos pais. 
Porque, para obrigá-los a vacinar seus filhos, a punição dos pais pode ser multa, pode ser até o corte do Bolsa Família, por exemplo.
 
Estado Islâmico reivindicou autoria de atentado em manifestação no Irã
Queria falar também da surpresa: o Estado Islâmico atacou o Irã. 
Não deveria ser surpresa, na verdade, porque há essas lutas entre muçulmanos sunitas e xiitas. O Estado Islâmico já atacou xiitas no Irã. Agora, no dia 3, os iranianos estavam lembrando, numa grande manifestação, os quatro anos de morte do comandante iraniano Qassem Soleimani, muito querido no país, em um ataque de um drone americano no aeroporto de Bagdá, no Iraque. 
Na manifestação houve duas explosões que mataram 84 pessoas; outras 220 estão no hospital, algumas em estado grave. 
Pode haver mais mortes. 
O Estado Islâmico disse que dois dos seus homens-bomba se explodiram no meio da multidão
Isso aconteceu no dia seguinte ao anúncio israelense de que haviam matado o número 2 do Hamas no Líbano. 
O Hamas é apoiado pelo Irã, que é o maior inimigo, a maior ameaça a Israel.
 
Aliás, ainda falando de política externa, estão dizendo que Vladimir Putin está recebendo material bélico da Coreia do Norte e do Irã na luta contra a Ucrânia. 
A Ucrânia está sendo um osso muito duro de roer.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

A Ucrânia balança o mundo - Revista Oeste

Flavio Morgenstern e Artur Piva

Os alertas sobre o expansionismo russo sempre foram interpretados como uma espécie de teoria da conspiração de radicais da direita 

Tanque de tropas do Exército ucraniano | Foto: Milan Sommer/Shutterstock
Tanque de tropas do Exército ucraniano -  Foto: Milan Sommer/Shutterstock

Quando era candidata a vice-presidente na chapa de John McCain em 2008, uma pouco destacada Sarah Palin foi entrevistada sobre seu conhecimento de geopolítica, já que era vista apenas como a governadora de um Estado pouco relevante como o Alasca. A resposta de Palin virou piada nacional: lembrando que o Alasca faz fronteira com a Rússia, afirmou poder ver de seu Estado natal Putin invadindo a Ucrânia. Até hoje há quem creia que a governadora tenha afirmado que podia ver fisicamente a Rússia de sua casa (home), mas quase ninguém se lembrou de sua declaração quando Putin anexou a Crimeia seis anos depois.

Em um debate com o então presidente, Barack Obama, em 2012, Mitt Romney havia dito que a maior ameaça geopolítica que a América enfrentava era a Rússia. Obama soube ganhar apoio midiático e votos rindo da declaração, gracejando que seu adversário republicano queria uma política externa “dos anos 1980” de volta. Seu vice-presidente era um certo Joe Biden, então pouco conhecido no Brasil.

Quatro anos depois, Donald Trump surpreenderia o mundo com sua campanha de amplo apoio popular e violentíssima reação da mídia — afirmando, já na abertura do seu livro América Debilitada, que Vladimir Putin era um perigo para os Estados Unidos da América e para o mundo livre — e que a política democrata estava enfraquecendo a América e favorecendo os planos expansionistas do novo autocrata russo. Putin foi considerado o homem mais poderoso do mundo durante quase todos os anos da administração Obama, que tinha em Hillary Clinton seu braço internacional e em Joe Biden a conexão e o apoio político com o establishment norte-americano.

Desta vez, além de virar alvo de galhofa da mídia, seguiram-se pelo menos dois anos de uma teoria da conspiração que é tratada até hoje como se tivesse sido provada: que Trump havia ganhado as eleições com ajuda da manipulação russa — logo de Putin, que era alvo do então candidato. Seria pedir muito que a maioria dos jornalistas da grande mídia lesse duas ou três páginas de um livro antes de emitir opiniões tão fanatizadas. Foram apenas alguns exemplos de constantes críticas pela direita norte-americana ao expansionismo russo, enquanto o Partido Democrata, o complexo midiático internacional e as instituições acadêmicas que formam a opinião pública faziam troça de tais acusações — tal como Obama, geralmente afirmando que era uma “retórica de Guerra Fria”.

A Ucrânia, país pobre e debilitado, mas ao mesmo tempo muito importante no projeto geopolítico e cultural russo, era vista como o próximo alvo dos planos de Vladimir Putin, tal como Taiwan é a menina dos olhos da China de Xi Jinping. Mas os alertas constantes sobre o imperialismo russo sempre foram ouvidos pelo estamento como uma espécie de teoria da conspiração de extrema direita ultranacionalista — exatamente a chuva de adjetivos de forte impacto psicológico e nenhuma clareza conceitual que foi esquecida na última semana, tão logo Putin cumpriu suas ameaças. A concretização da geopolítica russa, afinal, é resultado do fracasso constante da política externa democrata — de Obama, Hillary e Biden.

O fracasso da “contenção” tardia
O ex-presidente Donald Trump adotou uma política aplicando conceitos mais próximos da administração do que da geopolítica. Apesar das críticas ao seu desconhecimento em geopolítica, ele cuidou de favorecer os amigos do Ocidente, no que ficou conhecido como a política da América em primeiro lugar (America First). Assumindo quando o Estado Islâmico parecia trazer o fim dos tempos, conseguiu manter-se por quatro anos sem nenhum incidente internacional digno de nota. Conseguiu inclusive trazer Kim Jong-un para a mesa de negociações e colocou fim à guerra civil síria, além de ter levado mais paz ao Oriente Médio com os Acordos de Abraão.

Com a vitória de Biden, não demorou até outras potências e grupos opositores colocarem à prova a força do novo governo. Quando isso ocorreu com o Trump, ele respondeu rapidamente com um bombardeio contra bases sírias. Com Biden, o oposto tomou forma: sua política fracassou no Afeganistão e perdeu uma guerra custosa de 20 anos. O caminho estava aberto para que a China, a Rússia, o Irã e outros países voltassem a avançar contra a estabilidade mundial.

Biden também tem culpa por colocar a ideologia acima dos interesses nacionais norte-americanos. O presidente norte-americano é um dos grandes responsáveis por não ter Índia e Brasil alinhados de modo mais claro à posição norte-americana, já que escolheu esnobar Narendra Modi e Bolsonaro por serem conservadores. Ele também fez o mesmo com os países do Golfo, cancelando vendas de produtos de defesa para a Arábia Saudita e para os Emirados, ambos desafetos do Irã, principal aliado russo no Oriente Médio.

Com o atual expansionismo de Putin na Ucrânia, temos um dos mais fortes erros geopolíticos da história norte-americana (e foram muitos recentes). Putin faz suas mobilizações para provocar, e sempre ganha sem precisar disparar um tiro
A Rússia, que faz fronteira com a Turquia e o Japão, com a Finlândia e a Coreia do Norte, com a Polônia e a China, de certa forma com o Japão e os Estados Unidos, pode realizar constantes mobilizações militares e exercícios fronteiriços. 
Afinal, ainda está em seu próprio território. Assim o fez recentemente com a Bielorrússia e a Geórgia, com o Cazaquistão e a própria Ucrânia.

Para o Ocidente poder mostrar seu poder de fogo de volta, precisa passar pela via burocrática: pedidos da Otan, destacamento caríssimo de tropas, passagem por países —  não raro ditaduras —, culminando em exercícios diminuídos e que nunca poderiam assustar alguém como Putin. Até tal resposta aparecer, os russos já puderam fazer novos exercícios, em outros pontos da fronteira russa que envolvem países diferentes — e todo o processo recomeça do zero, a altíssimo custo, enquanto Putin apenas movimenta tropas alguns quilômetros acima ou abaixo.

O que foi testemunhado nas últimas semanas foram constantes provocações militares, que teriam sido contidas caso houvesse um presidente forte na Casa Branca. Joe Biden, depois de Putin já tomar cidades ucranianas com ataques por terra, mar e ar, afirma que irá impor… sanções econômicas às regiões separatistas da República Popular de Donetsk e da República Popular de Luhansk
Algo para o qual Putin já estava se preparando havia anos — e trata suas tropas na região como “mantenedoras da paz” (sic). O seu ethos é guerreiro, coletivista, não se importa com sacrifícios de indivíduos ou tempo pensando no longo prazo. Não há como comparar uma ameaça de “medidas econômicas severas” com Putin falando em tons militares das “consequências nunca antes vistas” (com armas nunca testadas em campo) do apoio à entrada da Ucrânia na Otan.

Vladimir Putin sonha em criar algo digno dos grandes conquistadores da Antiguidade

Seria preciso que os Estados Unidos tivessem realizado uma política de contenção mais robusta, como as sanções impostas por Trump ao oleoduto Nord Stream 2 Biden simplesmente desistiu das sanções em maio último, o que levantou suspeitas sobre os interesses de seu filho — e também da família Clinton — nos sistemas de energia dos países mais corruptos do Leste Europeu. Putin logo entendeu que podia se preparar para atacar. Medidas como esta, no tempo correto, teriam sido suficientes para evitar o atoleiro no qual Biden se vê: todas as desvantagens de um conflito militar, que agora é quase inevitável, sem nenhuma vantagem da contenção diplomática.

O curioso é que a propaganda de Biden era justamente de que Putin tinha “medo” dele (e não de Trump), porque ele seria “muito duro” com o autocrata russo. Palavras sem espada são apenas tinta no papel. Ou no Twitter. Hoje, tudo o que resta a Biden é prometer sanções econômicas, que poucos dos seus aliados europeus levarão a sério, se são tão dependentes da energia russa.

A Ucrânia no xadrez geopolítico
Vladimir Putin sonha em criar algo digno dos grandes conquistadores da Antiguidade: a recriação da grandeza do antigo Império Russo, mas com a tecnologia moderna e o poder autocrata herdado da União Soviética. Este plano busca recriar o Império original, a grande Rus, o nome original da Rússia. A Ucrânia, ou “Pequena Rússia”, como é chamada pelos russos, é peça-chave para o plano de Putin. Além de muitos ucranianos serem etnicamente russos, e identificarem-se mais com o grande e glorioso país do que com seu decadente e corrupto Estado moderno, o antigo Império tinha em Kiev o seu centro cultural — o que é uma questão séria para Putin.

Sem ter uma ideologia muito precisa que unifique a sociedade a favor do seu projeto de poder como os ditadores comunistas possuíam com o bolchevismo comunista, seu apelo atual é para um “nacionalismo” expansionista, no qual os antigos territórios do Império Russo serão retomados um a um. A hegemonia cultural, militar e econômica do globo deixará de ter na América e na Inglaterra o seu centro irradiador, e a Grande Mãe Rússia ressurgirá como a nação capaz de salvar os pobres e aflitos do planeta. Foi neste contexto que vimos a Ucrânia querer uma aproximação com o Ocidente: cogitando mais um modelo liberal, pró-União Europeia e sendo apoiada até militarmente pelo mundo livre. Cogitou se filiar à Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, o bloco de países que se uniu justamente para frear o expansionismo militar russo durante a Guerra Fria. Para um autocrata com um plano global como Putin, é muito mais do que uma provokatsiya: é praticamente uma declaração de guerra. Afinal, a “Pequena Rússia” é parte da Rússia, segundo pensa Putin.

Memes começaram a aparecer nas redes sociais minutos depois da invasão:

 

A despeito das ideologias, as fronteiras atuais da Ucrânia foram definidas pelos tratados do fim da Guerra Fria. Como os países menores eram controlados por governos “satélites” de Moscou pela União Soviética, o mapa atual da Ucrânia possui fronteiras artificialmente maiores do que seu desenho histórico — o que é martelado dia e noite pela propaganda oficial de Putin. Entre os principais alvos estão Odessa e Sevastopol, importantes portos para a economia russa. Quando a Ucrânia se declarou independente de Moscou de vez, em 2014, essas regiões tornaram-se zonas de extrema tensão e conflito. E é neste ponto em que a política externa de Biden, desastrosa em tudo, se tornou verdadeiramente mortífera.

A política da provokatsiya e da desinformatsiya
Putin, homem forte da KGB e especialista em desinformatsiya, sempre soube fazer intensa propaganda separatista na Ucrânia, sobretudo na fronteira leste, financiando milícias, apoiando grupos rebeldes e prometendo mundos e fundos para quem pretendesse anexar-se à Rússia. Ao mesmo tempo, também destaca como grupos “neonazistas” aparecem no país vizinho, passando a tratar qualquer um que se oponha ao seu projeto de poder como um “nazista” ou um “racista”. Como palavras importam em uma guerra travada antes na mídia do que no campo de batalha, países ocidentais pisam em ovos para apoiar governos legítimos, como o da Ucrânia. Mesmo no Brasil, até sua bandeira já foi acusada de ser um “símbolo neonazista”, exigindo que o embaixador ucraniano no Brasil viesse a público explicar que o símbolo do país não é “neonazista”
Ou seja, a desinformatsiya russa é eficiente e transcontinental. Determina até os termos usados por jornalistas brasileiros. Enquanto isso, Putin constantemente ganha mais espaço de manobra para destruir grupos rivais. Tal como virou moda em republiquetas, acusa seus adversários de nazistas, e então trata-os como se merecessem um eterno Estado de exceção. E políticos como Obama e Biden, em vez de defender o mundo livre, sempre pisam em ovos para lidar com as manobras do expansionismo russo. Para eles, importa muito mais não ser chamados de “apoiadores de nazistas” pelo complexo midiático norte-americano — e, logo, mundial — do que lutar pelo mundo livre. Infelizmente, este modelo de política já foi exportado para o mundo ocidental. [o mais importante é que a consolidação de Putin, controlando a Ucrânia - ou mesmo anexando - reduz em muito o ímpeto do Biden e da sua vice na propagação, quase imposição, do maldito progressismo esquerdista. Putin não discute, nem dá sinais que discutirá o comunismo - que não considera tema importante. 
Para ele o conservadorismo que o domina é bem mais importante. Uma brecada na propagação do maldito progressismo esquerdista, que tem como meta destruir todos os valores do mundo - entre eles, sem limitar: BONS COSTUMES, FAMÍLIA, MORAL, PROPRIEDADE, RELIGIÃO, TRADIÇÃO, LIBERDADE, PATRIOTISMO é importante para que o mundo seja um lugar digno das pessoas de BEM continuarem nele.]
As possíveis consequências para o Brasil
Em um mundo interligado, um conflito na Ucrânia não é mais assunto distante, como a última Guerra da Bósnia. O Brasil está em uma situação bastante peculiar: sua agropecuária alimenta boa parte do mundo, mas é extremamente dependente de fertilizantes russos e 49% das exportações de gado têm como destino a China. Por isso, uma negociação com os russos é necessária e delicada.

Além de uma possível alta no preço dos combustíveis e do gás, em caso de um embargo, como proposto por Biden, a Rússia provavelmente irá triangular com a China para furar o bloqueio. A manobra aumentaria ainda mais o poder de Xi Jinping sobre o comércio internacional. Mais um desastre da atual política norte-americana é forçar sanções nas regiões pró-Rússia em dólar, euro e iene. Em vez de enfraquecer o inimigo, todas essas áreas separatistas passam a recorrer ao iuane chinês, aumentando o poder de barganha de Pequim. O Brasil também sofre com uma China controlando ainda mais territórios com sua moeda.

O cenário tem tudo para ser, no mínimo, péssimo para a economia.

Leia também “A fraqueza ocidental”

Flavio Morgenstern e Artur Piva, Revista - Oeste 
 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Drone de Biden matou crianças? - Guga Chacra

O Globo

Saída do Afeganistão

Dez afegãos de uma mesma família, incluindo sete crianças, teriam sido mortos por um ataque de drone em Cabul ordenado por Joe Biden em 29 de agosto. 
É o que indicam investigações paralelas independentes do New York Times e do Washington Post
Naquele dia, o presidente dos EUA celebrou a ação militar porque, supostamente, havia impedido um novo atentado do Estado Islâmico
Era uma tentativa da Casa Branca de alterar a narrativa durante o fiasco na implementação da retirada das tropas do Afeganistão, dias depois de um outro ato terrorista matar 182 pessoas, incluindo 13 militares americanos, em meio ao caos no aeroporto da capital afegã.

Destroços de uma casa atingida por ataque de drone dos EUA em Cabul

Diante das evidências cada vez mais fortes de que a ordem de Biden para o ataque de drone resultou na morte de inocentes, o governo americano mudou mais uma vez sua versão. Em depoimento ao Senado, o acuado secretário de Estado, Antony Blinken, disse que o governo ainda “investiga” o que ocorreu. Como questionaram alguns senadores, se havia dúvida, por que o disparo foi ordenado? Por que Biden e sua equipe celebraram a ação como se tivessem eliminado uma célula do Estado Islâmico a caminho de realizar um atentado, quando, ao que tudo indica, tinham alvejado crianças? [Biden é o resultado, piorado, obtido com a soma da crueldade de Stalin, Mao e Kim Jong-un; já sua vice, Kamala Harris, é o mesmo material acrescido de Pol Pot
Biden, logo que assumiu, revelou sua capacidade assassina e imensa  crueldade, assinando ordens executivas favoráveis ao aborto.]

A resposta é simples. Muitos dos ataques de drones dos EUA matam civis, incluindo crianças e idosos sem nenhuma ligação com o terrorismo. Simplesmente, o governo dos EUA anuncia que “seis terroristas da Al-Qaeda foram mortos em um bem-sucedido ataque de drone no Iêmen”. Sem dúvida, em muitas ações, terroristas de fato foram mortos. Mas vários levantamentos de órgãos independentes indicam que alguns ataques acabam por matar civis, como no caso de Cabul.

Em junho, o Pentágono chegou a admitir algumas mortes no Iêmen, mas somente após enorme pressão de entidades independentes, como a Clínica de Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade Columbia. Segundo a diretora da entidade, Sarah Knuckey, "as Forças Armadas dos EUA continuam contabilizando um número bem inferior de vítimas civis em suas operações no Iêmen se levarmos em conta as ações documentadas por organismos independentes. Os EUA continuam se recusando a prover compensação ou pedido de desculpas para as famílias dos civis vítimas dos drones".

Alguns desses drones são pilotados a partir dos EUA pela CIA ou pelo Pentágono. Os "pilotos" acordam em algum subúrbio de Washington, tomam café da manhã, deixam os filhos na escola e se sentam para monitorar em uma tela os movimentos de supostos terroristas em lugares distantes como Afeganistão e Iêmen. Com base em informações de inteligência, fazem os disparos que, na maior parte das vezes, resultam na morte do que os EUA consideram terroristas. Em outras, civis são mortos, como agora no Afeganistão. Essa prática de matar com "aviões de controle remoto" começou com George W. Bush, intensificou-se com Barack Obama e foi mantida por Donald Trump.

No caso de Cabul, claro que Biden não sabia que havia crianças quando ordenou o bombardeio. A decisão foi tomada com base nas informações de inteligência. Mas, diante das evidências, o presidente dos EUA deveria pensar em ao menos pedir desculpas às famílias dos afegãos mortos, porque sua decisão provavelmente resultou na morte de inocentes. Além disso, já passou da hora de demitir o seu incompetente secretário de Estado, Antony Blinken.

Guga Chacra, colunista - O Globo

 


sábado, 11 de setembro de 2021

O Brasil, caminha aos poucos para ter, na área política, um Guantánamo - VEJA

 Por que 39 prisioneiros ainda estão em Guantánamo 20 anos após o 11/09

Muitos desses detentos são chamados de 'prisioneiros eternos', que foram presos sem nenhuma acusação e, portanto, não podem ser julgados  

 Lado externo da prisão americana na Baía de Guantánamo, em Cuba Reuters/VEJA 

Em agosto, o governo de Joe Biden libertou um marroquino que estava detido na Baía de Guantánamo por quase 20 anos, mesmo nunca tendo sido acusado de nenhum crime. Abdul Latif Nasser chegou à prisão de segurança máxima, em Cuba, em 2002, acusado pelos Estados Unidos de ter ligações com o Talibã, mesmo sem nenhuma prova. Em 2016, os americanos permitiram sua libertação, que viria a ocorrer somente cinco anos depois. 

De acordo com o The New York Times, dos 39 presos que são mantidos na prisão, 27 são como Nasser, ou seja, foram detidos pela lei de guerra sem acusação ou julgamento. Chamados de prisioneiros eternos, esses indivíduos não foram acusados e nunca devem ser julgados, porém o governo os considera perigosos demais para serem soltos. 

Segundo Kevin Powers, advogado que trabalhou como consultor jurídico em alguns casos na Baía de Guantánamo entre 2011 e 2013, esses prisioneiros não seguiram as regras de combate sob o regime de guerra internacional, portanto eles não têm os direitos que um prisioneiro de guerra deveria ter.  Desse modo, os Estados Unidos podem mantê-los detidos sem apresentar qualquer acusação  até o fim das hostilidades, uma vez que o país ainda se considera em guerra com a Al-Qaeda. 

Desde 2013, um grupo de seis agências governamentais americanas revisam ocasionalmente os casos desses detidos. Semelhante a um conselho de liberdade condicional, o comitê já permitiu a liberação de 10 detentos dos 27 que não foram acusados desde que Biden chegou ao poder. No entanto, as suas liberações seguem atrasadas. Após a libertação, o detido é enviado para algum país que concorde em mantê-lo sob algumas normas de segurança exigidas pelos Estados Unidos. Esse processo envolve, na maioria das vezes, um acordo diplomático entre os governos, o que alonga ainda mais a tramitação. 

No entanto, o Secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse ao Congresso em junho que o governo Biden planeja designar alguém para trabalhar em tempo integral na organização das transferências e do fechamento de Guantánamo. Além dos 27 prisioneiros eternos, os outros 12 restantes na prisão foram, de fato, acusados de crimes de guerra e aguardam julgamento há anos. Especialistas afirmam que essa situação é mais complexa do que aqueles que não foram processados por crime algum. 

O principal motivo para a demora é o fato desses prisioneiros não estarem sendo julgados em um tribunal federal americano. Ao invés disso, são julgados por uma comissão militar sob um sistema legal estabelecido e administrado pelos militares, de acordo com a Lei e Comissões Militares de 2009. Isolada em uma costa rochosa a vários quilômetros da principal base naval de Guantánamo, a instalação ganhou notoriedade como resultado da operação da CIA para capturar membros suspeitos da Al-Qaeda e transferi-los secretamente para seus centros de detenção clandestinos espalhados ao redor do mundo.

Ao longo dos anos, a prisão se tornou um enorme problema para o governo dos Estados Unidos, que foi acusado de abusar dos direitos humanos. O ex-presidente Barack Obama chegou a ordenar o fechamento de Guantánamo dentro de um ano em 2009, porém a medida foi bloqueada por parlamentares republicanos. Mesmo sem obter sucesso no fechamento, Obama conseguiu a liberação da maioria dos detentos durante seus anos de governo, diminuindo o número de prisioneiros de 240 para 41. Durante o governo de Donald Trump, as libertações foram congeladas e o ex-presidente ameaçou encher mais celas com membros do Estado Islâmico.

Joe Biden já se mostrou a favor de fechar definitivamente o complexo prisional, porém analistas acham pouco provável que o atual chefe de estado siga o mesmo caminho de Obama, uma vez que o fracasso pode ser o mesmo. No entanto, Biden tem pressionado pela libertação silenciosa daqueles que não serão julgados. 

Mundo - Revista VEJA


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Assassinato cirúrgico pode? Blog Mundialista

Vilma Gryzinski

O contexto faz uma tremenda diferença

Quem tem o direito de mandar matar um inimigo em outro país em nome da segurança nacional? Em princípio, se as regras da ONU fossem seguidas ao pé da letra, ninguém. O artigo 51 da Carta da ONU foi traçado na época das guerras convencionais e permite apenas atos de autodefesa até que o Conselho de Segurança se reúna e intervenha em caso de conflito entre duas nações. Nada de assassinatos cirúrgicos, uma tática que se tornou padrão na guerra assimétrica contra organizações terroristas como a Al Qaeda e o Estado Islâmico.
 
É também um recurso usado sistematicamente, embora de maneira contida, em termos relativos, por Israel, em geral contra líderes do Hamas e do Hezbollah. O assunto voltou espetacularmente à cena com o assassinato do cientista-chefe que tocou o projeto nuclear secreto do Irã, Mohsen Fakhrizadeh. Ele foi emboscado numa estrada por dois utilitários cheios de comandos especiais que neutralizaram os seguranças e chegaram a tirar o físico nuclear de seu carro para ter certeza, via rajada de balas, de que a missão estava cumprida — a versão de que foi tudo feito por veículos e armamentos manejados remotamente é muito fantasiosa até para os padrões do Mossad.
[assassinatos seletivos, ou cirúrgicos, são praticados com frequência  por Israel  - intensificados sob Benjamin Netanyahu. O atual primeiro-ministro de Israel se sente inteiramente à vontade, até quando decide utilizar sua poderosa Força Aérea para assassinar civis palestinos,  desarmados,  na Faixa de Gaza.] 

Qual a diferença entre a morte de Fakhrizadeh e os atentados praticados por agentes do regime iraniano? Tecnicamente, nenhuma. Mas entra aí o contexto — e faz uma tremenda diferença. O Irã representa uma ameaça existencial a Israel de uma forma que não tem a contrapartida oposta. Israel não ameaça varrer o Irã do mapa e nem provê dinheiro, armas e ideologia a organizações poderosas como o Hezbollah, hoje a força político-militar dominante no Líbano, cuja própria razão de ser é a destruição de Israel.

O Oriente Médio não é um ambiente que dê espaço a ingênuos, e Israel sabe muito bem que a eliminação de Fakhrizadeh, já aposentado, não muda em nada o programa nuclear iraniano, sempre a uma curta distância de transitar para a bomba atômica. A tática foi usada na última década, combinando assassinatos cirúrgicos contra cientistas nucleares e ataques cibernéticos com o vírus Stuxnet, conseguindo no máximo atrasar o projeto. Talvez o aspecto mais relevante do assassinato do físico iraniano tenha sido o timing: na transição do governo de Donald Trump para o de Joe Biden, com a certeza de que o novo presidente será muito mais condescendente com o Irã e menos flexível com Israel. 

Estaria Benjamin Netanyahu  tentando criar um fato consumado, uma reação armada iraniana que explodisse no colo de Biden antes mesmo de sua posse? Os iranianos não seriam bobos de cair nesse tipo de armadilha. Todos os envolvidos entendem que haverá retaliação, mas não aleatória ou irracional. Aliás, no acerto de contas do Irã, ocupa o primeiríssimo lugar o poderoso general Qassem Soleimani, explodido num bombardeio cirúrgico feito por drones americanos no aeroporto de Bagdá. A eliminação de Soleimani, que tinha o sangue de americanos nas mãos, não provocou o tipo de conflito generalizado sobre o qual se voltou a falar agora, mas com certeza será vingada. O direito de matar, legítima ou ilegitimamente, sempre vem com a etiqueta de preço.

Publicado em VEJA,  edição nº 2716, de 9 de dezembro de 2020

Blog Mundialista - Vilma Gryzinsky - VEJA

 

domingo, 12 de janeiro de 2020

Execução de Soleimani já custou 236 cadáveres - Blog do Josias



Há cadáveres demais no noticiário. Concebido para matar um personagem, o ataque ordenado por Donald Trump contra o general iraniano Qassim Suleimani, resultou numa afronta a qualquer noção mínima de custo—benefício. No bombardeio ao comboio de Soleimani, em território iraquiano, morreram outras quatro pessoas. No cortejo fúnebre do general, em solo iraniano, feneceram por asfixia ou pisoteamento mais 56 pessoas. No avião civil ucraniano abatido por militares do Irã "por engano", carbonizaram-se 167 passageiros e nove tripulantes. Ao admitir por pressão o erro que omitia por opção, o governo dos aiatolásreacendeu as ruas de Teerã.
 
Tudo somado, desceram à cova, além de Soleimani, 236 pessoas. Não há vestígio de caixão com a bandeira americana em cima. Suleimani tinha sangue nas mãos. Comandava a unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã. Idealizava ações terroristas, terceirizando-as. Trump alega que o general tramava atacar embaixadas americanas. Ninguém é contra a ação antiterror, sobretudo depois que a turma de Osama Bin Laden enfiou um par de jatos nas torres gêmeas de Nova York. Mas Trump já asfixiava o Irã com sucesso. Fazia isso por meio de embargos que deixaram a economia do país em frangalhos.

Ah, que saudade da Guerra Fria! Naquela época, o mundo sabia que podia morrer a qualquer momento. Se acontecesse o pior, mísseis americanos cruzariam com mísseis soviéticos. E as duas potências se aniquilariam mutuamente, eliminando o resto do mundo por contaminação radioativa. Foram para o beleléu a União Soviética e a Guerra Fria. Houve grande alívio. Mas sobreveio o fantasma do terror, que também está associado ao flagelo atômico. A crise agora inclui um ingrediente perturbador: a falta de nitidez. Muitos tentam reduzir a coisa a um mero choque de civilizações. Algo como Islã versus Grande Satã. Tentativa vã de recriar a fórmula simplificadora da Guerra Fria —dessa vez com uma potência só. 

Impossível simplificar os interesses assentados no Oriente Médio. Nem só de petróleo é feita a encrenca. Não se enxerga, por exemplo, uma fronteira capaz 
de delimitar os direitos de Israel e os anseios da Palestina. 
Como satanizar o regime arbitrário dos aiatolás e conviver harmoniosamente com a autocracia saudita? 
Como defender a própria soberania e transformar o Iraque em Casa da Mãe Joana? 
Como combater o Estado Islâmico e ameaçar destruir o patrimônio cultural persa? Mesmo sem a formalidade de uma declaração de guerra, a tensão continua no ar. Além do excesso de cadáveres, há muita ambiguidade. Ninguém está livre dos efeitos colaterais do conflito. Hoje, atira-se um míssil contra um avião civil. Amanhã ...

Josias de Souza, jornalista - Blog do Josias - UOL