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domingo, 4 de outubro de 2020

Teto? Que teto? - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Sem Guedes, tem de compensar a fuga ‘de cima’ comprando a turma ‘de baixo’. E o teto?

O que está em jogo no isolamento do ministro da Economia não é apenas a queda ou não de Paulo Guedes, um nome a mais ou a menos. A questão central, que preocupa e assusta, é a sobrevivência do último pilar da campanha do presidente Jair Bolsonaro: liberalismo e pragmatismo na economia. Ou seja: o que balança não é Guedes, é a política econômica. Do Bolsonaro de 2018, pouco sobra. [a honestidade de princípios torna imperativo lembrar que todos os projetos do Bolsonaro 2018 - da mesma forma que de todos os líderes mundiais - não contavam com uma pandemia em 2020. Ou tudo deve permanecer engessado? Nada fazer significa, considerando o mínimo, deixar milhões de desassistidos morrer à míngua = ótima publicidade a ser usada pelos inimigos do Brasil em 2022
Qual o sabor, o valor nutritivo de um prato de liberalismo?]. A promessa de combate à corrupção amarelou com a investida nos órgãos de investigação e apagou com a queda de Sérgio Moro. O embate contra a “velha política” foi-se com o abandono do PSL e das novas bancadas do Congresso, trocados na cara dura pelo Centrão e seus ícones.

[Sem Guedes as coisas vão melhorar - haverá um rumo, o país terá uma política econômica que tem a obsessão do ainda ministro,  pelo retorno da CPMF, como 'norte']

O que sobra? Sobra o compromisso com liberalismo, reformas, privatizações e desburocratização, que vai perdendo credibilidade com um Paulo Guedes claudicante, sem resultados e com os nervos à flor da pele. A sensação em Brasília e no mundo dos negócios é que, apesar do blábláblá, estourar o teto de gastos é questão de tempo. É isso, inclusive, que o fura-teto Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional e inimigo frontal de Guedes, já diz abertamente. Depois nega, mas obriga Guedes, com ar cansado, a lembrar: “Furar o teto para fazer política e ganhar a eleição é irresponsável com as futuras gerações, é mergulhar o Brasil no passado triste de inflação alta”. [pergunte a um faminto o que prefere: um prato de refeição por dia com inflação alta ou um copo com água por dia, e nada mais, com uma inflação suíça?

Um pouco do plano Marshall e um crescimento próximo ao chinês é bem melhor do que a estagflação = que infelizmente virá, socorrendo aos necessitados ou não. Se questiona demais ajudar os necessitados, os desassistidos, mas o silêncio é total quando se usa recursos públicos para financiar os estados e municípios, em sua maioria, com raríssimas exceções, vítimas da incúria e incompetência de governadores e prefeitos que tem os entes federativos que administram protegidos, pelo Governo federal, dos males econômicos advindos da pandemia. ]

A guerra pública de Guedes é, num dia, contra o deputado Rodrigo Maia e, no outro, com Rogério Marinho, mas Guedes sabe quem é o adversário real e o recado teve um alvo certo quando ele falou em furar o teto para “ganhar eleição”. Esse alvo se chama Jair Messias Bolsonaro, seu chefe. [o que em qualquer país do mundo, incluindo Inglaterra, Estados Unidos,  justificaria a demissão sumária do subalterno.]

O presidente está em campanha, exige um Bolsa Família para chamar de seu, insufla os fura-teto, fecha os olhos para os ataques de Marinho e dá ouvidos aos militares do Planalto que, de economia, entendem zero. Logo, o risco para Guedes e a política econômica liberal que elegeu Bolsonaro é o próprio Bolsonaro, que se aproveita de um dado da realidade: Guedes fala muito, mas entrega pouco e foi pego de jeito pela pandemia e a cambalhota na prioridade fiscal. Da campanha de 2018, sobram ainda a política externa centrada em Donald Trump, de futuro incerto; a pauta conservadora, que fez Bolsonaro refém de igrejas evangélicas multimilionárias; a visão destruidora do ambiente, que joga o mundo contra o Brasil; e a obsessão pelas armas, que derruba textos, portarias e decisões do Exército, deixando no ar a suspeita de estímulo a milícias.

Soa só ridículo, mas é perigoso, que setores evangélicos cobrem privilégios na Receita, interfiram em nomeações do governo e exijam que o futuro ministro do Supremo Kassio Marques faça uma profissão de fé no “conservadorismo”. E o que dizer do Meio Ambiente, onde as queimadas destroem e a boiada passa? Incêndios criminosos na Amazônia e Pantanal, cipoal jurídico contra a preservação de manguezais e restingas, desidratação de Ibama e ICMBio e a versão da “ganância internacional”.

Só falta recriar o MEC, já que, em quase dois anos de governo, educação e cultura andam juntos, sem rumo, prioridade e respeito. [MEC - Ministério da Educação e Cultura, denominação e sigla não são essenciais, mas no tempo em que o MEC     cuidava da Educação, que era tratada como prioridade, e a cultura ficava em um dos seus apêndices, assim como outros assuntos menores que não merecem atenção própria, a Educação era melhor no Brasil. 

Professores davam aulas e os alunos aprendiam. E a UNE - serve para que mesmo? - não se limitava a ganhar milhões emitindo carteirinhas - a MP que acabava com a mamata foi desprezada pelo Congresso.

A cultura, em minúsculas por merecimento, piora a cada dia. No passado, mesmo no advento da 'nova república' era bem melhor.

As manifestações culturais de agora se destacam por atentar contra a família, a moral, os bons costumes, à vida, os valores cristãos, nada produzindo que resulte em espetáculos, produções que de destaquem pelo que contém e transmitem. 

Um grupo que em tempos passados teria sido alijado, escarrado, execrado  pela própria sociedade, produziu uma blasfêmia no Natal passado e foi festejado].O foco do ministro Milton Ribeiro é (contra) a educação sexual, os gays e os “jovens sem fé”. Na Cultura, depois do vídeo nazista, [?]  agora a transferência da Fundação Palmares para o ex-almoxarifado da EBC, caindo aos pedaços. Logo, Bolsonaro deveria reafirmar, não só de boca para fora, seu compromisso com o liberalismo – que é o que lhe sobra. Bolsonarista raiz joga Guedes fora com a mesma ligeireza que jogou Moro, mas bolsonarista nos mercados, empresas, fundos investimentos e opinião pública pode atingir seu limite. Para compensar a fuga “de cima”, só comprando a turma “de baixo”. Teto? Que teto?

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Um espanto! - O Estado de S.Paulo

Eliane Cantanhêde

Negros contra negros, índios contra índios, aparelhamento da cultura, Funai e Ambiente

Um negro que nega o racismo, uma índia contrária aos movimentos indígenas, um diretor da Funai aliado aos ruralistas, a estrutura de Meio Ambiente descolada do Meio Ambiente, um secretário de Cultura que xinga Fernanda Montenegro, uma secretária de Audiovisual distante do cinema e da televisão. Sem falar em ministros.[a regra é simples, diria o ex-juiz de de futebol e vamos a ela:
- o presidente da República, JAIR BOLSONARO, no de suas atribuições constitucionais, nomeia um ministro. Por óbvio, ele procura saber o pensamento do nomeado, para concretizar o ato;
- o nomeado, tem todo o direito de recusar, mas, ao aceitar tem o DEVER de trabalhar de modo afinado com o governo que integra e que é regido pelo presidente Bolsonaro.
O ministro que não concordar, pede para sair - e os que querem um ministro ao seu gosto, esperem as próximas eleições e se candidatem ao cargo de presidente da República.]

O que que é isso, minha gente? O presidente Jair Bolsonaro vive criticando os antecessores pelo “excesso de ideologia” e rejeita indicações de políticos eleitos tão democraticamente quanto ele próprio, mas não faz outra coisa senão nomear pessoas que simplesmente se classificam “de direita”, mesmo que não tenham nada a ver com os cargos. Boa governança? O que dizer de Sérgio Camargo, que foi nomeado para a Fundação Palmares, apesar de negar o racismo, atacar a “negrada militante” e reduzir a injustiça e as humilhações contra os negros a um “racismo nutella?” Até o próprio irmão desse senhor, o músico e produtor cultural Oswaldo Camargo Júnior, abriu um abaixo-assinado contra a nomeação. Para Oswaldo, Sérgio é um “capitão do mato”. Um capitão do mato na Fundação Palmares...

Assim como pinçou um negro para desqualificar os movimentos negros, Bolsonaro levou para a abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, a youtuber índia Ysani Kalapalo, que vive entre São Paulo e sua aldeia no Xingu (MT). Isso tem nome: “Lugar de fala”. Brancos não podem atacar os movimentos, mas um negro contra negros e uma índia contra índios faz toda a diferença. [os movimentos que condenam o presidente Bolsonaro levar para Assembleia-Geral da ONU, são, certamente, os mesmo que apoiam Raoni - que vive mais fora do Brasil, da aldeia da qual diz ser cacique - para o Nobel da Paz.]


Tratada como troféu, a jovem se diz “80% de direita”, considera as queimadas “um acidente” e ataca os líderes como “índios esquerdistas que fazem baderna em Brasília”. Exultante, Bolsonaro decretou o fim do “monopólio do sr. Raoni”. Referia-se a um ícone, indicado para o Prêmio Nobel da Paz. Famoso por chamar Fernanda Montenegro de “sórdida e mentirosa”, o diretor de teatro Roberto Alvim foi nomeado secretário de Cultura e não apenas define a política cultural como nomeia direitistas por serem direitistas. Exemplo: Katiane Gouveia, da Cúpula Conservadora das Américas, manda na estratégica área de audiovisual.

No prestigiado ICMBio, o PM Homero de Giorge Cerqueira. Na resistente Funai, o delegado da PF Marcelo Augusto Xavier, com apoio da bancada ruralista – amiga de Bolsonaro, inimiga das comunidades indígenas. Ele substituiu o general Franklimberg Freitas, que é indígena. O embaixador júnior Ernesto Araújo virou chanceler depois de sabatinado pelo filho do presidente e jurar que é a favor de Deus, da família e de Trump e contra o “globalismo” e a China (que, segundo ele, quer destruir os valores cristãos do Ocidente).

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi escolhido por conhecer pouco o setor, não saber nada de Amazônia e se comprometer a entupir o ministério de militares da reserva, escanteando ambientalistas atuando há décadas em mares, rios, florestas e reservas. Ruralistas e parte do empresariado estão felizes. Não se pode dizer o mesmo de especialistas e da comunidade internacional. Damares Alves deu um salto de uma obscura assessoria do Congresso para um ministério que reúne Direitos Humanos, família, mulher e sei lá mais o quê. Assim, roda o mundo com visões muito peculiares, não raro estranhas, sobre família, gênero, educação infantil. Todos eles têm a mesma credencial poderosa: são “de direita”.

Na era Lula e PT, “nós contra eles”, “cumpanheirismo”, ideologia e aparelhamento do Estado, que deu no que deu: desmandos, incompetência, corrupção. Saiu o aparelhamento de esquerda, entrou o de direita. A esquerda pela esquerda, a direita pela direita. Pobre Brasil. 

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo


domingo, 22 de setembro de 2019

Aras não poderá mandar em procuradores - Míriam Leitão



 O Globo

Aras: o fazedor de promessas

Uma ideia está irritando os procuradores que trabalham na área ambiental e de defesa dos indígenas. É a de que a escolha do novo procurador-geral da República, comprometido com pautas governistas, e a nomeação de colegas mais velhos para os postos de administração vão “destravar a economia”. Quem conta é um procurador com experiência. “A PGR não pode impedir um procurador do Amazonas de propor uma ação ambiental contra uma usina que ameace uma comunidade, ou uma estrada em Goiás que destrua o meio ambiente.”

Mesmo assim há riscos grandes, e um enorme poder na mão do novo PGR. O procurador Augusto Aras continuou na última semana sua peregrinação pelos gabinetes dos senadores, com a mesma estratégia de entregar a cada ouvido o que ele gostaria de ouvir. Vários políticos apreciaram saber, por exemplo, que Aras quer rever todos os atos de Raquel Dodge. O presidente Jair Bolsonaro fez a escolha diante da convicção de que terá nele um aliado na luta contra os defensores do meio ambiente. [talvez por não ser um 'xiita' ambiental, o novo procurador-geral vai evitar os exageros dos ambientalistas.
A primeira coisa que todos os brasileiros precisam ter presente é que todo ano ocorrem queimadas na  Amazônia, sem esse escândalo que o francês começou.
pergunta oportuna: quais os critérios usados para determinar o tamanho de uma 'terra' indígena?
No Blog da Míriam de ontem, ela citou uma terra que tem 'apenas' 412.000 hectares = 412 mil campos de futebol, e duas vezes e meia o tamanho da capital do estado de São Paulo.]

O governo Bolsonaro tem tentado enfraquecer os órgãos de fiscalização e controle do meio ambiente e dos indígenas. Com algum sucesso. A Funai, o Ibama e o ICMBio têm vivido em constante estado de tensão. Não têm recursos para as suas ações de fiscalização nem apoio.  Uma equipe da Funai fez em agosto uma ação de fiscalização na Terra Indígena Arariboia que deveria durar 30 dias. [essa 'terrinha' é a que conforme a jornalista Míriam Leitão, em seu Blog de ontem, tem 412.000 hectares.]  Os servidores foram levados pelos índios nas áreas onde havia invasão. Tiveram enorme dificuldade de locomoção, pela fragilidade da viatura. Foram a duas regiões onde encontraram e apreenderam um caminhão, um trator e 200 toras de madeira. Os cinco madeireiros foram embora. A Funai encerrou a operação em apenas quatro dias. Os madeireiros voltaram, pegaram as 200 toras e ameaçaram os indígenas que haviam levado os funcionários da Funai.

Há funcionários que nada falam no celular com medo de seu aparelho estar grampeado. O órgão foi especialmente visado. No começo do governo, ele foi dividido e tirado do Ministério da Justiça. O Congresso e o Supremo é que corrigiram essa tentativa de desmonte do órgão. A crise fiscal faz o resto. Como falta dinheiro no caixa, corta-se verba das áreas que o governo não gostaria que existissem.

O ataque aos órgãos do Ministério do Meio Ambiente é intenso, diário. O resultado tem sido esse aumento do desmatamento. Nas terras indígenas e nas áreas de conservação sente-se diariamente o resultado do estímulo do governo Bolsonaro ao desmatamento. Houve até a mudança de padrão de comportamento dos madeireiros. Normalmente, na época da chuva, eles entravam e marcavam as árvores. Na seca, eles voltavam com tratores e caminhões, derrubavam as árvores, levavam, e de vez em quando, incendiavam o resto. Desta vez, em plena época das chuvas, de janeiro a abril, já foi intensa a entrada com tratores e caminhões em áreas protegidas para derrubar as árvores. Atividade que ficou maior quando o período de seca começou.

Depois de neutralizar em parte os órgãos do executivo, restava o ataque ao Ministério Público. Por isso, a nomeação de Augusto Aras veio com essa recomendação antiambiental. E usando um argumento econômico que parece fazer sentido: a necessidade de destravar a economia. Há muito que o governo pode fazer para destravar a economia, como ter uma gestão eficiente e bons projetos. No MP, não é a hierarquia que decide. Aras não poderá proibir um procurador de entrar com uma ação contra uma obra que esteja destruindo o meio ambiente ou ameaçando uma terra indígena.
Normalmente, nesses casos, as Câmaras de Coordenação exercem o papel de resolver o problema com base no diálogo e no convencimento, por meio de colegas subprocuradores ou regionais que são tidos como referências para a classe nessa matéria. A liderança e a coordenação não são feitas em função da hierarquia, mas do consenso — disse um veterano procurador.

Aras poderá fazer grandes favores ao governo no campo penal, perante o STF. Mas não manda nos procuradores. Ele assinou carta dos juristas evangélicos contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, a favor da Escola sem Partido e contra o aborto. Aos petistas ele criticou os excessos da Operação Lava-Jato. Aos integrantes da operação disse que é preciso levá-la para todo o Brasil. A Bolsonaro, prometeu impedir ações que não poderá evitar.  Augusto Aras poderá fazer grandes favores ao governo no campo penal, perante o STF. Mas não terá o poder de mandar nos procuradores.

Blog da Míriam Leitão - com Alvaro Gribel, São Paulo - O Globo

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Papai Noel existe - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Em vez de brigar com os dados e só ouvir os áulicos, Bolsonaro devia ouvir mais Terezas Cristinas

Quando os jornalistas perguntaram ontem ao presidente Jair Bolsonaro sobre a preocupante erosão de sua popularidade, com aumento bem fora da curva dos índices de rejeição, ele voltou-se para um deles e desdenhou, com seu jeitão “simples e transparente”: “Você acredita em Papai Noel?”. Não, presidente, acreditamos nas pesquisas de opinião, como no IBGE, Inpe, Ibama, Fiocruz, ICMBio, Ancine, na ciência, nas universidades, na educação que vai além do ensino, na diplomacia dos bons modos, nos direitos humanos e, claro, na defesa do meio ambiente.

[qual o valor de pesquisas faltando mais de três anos para as próximas eleições presidenciais? 

um ponto digno de ser evitado, desde agora,  pelo nosso presidente Jair Bolsonaro é insistir em medidas desagradáveis para os eleitores, entre elas a TENTATIVA da volta da CPMF - se voltar Bolsonaro perde as eleições de 2022 - o fim de deduções no IR e outras 'bondades'.

A demissão sumária do Marcos Cintra seria uma forma do presidente mostrar - fazendo, não dizendo - quem manda no governo.]

Todos os presidentes, em diferentes épocas, reagem mal a dados negativos sobre seu governo e sua popularidade e preferem se trancar nos palácios, ouvir os áulicos cheios de elogios ou circular em ambientes francamente favoráveis – como os militares e evangélicos, no caso de Bolsonaro. É uma fuga da realidade. Quem mais perde é o próprio presidente, além do seu governo. Melhor do que filhos, generais, assessores e a legião de “amigos” que frequentam palácios e melhor do que multidões selecionadas, seria o presidente chamar políticos experientes e de bom senso, com coragem e independência, para lhe dizer as verdades que ele não gosta de ouvir e os outros não admitem falar.

Um exemplo é a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Na crise doméstica e internacional das queimadas, ela jogou um balde de serenidade para apagar as labaredas reais e de comunicação. Enquanto outros atiçavam o fogo e as guerras do presidente, ela lembrou os danos que isso causaria à imagem e aos produtos brasileiros e sugeriu: em vez de botar mais lenha na fogueira, por que não apresentar soluções práticas e agir? Bolsonaro mudou de tom, convocou um gabinete de crise, chamou as Forças Armadas e o governo passou a anunciar providências. Lucraram todos, principalmente ele e a própria Amazônia. E a guerra particular contra Macron? Bem, é outra história, que foge à alçada de Tereza Cristina. Ela não pode tudo.

É preciso que mais Terezas Cristinas se aproximem do presidente, fazendo um contraponto aos que só dizem amém e debatendo os dados do Datafolha com seriedade e vontade de captar os recados, aprender e corrigir. Pela pesquisa, a rejeição a Bolsonaro disparou para 38%, um recorde absoluto para presidentes nessa fase de mandato. Pela primeira vez, a rejeição (ruim e péssimo) ultrapassou o regular e a aprovação (bom e ótimo), quebrando o equilíbrio anterior entre os três. Mas o mais importante é que essas conclusões não surpreenderam os analistas. Logo, não deveriam surpreender o Planalto e muito menos serem rechaçadas pelo presidente.

É só enumerar os absurdos que Bolsonaro diz, como a história do cocô, ou faz, como indicar o próprio filho, o “garoto”, para a principal embaixada do planeta. E o “herói” Brilhante Ustra? E remoer a dor do presidente da OAB diante da tortura e “desaparecimento” do pai? E as picuinhas contra a imprensa? E a manipulação, até emocional, de Sérgio Moro? E o ex-Coaf, a Receita, a PF? A cada uma delas, é natural que as pessoas se espantem e que a popularidade caia. Só o presidente e seu entorno poderiam achar que esse conjunto não afetaria sua popularidade.

Bolsonaro não admite que está errando. Ao contrário, dá de ombros, diz que ele “é assim mesmo” e tenta capitalizar a imagem de “transparência” e “simplicidade”. Como se vê, não está funcionando, mas o presidente, em vez de frear, mete o pé no acelerador, sob aplausos de quem parece que está ajudando, mas só está pensando no seu carguinho e em se manter nas graças do presidente. Assim como Bolsonaro muitas vezes não ajuda e só atrapalha seu governo, essa posição cômoda de muitos do governo não ajuda Bolsonaro, só piora as coisas.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
 
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Extinção do Coaf e outras intervenções - Miriam Leitão

Coluna em O Globo

É melhor entender as coisas como elas são. O governo extinguiu o Coaf. Não foi uma mera transferência de área. E o fez para que o ministro da Economia não tivesse o ônus de demitir Roberto Leonel. O presidente Bolsonaro está intervindo na Receita, e o “segundo” do órgão é na verdade o primeiro, porque o secretário Marcos Cintra cuida da reforma tributária. A demissão do chefe da Polícia Federal do Rio não foi por falta de produtividade. O que está acontecendo não é uma afirmação da autoridade, ou do estilo, do presidente, mas sim ingerência em órgãos técnicos por interesses políticos.

[é preciso ter presente que o Presidente da República é a máxima autoridade da República e tem o DIREITO de ser respeitado  - e os brasileiros (incluindo estrangeiros que estiverem solo brasileiro)  o DEVER de respeitá-lo;

críticas podem ser feitas, até devem ser apresentadas, mas em termos respeitosos, considerando a liturgia do cargo - especialmente quando o autor da crítica é funcionário público (art.327 do Código Penal define quem é funcionário público)e, mais ainda, exerce cargo de direção.

A hierarquia existe e a disciplina também e são exigidas ainda que  em cargos civis existe e deve ser respeitada - é até aceitável uma certa flexibilidade em comparação com a disciplina e hierarquia aplicável aos os militares .]


As decisões autoritárias seguem o mesmo padrão que ocorreu na área ambiental. O presidente faz uma crítica sem fundamento, depois demite alguém com o discurso “quem manda aqui sou eu”. Aí nomeia quem aceite o seu mandonismo. Foi assim com o Inpe. Acusou o órgão de mentir sem qualquer base. Quando houve — felizmente houve — a reação [indisciplinada e desrespeitosa, que foi devidamente punida]  do diretor Ricardo Galvão, ele nomeou um militar. Nos casos da Polícia Federal, Coaf e Receita há agravantes. O presidente agiu para defender a família. E é ele que diz. Acusou a Receita de fazer devassa em declarações de seus familiares. Pediu a cabeça de alguém como uma exibição de poder. Marcos Cintra entregou a do funcionário de carreira João Paulo Ramos Fachada que realmente dirigia o órgão. [devemos ter sempre presente que acusação idêntica  a que atinge o presidente Bolsonaro, foi efetuada por ministros do STF, que inclusive determinou a cessação da tal devassa - que caso estivesse havendo, pode e deve ser considerada normal, já que todos são iguais perante as leis.]

O Coaf entrou na alça de mira quando descobriu as movimentações atípicas nas contas do gabinete de Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual. O caso estava sob investigação, mas o advogado do agora senador entrou no Supremo questionando o compartilhamento de informações detalhadas do Coaf sem autorização judicial. Esse limite precisa mesmo ser definido pelo STF. Mas o presidente Dias Toffoli tirou o assunto de pauta, adiou, e depois decidiu monocraticamente. O efeito da decisão de Toffoli paralisou várias investigações. Foi isso que o ex-chefe do Coaf Roberto Leonel criticou. Mas foi ele criticar e sua cabeça rolar.

O Coaf tão elogiado no combate à corrupção foi extinto. A UIF é outro órgão. O presidente Bolsonaro disse que confia no presidente do Banco Central, Roberto Campos. Nada há que o desabone, e ele é um técnico competente. Tomara que resista às pressões que outros não têm resistido. A MP abre o novo órgão a pessoas de outras áreas. Que áreas? É bom lembrar que as pessoas terão acesso a informações que estão sob sigilo bancário.

O que há de comum entre Polícia Federal, Receita Federal, Coaf, Inpe, Inep, ICMBio, Ibama, Fiocruz, IBGE, BNDES, Ancine, Itamaraty? Todos eles tiveram algum tipo de interferência nos seus trabalhos regulares, sofreram intervenção ou foram atacados por críticas violentas aos seus índices, estudos e processos.

Quem ganha uma eleição não vira dono do país. A sociedade democrática é vibrante e reage. O presidente é eleito para governar e tem muito poder. Mas ele não pode atacar instituições de Estado. Pode nomear seus ministros, mas não faz sentido que atropele toda a cadeia de comando para ameaçar o delegado do Porto de Itaguaí. Pode fazer tudo para evitar um índice alto de desmatamento, estimulando políticas de proteção, mas não pode mandar fabricar um número favorável. Pode ser franco e dizer o que pensa, mas não pode desrespeitar as leis, estigmatizar pessoas, mentir sobre dados e fatos, fazer falsas acusações. Pode querer o melhor para os filhos, desde que não seja com os recursos e poderes públicos. O inaceitável é o nepotismo e a quebra do princípio da impessoalidade.

No dia 26 de agosto de 2003, escrevi uma coluna com o título “O Inca é alerta”. Criticava o loteamento de cargos no governo Lula. No BNDES, foram afastados 27 superintendentes e todos os que ele definia como tucanos. Na Petrobras, foram loteados até os conselhos de administração das empresas do grupo. O presidente da Funcef conheceu seus diretores na primeira reunião. Para o Instituto Nacional do Câncer (Inca) foi feita uma desastrada indicação política. Em seis meses, deixou de ser um centro de excelência para ser um hospital onde faltava tudo. Escrevi neste espaço uma crítica: “Num banco público, numa estatal, num órgão burocrático o mal pode não ter efeitos visíveis no curto prazo, mas o país inteiro está correndo riscos, e os equívocos cobrarão seu preço um dia”. Pois é.

Míriam Leitão, com Alvaro Gribel - Blog em O Globo



terça-feira, 20 de agosto de 2019

Um filé mignon e tanto - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Presidente tenta escolher PGR com os filhos e as redes sociais bolsonaristas. É temerário

[um detalhe ínfimo que não pode ser olvidado: o presidente indica o PGR e esta após indicado, sabatinado e aprovado pelo Senado, tem um mandato e durante este é indemissível.

A independência é total - só pode ser demitido pelo Supremo, após processo regular; fpo essa característica que permitiu ao 'enganot'  impedir, impunemente, Temer de governar.]

O presidente Jair Bolsonaro já disse que, se pudesse dar filé mignon ao filho, ele daria. E não é que ele está distribuindo os filés da República à filharada? O caçula entre os três mais velhos, todos políticos, manda no Itamaraty e quer ser embaixador em Washington, o do meio loteou a equipe de comunicação com amigos que vivem às turras com o resto do Planalto, o mais velho agora quer indicar o procurador-geral da República. E todos tentam controlar a PF, a Receita, o Coaf, o Moro. O governador Witzel que se cuide no Rio.

Só quem compete com Flávio, o “01”, Carlos, o “02”, e Eduardo, o “03”, é um ser difuso, sem nome, cara, alma e coração que responde pela alcunha de “redes sociais”. Trancado no closet do Alvorada, longe de ruídos e interferências, o presidente ouve os filhos e vai se alimentando pelo Twitter, Facebook, Instagram e, assim, tomando as decisões públicas.
O ministro Sérgio Moro costuma brincar que todo jornalista pergunta a mesma coisa: “E a Ilona Szabó?” Para quem não se lembra, essa foi a primeira derrota de Moro num governo em que deveria ser superministro (aliás, com toda justiça, sem trocadilho). Ele convidou Szabó para uma mera suplência de um mero conselho, os bolsonaristas de internet reclamaram e o presidente mandou desconvidar. E tem sido sempre assim, como se o estardalhaço das redes fosse igual à “voz das ruas”. Não é.
Segundo ministros que entram, como o general Luiz Eduardo Ramos, e que saem, como Gustavo Bebianno, Bolsonaro não é tutelado por ninguém. Em outras palavras, essas barbaridades todas que ele vem dizendo num ritmo de metralhadora são coisas de um tripé: ele próprio, os filhos e as redes bolsonaristas. Um tripé do barulho.


Imaginemos quem será o novo procurador-geral da República, um cargo-chave em qualquer época, qualquer governo, porque chefia o Ministério Público e exerce as funções do MP no Supremo, no STJ e no TSE. Logo, precisa de muito equilíbrio, inclusive emocional, para agir com altivez e independência diante dos Poderes, mas entendendo e respeitando o tabuleiro político. Corajoso, não incendiário – diante também do presidente que o escolhe. Não é essa a expectativa. Fernando Henrique teve um “engavetador-geral da República”, Lula nomeou petistas-sindicalistas do MP, Rodrigo Janot tinha obsessão em derrubar Michel Temer, Raquel Dodge apanha mais pelas virtudes do que pelos defeitos. E Bolsonaro procura alguém à imagem e semelhança dele próprio.

Está difícil e pode dar muita confusão. Aliás, já dá. A indicação atribuída a Flávio Bolsonaro, se verdadeira, é um escândalo. Seria de um sujeito com suspeitas de embolsar duas vezes a mesma verba, falsificar assinatura e daí por diante. Alguém assim incendiaria a PGR e o Ministério Público todo. A questão não é o procurador-geral ser da lista tríplice ou não, de direita ou não, bolsonarista ou não. Mas, por favor, que seja alguém que tenha, ao menos, reputação ilibada e conduta irretocável, além de óbvio saber jurídico. Tem muita gente boa de direita e conservadora que tem esses atributos. Será que só serve apadrinhado do “01”, do “02”, do “03” ou dos três juntos?

Todo cuidado é pouco, porque a escolha para a PGR coincide com o “strike” que os Bolsonaro tentam fazer, mirando no Coaf, na Receita Federal e na Polícia Federal e ampliando, assim, uma lista interminável de vítimas que inclui Inpe, Ancine, Ibama, ICMBio, Fiocruz, IBGE. Se o presidente não é tutelado, pelo menos deveria ouvir a voz da razão e dos que conhecem a importância da PGR, o que, definitivamente, não é o caso dos filhos nem das redes sociais. Esse não é um filé mignon qualquer. E pode custar um preço muito mais alto do que o próprio presidente imagina.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Merkel, Ibope, cocaína, prisões, empregos, ministros balançam


Show de besteiras? 

Ex-ministro foi generoso ao definir governo como 'show de besteiras'. Parece pior

Motivos não faltam para o presidente Jair Bolsonaro chegar ao Japão cansado, pela longa viagem, e irritado, pela enxurrada de confusões e o “show de besteiras” que envolvem seu governo, dia sim, outro também. Ele e sua comitiva tentam jogar a culpa na imprensa, mas será verdade?  De véspera, a chanceler Angela Merkel, uma das grandes líderes mundiais e presença forte no G-20, criticou a política do governo brasileiro para Meio Ambiente – que classificou de “dramática”. Bravo, Bolsonaro reagiu dizendo que a Alemanha tem muito a aprender com o Brasil e ele não aceita ser advertido.

Merkel – longe de ser petista e “esquerdopata”, frise-se não falou sozinha e não falou por falar. O mundo desenvolvido vê no governo Bolsonaro um retrocesso numa área que não é apenas fundamental para a sobrevivência do planeta como era também um dos grandes trunfos brasileiros em foros internacionais. Era, não é mais. Pró-Trump, antiglobalizante e visceralmente ideológico, o governo Bolsonaro vê esquerdistas ameaçadores por toda parte e age para desmontar ONGs, conselhos, reservas ambientais e terras indígenas, enquanto tenta reinventar o Ibama e o ICMBio. O primeiro efeito é o espanto dos governantes e das sociedades mundo afora. O segundo pode ser a retaliação comercial e nas relações bilaterais.

E o sargento da Aeronáutica que usou avião presidencial, com brasão da República, para traficar 39kg de cocaína para a Europa? “Uma falta de sorte”, resumiu o chefe do GSI, general Augusto Heleno. Claro que Bolsonaro não tem culpa, mas imagine se isso fosse em qualquer outro governo, no Brasil, Alemanha, EUA ou China? Um escândalo internacional. [pedindo vênia a ilustre articulista, perguntamos: e se um repórter ou qualquer outro funcionário do jornal 'O Estado de S. Paulo' for flagrado com uma mochila recheada com cocaína em sua mesa ou dentro de um veículo do jornal, o presidente do Estadão será responsabilizado, criticado pelo fato?

Por óbvio a pergunta vale para qualquer tipo de crime cometido por empregados de qualquer empresa.]

Bolsonaro no Japão, assessor e aliados do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, presos no Brasil por desvio de dinheiro do Fundo Eleitoral pelo PSL de Minas. Não se trata, portanto, de incompetência, discordância ou questão ideológica, como na demissão de outros ministros. Por que Bolsonaro insiste em mantê-lo no cargo?

Nesse quadro, a pesquisa CNI-Ibope confirmou que a popularidade do presidente não para de cair. A aprovação (ótimo e bom) e a rejeição (ruim e péssimo) já se igualam em 32%. Ruim, o resultado já era mais do que esperado. E a curva tende a se inverter, contra o presidente, já na próxima rodada. [Bolsonaro precisa começar a governar - ainda que de forma tímida, está dando inicio ao seu governo -  popularidade é algo que conta nos meses finais da campanha - no caso do nosso presidente, a partir de maio 2022.]

Um dos motivos foi outro “show de besteiras” estrelado pelo segundo ministro da Educação de Bolsonaro, Abraham Weintraub. A dancinha com um guarda-chuva contra o que considerava “fake news” foi só ridícula. O post de ontem foi muito além disso: “No passado, avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?” Uma grosseria tão abjeta, e logo do ministro da Educação. As críticas não desabaram da esquerda, mas também do centro, da direita.

E a economia? Bem, a única novidade boa partiu do ministro Paulo Guedes: R$ 100 bilhões em compulsórios para estimular o crédito. Enquanto isso, o Brasil criou só 32 mil novas vagas formais em maio, o pior resultado para o mês desde 2016. E a previsão de crescimento da economia continua caindo...

Pensando bem, o general e ex-ministro Santos Cruz foi elegante e generoso ao resumir todas essas coisas como apenas “show de besteiras”. A coisa é bem pior do que isso.

Dúvidas. 1) Por que 39kg e não 40kg de cocaína, um número redondo? Teve “comissão” para alguém fechar os olhos?

2) Esse volume indica que o sargento é só uma “mula qualificada”, (como diz o vice Mourão) e está a serviço de uma quadrilha poderosa. Quem investiga quadrilhas e tráfico de drogas é a FAB ou a PF? Por que evitar a entrada da PF? [em área sob administração militar a investigação compete à Força envolvida no episódio - excepcionalmente, a PF pode atuar subsidiariamente.] 


Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo

 

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Servidores encurralados

Há vários segmentos de servidores alertando que é necessário proteger as instituições nas quais trabalham


Há a ideia de que os funcionários públicos se mobilizam para a defesa dos seus interesses, contra reformas que tiram deles salários ou ganhos na aposentadoria. Eles fazem isso. Mas eles se mobilizam também e que bom que o fazem — em defesa das suas missões. Atualmente há vários segmentos de servidores alertando a imprensa, e especialistas em diversas áreas, que é necessário proteger, não os seus interesses, mas os das instituições nas quais trabalham. A Funai, a Finem, o IBGE, o BNDES, os auditores fiscais, o Ibama e o ICMbio. Em todos esses órgãos há constrangimentos, de maior ou menor grau, ao trabalho que devem executar. [é dificil, ou mesmo impossível, alguém defender o BNDES após o prejuízo milionário causado por aquele Banco ao emprestar dinheiro a Cubam Venezuela e ditaduras africanas.
Quanto a mudança, infelizmente postergada da Funai, se efetivada não traria nenhum prejuízo, visto não ser mais necessário a demarcação de terra para reservas indígenas - qualquer pesquisa mostrará que tem terra demais para pouco índio e que mesmo esse pouco não  cultiva adequadamente o que receberam graciosamente.
Os demais órgãos que seria modificados não sofreriam nenhum prejuízo.]


A MP 870, como foi enviada pelo governo ao Congresso, desmontava a estrutura da Finep e partia ao meio a Funai. A demarcação de terras indígenas ficava com ruralistas. A Comissão Especial criou outro problema: os auditores fiscais foram proibidos de comunicar crimes. Ontem à noite, o Congresso tentava corrigir algumas dessas mudanças.  O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou o Fundo Amazônia com óbvio interesse de gerir o dinheiro, e por isso fez uma acusação à administração do Fundo, sem apresentar qualquer fato consistente. O problema cresceu porque a direção do BNDES, antes ainda da entrevista do ministro, afastou a então gestora do Fundo Daniela Baccas. Isso provocou a reação forte dos servidores do banco que se aglomeraram no primeiro andar para mostrar sua discordância.

Na Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), a preocupação é com a transferência das atribuições do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para o Ministério da Ciência e Tecnologia, que esvazia a financiadora de projetos. O curioso é que a Finep responde ao ministério. Essa mudança desmonta o órgão, que tem essa competência desde 1971, e cria a obrigatoriedade de montagem de uma nova estrutura dentro do ministério. Não tem ganho algum, mexendo-se nessa estrutura, apenas cria confusão burocrática. O órgão já está sofrendo com cortes enormes no seu orçamento.

O BNDES vive uma situação inesperada desde o afastamento de Daniela Baccas do Fundo Amazônia, após o ministro Salles fazer uma crítica vaga sobre haver “fragilidades na governança”. Os que financiam o Fundo, os governos da Noruega e da Alemanha, avisaram que estão satisfeitos com a governança. O Fundo Amazônia tem tido enorme relevância no país, como ressaltou a nota da direção do BNDES. Fez coisas como permitir a implantação do Cadastro Ambiental Rural. Setenta por cento dos seus recursos vão para entidades públicas, de estados e municípios. O BNDES, na nota, disse que qualquer “comissão de averiguação interna” só será instituída se for formalmente notificada pelo MMA. O problema é que ao afastar Baccas o banco fortaleceu o ministro na sua tentativa de pressionar funcionários da instituição. Será um tiro no pé a manobra do ministro Salles de tentar pressionar para assumir o comando do Fundo. Os governos de onde sai o dinheiro podem simplesmente parar de financiar.

No caso do Ibama e do ICMbio o constrangimento imposto pelo ministro Salles é público. Eles já receberam ameaças por não terem comparecido a um evento com os ruralistas para o qual sequer tinham sido convidados. E foi isso que motivou a saída do presidente e da diretoria do ICMbio, que haviam sido nomeados por ele mesmo. A Funai partida ao meio pela MP 870 vive seu momento de maior fragilidade. O Congresso tentava ontem à noite alterar a mudança feita pelo governo que divide a instituição em duas partes. Uma comandada por uma pessoa que não demonstra ter capacidade de entender a complexidade da questão indígena brasileira, a outra num órgão com óbvio conflito de interesses. O pior é que o ministro da Justiça não demonstra qualquer interesse na volta da Funai ao seu lugar original.

No IBGE, como já escrevi aqui, a grande aflição dos funcionários é com a realização do Censo de 2020. O corpo técnico se sente excluído de decisões para as quais eles estão preparados, até porque é sua função. Os servidores acompanhavam a discussão de ontem temendo cada decisão. Perdeu-se tempo demais discutindo para onde iria o Coaf. O órgão ficaria bem em qualquer um dos dois ministérios. Acabou, por decisão da Câmara, ficando na Economia. Havia questões mais graves. Uma delas, o que acontecerá com os indígenas brasileiros. Outra é se os servidores conseguirão cumprir suas missões em cada órgão em que atuam e onde têm sido constrangidos.

Miriam Leitão - jornalista, O Globo


terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Viver é muito perigoso

“Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, o país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítima de Brumadinho, na esperança de eventuais sobreviventes”

Foi bem-sucedida cirurgia à qual foi submetido ontem o presidente Jair Bolsonaro, para retirar a bolsa de colostomia e religar o trânsito intestinal. Segundo a Presidência, “o presidente possuía em razão das outras duas cirurgias uma quantidade muito grande de aderências. E essas aderências exigiram do corpo médico uma verdadeira obra de arte em relação à cirurgia”. A operação durou oito horas, mais do que o dobro do previsto. Foi mais complexa do que se imaginava.
Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, a vida segue seu perigoso curso, como diria o jagunço Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítimas, na esperança de eventuais sobreviventes, do rompimento da represa de rejeitos de minérios de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. Essa é a nossa maior tragédia humana do gênero, que já contabiliza mais de 60 mortos e quase três centenas de pessoas desaparecidas. Foi muito mais grave do que a de Mariana, ocorrida há três anos e dois meses, cujo impacto ambiental no Rio Doce foi maior do que o atual, que transformou num rio de lama de minério o Córrego do Feijão, afluente do Rio Paraopeba, que deságua no São Francisco.
Equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil do governo de Minas foram reforçadas por tropa especializada de militares israelenses, enquanto efetivos e equipamentos do Exército, disponíveis em Juiz de Fora e Belo Horizonte, não foram mobilizados ainda, aparentemente por entraves burocráticos. É muita tolice criticar a presença dos israelenses, que têm equipes treinadas para resgates em escombros. Embora nunca tenham passado por uma situação igual no seu país, os especialistas israelenses também se destacaram no México, socorrendo vítimas de terremotos. [os israelenses algumas vezes se destacam em salvar pessoas de destroços causados por eles mesmo, quando bombardeiam civis desarmados e depois, em alguns casos,  vão socorrer os soterrados por prédios que foram derrubados pelo exército te Israel.] 
Há muito mais do que marketing político na operação. Israel quer estreitar relações com o Brasil e vender sua alta tecnologia. Há empresas brasileiras que também desejam fazer isso, mas foram desconsideradas pela Vale, que optou por economizar naquilo que não deveria, principalmente depois da tragédia de Mariana. Como se sabe, metade da Samarco, empresa responsável pela tragédia de Mariana, é da Vale que, por sua vez, também não assume a responsabilidade pelo que aconteceu em Brumadinho. Não devemos demonizar a mineração, mas isso não significa passar a mão na cabeça da diretoria da Vale, cujo presidente, se fosse japonês, já teria feito harariqui.[existe uma única solução: reestatizar a Vale.]

Meio ambiente
O governo federal também está sendo obrigado a rever suas posições em relação à questão das licenças e fiscalização ambientais, como fez com o Acordo de Paris. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz malabarismos conceituais para explicar a mudança de posição em relação aos controles dos órgãos ambientais. A demonização do Ibama e o ICMBio, discurso fácil até agora, está diante do outro lado da moeda das licenças ambientais. A diferença é que em outras áreas, que o ministro chama de baixo risco, populações ribeirinhas e indígenas são afetadas sem a mesma letalidade, como no caso de Belo Monte. Mas o drama humano também existe, com o desenraizamento, a favelização, o banditismo e a prostituição.
“Viver é muito perigo, seu moço!”A frase antológica do jagunço mineiro é verdadeira. Vale para as tragédias e para a política. Em menos de 30 dias, o novo governo do país está de cara com essa realidade. Rapidamente está descobrindo que boa parte dos problemas que enfrenta não decorre de ideologias, mas da realidade objetiva e das contingências do nosso desenvolvimento. Por isso, são muito importantes os projetos e estratégias; há problemas que não se resolvem na canetada, mas no esforço continuado e na mobilização permanente do Estado, dos agentes econômicos e da sociedade. Isso não se consegue com bravatas e frases de efeito, requer a construção de amplos consensos e a participação dos demais atores políticos.
 
 Nas Entrelinhas - Luiz  Carlos Azedo, CB