“Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, o país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítima de Brumadinho, na esperança de eventuais sobreviventes”
Foi bem-sucedida cirurgia à qual foi submetido ontem o presidente Jair
Bolsonaro, para retirar a bolsa de colostomia e religar o trânsito
intestinal. Segundo a Presidência, “o presidente possuía em razão das
outras duas cirurgias uma quantidade muito grande de aderências. E essas
aderências exigiram do corpo médico uma verdadeira obra de arte em
relação à cirurgia”. A operação durou oito horas, mais do que o dobro do
previsto. Foi mais complexa do que se imaginava.
Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, a vida segue seu perigoso
curso, como diria o jagunço Riobaldo, personagem de Grande Sertão:
Veredas, de Guimarães Rosa. O país acompanha comovido o trabalho de
resgate dos corpos das vítimas, na esperança de eventuais sobreviventes,
do rompimento da represa de rejeitos de minérios de Brumadinho, na
Grande Belo Horizonte. Essa é a nossa maior tragédia humana do gênero,
que já contabiliza mais de 60 mortos e quase três centenas de pessoas
desaparecidas. Foi muito mais grave do que a de Mariana, ocorrida há
três anos e dois meses, cujo impacto ambiental no Rio Doce foi maior do
que o atual, que transformou num rio de lama de minério o Córrego do
Feijão, afluente do Rio Paraopeba, que deságua no São Francisco.
Equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil do governo de
Minas foram reforçadas por tropa especializada de militares
israelenses, enquanto efetivos e equipamentos do Exército, disponíveis
em Juiz de Fora e Belo Horizonte, não foram mobilizados ainda,
aparentemente por entraves burocráticos. É muita tolice criticar a
presença dos israelenses, que têm equipes treinadas para resgates em
escombros. Embora nunca tenham passado por uma situação igual no seu
país, os especialistas israelenses também se destacaram no México,
socorrendo vítimas de terremotos. [os israelenses algumas vezes se destacam em salvar pessoas de destroços causados por eles mesmo, quando bombardeiam civis desarmados e depois, em alguns casos, vão socorrer os soterrados por prédios que foram derrubados pelo exército te Israel.]
Há muito mais do que marketing político na operação. Israel quer
estreitar relações com o Brasil e vender sua alta tecnologia. Há
empresas brasileiras que também desejam fazer isso, mas foram
desconsideradas pela Vale, que optou por economizar naquilo que não
deveria, principalmente depois da tragédia de Mariana. Como se sabe,
metade da Samarco, empresa responsável pela tragédia de Mariana, é da
Vale que, por sua vez, também não assume a responsabilidade pelo que
aconteceu em Brumadinho. Não devemos demonizar a mineração, mas isso não
significa passar a mão na cabeça da diretoria da Vale, cujo presidente,
se fosse japonês, já teria feito harariqui.[existe uma única solução: reestatizar a Vale.]
Meio ambiente
O governo federal também está sendo obrigado a rever suas posições em
relação à questão das licenças e fiscalização ambientais, como fez com o
Acordo de Paris. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz
malabarismos conceituais para explicar a mudança de posição em relação
aos controles dos órgãos ambientais. A demonização do Ibama e o ICMBio,
discurso fácil até agora, está diante do outro lado da moeda das
licenças ambientais. A diferença é que em outras áreas, que o ministro
chama de baixo risco, populações ribeirinhas e indígenas são afetadas
sem a mesma letalidade, como no caso de Belo Monte. Mas o drama humano
também existe, com o desenraizamento, a favelização, o banditismo e a
prostituição.
“Viver é muito perigo, seu moço!”A frase antológica do jagunço mineiro é
verdadeira. Vale para as tragédias e para a política. Em menos de 30
dias, o novo governo do país está de cara com essa realidade.
Rapidamente está descobrindo que boa parte dos problemas que enfrenta
não decorre de ideologias, mas da realidade objetiva e das contingências
do nosso desenvolvimento. Por isso, são muito importantes os projetos e
estratégias; há problemas que não se resolvem na canetada, mas no
esforço continuado e na mobilização permanente do Estado, dos agentes
econômicos e da sociedade. Isso não se consegue com bravatas e frases de
efeito, requer a construção de amplos consensos e a participação dos
demais atores políticos.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, CB