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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

As tragédias e o povo brasileiro - Míriam Leitão



Coluna no GLOBO

Que brava gente é esta que vai para as praias como se fosse para a guerra e luta com as mãos contra o ataque de um óleo espesso e grudento e tóxico. E limpa tudo o que pode até ver a areia limpa, e volta no dia seguinte disposta a novas batalhas porque mais sujeira pode chegar do mar. O mar que normalmente traz a água boa do banho, o peixe, a onda do surfista, o ganho do jangadeiro, do pescador, do dono da pousada e esse horizonte aberto que alonga e descansa o olhar.

Quando o pior aconteceu, e o petróleo começou a desembarcar em ondas sucessivas em 238 praias, em 2.250 quilômetros do litoral, quem primeiro acudiu o Nordeste foi seu povo. O governo tardou, se confundiu, errou, não teve a real dimensão da gravidade do caso. O ministro do Meio Ambiente, como sempre, fugiu da verdade. Ele parece não conviver bem com ela. No máximo aceita uma meia verdade, um fato editado, um número mal contado. Sua predileção é pela procura de inimigos imaginários. É intenso o seu esforço para desfazer a razão do cargo que imerecidamente ocupa.O país passou os últimos dias vendo em todos os jornais, telejornais, revistas, os relatos, as imagens e as entrevistas com inúmeras pessoas que estão espalhadas em todas as praias, trabalhando sem remuneração, sem cargo, sem adicional, sem proteção, arrancando o mal que se espalha, impregna, gruda, mata a fauna, sufoca a natureza. São os perigosos hidrocarbonetos, energia fóssil, da qual o mundo talvez um dia se livre, se não for tarde demais.

Em 10 minutos Salles desmonta bancada do Morango Show e detona as mentiras propagadas pela esquerda [não deixe de ver, especialmente a partir de 2'25"]

Em 10 minutos Salles desmonta bancada do Morning Show e detona as mentiras propagadas pela esquerda 

[vídeo e legenda inseridos pelo Blog Prontidão Total]



É inevitável ter sentimentos conflitantes diante dessas cenas dos brasileiros tirando as suas praias das garras do petróleo. Fica-se comovido com a devoção dos voluntários e ao mesmo tempo com medo do que possa acontecer a eles pelo efeito do contato com material tóxico a que estão se expondo por amor à terra.  Essa é a terceira tragédia ambiental que atinge o Brasil apenas em 2019. Houve Brumadinho abrindo a temporada de dores, com seus milhões de metros cúbicos de rejeitos soterrando funcionários e moradores. Os bombeiros afundaram na lama e arrancaram de lá os corpos para que as famílias enterrassem seus mortos. Foram infatigáveis, foram indescritíveis, foram além do limite do possível para atenuar as aflições de quem perdeu tanto pelo crime cometido por uma empresa reincidente. O motivo da tragédia foi o descuido com o meio ambiente, a ganância de esgotar o minério das entranhas de Minas, sem entregar aos mineiros sequer o investimento que os protegesse da morte. Os erros se acumularam por anos, décadas, de fiscalização errada, de incompetência, de uma visão predatória da mineração. A mesma Vale que soterrou o Rio Doce, entupiu as barragens que explodiram sobre Brumadinho.

O fogo ardeu na Amazônia destruindo quilômetros e quilômetros de floresta. As chamas seguiram o rastro do desmatamento como sempre fizeram. Já se conhecem os passos desse crime. O erro desta vez foi o governo emitir os sinais errados que os criminosos entenderam como licença para desmatar e queimar. O governo primeiro ignorou, em seguida negou o problema, depois atacou os cientistas do Inpe, inventou culpados, e por fim despachou as Forças Armadas para apagar o incêndio. Dentro de algumas terras indígenas, são os próprios indígenas que têm feito patrulha e tentado espantar os invasores.

O desmonte dos órgãos ambientais, a falta de estrutura, o assédio que os servidores viveram, a troca atabalhoada das chefias, os órgãos que ficaram acéfalos, as portarias paralisantes, tudo teve reflexo em cada tragédia ambiental que o Brasil tem vivido. Por toda a costa nordestina, quem esteve presente desde o primeiro momento foram os voluntários, inúmeros deles. Seu exemplo foi tão eloquente que o governo teve que correr e mostrar serviço. Tem sido um tempo de descrer das virtudes do país, por isso o que os nordestinos resgatam é mais do que imaginam. Não são apenas as areias, as tartarugas, as aves, os manguezais, as águas do mar. Resgatam a autoestima do país, a confiança de que podemos nos tirar das dificuldades, de que o país pode dar certo, mesmo que seja longa e penosa a crise que se abateu sobre nós. Pode fazer muito um país onde o povo é capaz de travar batalhas para salvar suas praias do afogamento.

Blog da Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel, de São Paulo - Publicado em O Globo 

sábado, 9 de fevereiro de 2019

"A tragédia Brasil"



Os antigos diziam que quando Deus criou o mundo juntou num pedaço da América do Sul um país com uma costa gigantesca e belas praias, ouro nas montanhas e sol nos dias de verão. Sem terremotos, vulcões, tsunamis nem outros acidentes naturais. Então, o anjo Gabriel chamou Sua atenção para a injustiça de tal privilégio. Consta que o Criador explicou: “vais ver o povinho que porei lá”. É uma piada preconceituosa e inominável diante de tudo o que tem acontecido ultimamente nestes tristes trópicos, neste país do carnaval e do futebol, a superar em tragédia o teatro grego antigo, culminando com a coincidência de mesclar paixão coletiva e dor pessoal.


A esperança de um futuro melhor para as promessas no sub 17 do Flamengo e uma vida melhor para seus entes queridos é substituída pela dor e pelo luto. Foto: Fábio Motta/Estadão
O incêndio do Centro de Treinamento (CT) do Flamengo com 10 mortos e 3 salvados do fogo parece mais um castigo divino, mas não é. É conjunção de canalhice com descaso, desídia e desumanidade, que já se haviam manifestado no incêndio do Museu Nacional e no estado lastimável que impede visitas ao Museu da Independência, no Ipiranga.

Essa mistura transforma nosso passado num monturo onde enterramos nossas oportunidades de aprender com erros e acertos que já cometemos. Os rejeitos minerais da Vale em Mariana, que mataram o Rio Doce, num descomunal assassinato ambiental, não serviram de alerta e três anos depois a lama seca de Brumadinho apodrece o Paraopeba e se prepara, de forma lenta, mas incansável, para emporcalhar Três Marias e trucidar o Rio São Francisco, o Velho Chico, “rio da unidade nacional”.

O Estado brasileiro, controlado por burocratas e políticos corruptos, se acumplicia a empresários gananciosos que exploram nossas riquezas e massacram nossos pobres à jusante de represas, expondo-os por cupidez às ondas de dejetos que sufocam humanos, bovinos e peixes. O Criador poupou-nos de vagalhões e lavas, mas os beneficiários do uso e furto dos bens públicos os substituem pela mortandade por susto, bala ou vício. Essa Medusa, que nunca encontra Ulisses de volta a Ítaca, reproduz em sua saga milhões de cabeças vorazes que despedaçam a ventura dos humildes.

Os meninos do Flamengo são talentosos e quase todos pobres, mais do que arrimos, o que resta de fé para seus parentes e amigos. Quando sucumbem à indiferença de dirigentes de má-fé, que usam a paixão do povo como combustível para sua fortuna, fundida num bezerro de ouro insaciável, levam para a morada final as esperanças de seus entes queridos. O pior de tudo é que os dirigentes de Vale, Museu Nacional, Museu da Independência e Flamengo, e prefeitos que escorcham os munícipes com vultosos impostos (casos do Rio inundado e desprovido de programas públicos eficientes contra inundações e desta Piratininga de viadutos rachados caindo aos pedaços), são beneficiários da pior de todas as ofensas, a impunidade. Os mandachuvas do popular rubro-negro da Gávea, os mesquinhos da mineração que não gastam com segurança nem pagam multas e os gestores públicos e privados que se escondem das penas que deviam pagar em capas de pleonasmos nunca purgarão os seus crimes com vil metal ou perda de liberdade.

A tragédia Brasil tem a agravante de não contar com o deus ex-machina do teatro grego, aquela solução final implausível em que os justos são recompensados e os culpados, punidos. E às vítimas só resta reclamar, em vez de apoiar, aplaudir, glorificar, eleger e até endeusar os vilões que as massacram.



José Nêumanne, Jornalista, poeta e escritor - O Estado de São Paulo




terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Viver é muito perigoso

“Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, o país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítima de Brumadinho, na esperança de eventuais sobreviventes”

Foi bem-sucedida cirurgia à qual foi submetido ontem o presidente Jair Bolsonaro, para retirar a bolsa de colostomia e religar o trânsito intestinal. Segundo a Presidência, “o presidente possuía em razão das outras duas cirurgias uma quantidade muito grande de aderências. E essas aderências exigiram do corpo médico uma verdadeira obra de arte em relação à cirurgia”. A operação durou oito horas, mais do que o dobro do previsto. Foi mais complexa do que se imaginava.
Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, a vida segue seu perigoso curso, como diria o jagunço Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítimas, na esperança de eventuais sobreviventes, do rompimento da represa de rejeitos de minérios de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. Essa é a nossa maior tragédia humana do gênero, que já contabiliza mais de 60 mortos e quase três centenas de pessoas desaparecidas. Foi muito mais grave do que a de Mariana, ocorrida há três anos e dois meses, cujo impacto ambiental no Rio Doce foi maior do que o atual, que transformou num rio de lama de minério o Córrego do Feijão, afluente do Rio Paraopeba, que deságua no São Francisco.
Equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil do governo de Minas foram reforçadas por tropa especializada de militares israelenses, enquanto efetivos e equipamentos do Exército, disponíveis em Juiz de Fora e Belo Horizonte, não foram mobilizados ainda, aparentemente por entraves burocráticos. É muita tolice criticar a presença dos israelenses, que têm equipes treinadas para resgates em escombros. Embora nunca tenham passado por uma situação igual no seu país, os especialistas israelenses também se destacaram no México, socorrendo vítimas de terremotos. [os israelenses algumas vezes se destacam em salvar pessoas de destroços causados por eles mesmo, quando bombardeiam civis desarmados e depois, em alguns casos,  vão socorrer os soterrados por prédios que foram derrubados pelo exército te Israel.] 
Há muito mais do que marketing político na operação. Israel quer estreitar relações com o Brasil e vender sua alta tecnologia. Há empresas brasileiras que também desejam fazer isso, mas foram desconsideradas pela Vale, que optou por economizar naquilo que não deveria, principalmente depois da tragédia de Mariana. Como se sabe, metade da Samarco, empresa responsável pela tragédia de Mariana, é da Vale que, por sua vez, também não assume a responsabilidade pelo que aconteceu em Brumadinho. Não devemos demonizar a mineração, mas isso não significa passar a mão na cabeça da diretoria da Vale, cujo presidente, se fosse japonês, já teria feito harariqui.[existe uma única solução: reestatizar a Vale.]

Meio ambiente
O governo federal também está sendo obrigado a rever suas posições em relação à questão das licenças e fiscalização ambientais, como fez com o Acordo de Paris. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz malabarismos conceituais para explicar a mudança de posição em relação aos controles dos órgãos ambientais. A demonização do Ibama e o ICMBio, discurso fácil até agora, está diante do outro lado da moeda das licenças ambientais. A diferença é que em outras áreas, que o ministro chama de baixo risco, populações ribeirinhas e indígenas são afetadas sem a mesma letalidade, como no caso de Belo Monte. Mas o drama humano também existe, com o desenraizamento, a favelização, o banditismo e a prostituição.
“Viver é muito perigo, seu moço!”A frase antológica do jagunço mineiro é verdadeira. Vale para as tragédias e para a política. Em menos de 30 dias, o novo governo do país está de cara com essa realidade. Rapidamente está descobrindo que boa parte dos problemas que enfrenta não decorre de ideologias, mas da realidade objetiva e das contingências do nosso desenvolvimento. Por isso, são muito importantes os projetos e estratégias; há problemas que não se resolvem na canetada, mas no esforço continuado e na mobilização permanente do Estado, dos agentes econômicos e da sociedade. Isso não se consegue com bravatas e frases de efeito, requer a construção de amplos consensos e a participação dos demais atores políticos.
 
 Nas Entrelinhas - Luiz  Carlos Azedo, CB


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Escondidos atrás da mesa

Executivos como Murilo Ferreira, Andrew Mackenzie e Lakshmi Mittal agora são vistos como líderes de grupos que lucram por meio de práticas irresponsáveis e danosas à vida

Eles comandam um trio de potências globais da mineração e siderurgia, com faturamento somado de R$ 520 bilhões no último ano fiscal.  O indiano Lakshmi Mittal, de 65 anos, lidera a ArcelorMittal, o maior conglomerado. Vende o dobro do escocês Andrew Mackenzie, 59 anos, chefe da BHP Billinton, cuja receita é equivalente à do grupo Vale, presidido pelo brasileiro Murilo Ferreira, 57 anos.

Os três estão escrevendo um capítulo novo nas suas biografias, muito além do fascínio comum pela metalurgia. Tornaram-se protagonistas de dois grandes litígios ambientais.
Ferreira, Mackenzie e Mittal são os principais executivos por trás da mutação da paisagem e da vida numa área de 70 mil quilômetros quadrados, entre Minas Gerais e Espírito Santo, com graves sequelas para três milhões de pessoas em 230 cidades da bacia do Rio Doce à região metropolitana de Vitória.

Parceiros na mineradora Samarco, Ferreira (Vale) e Mackenzie (BHP) comandaram a leniência que, em novembro, resultou numa avalanche de compostos quimicamente estáveis de éter, arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, manganês e ferro, entre outros, sobre o Rio Doce.  Ferreira, agora na companhia de Lakshmi Mittal (grupo ArcelorMittal), se destaca como ator principal de outro desastre, na região de Vitória. Semana passada, a Justiça Federal interditou o Porto de Tubarão, o maior em exportação de minério e produtos siderúrgicos. A ordem judicial objetiva impedir “a atividade criminosa” de emissão de poeira de carvão no ar e o lançamento de pó de minério no mar.

Essa poluição tem provocado “lesões corporais e até óbitos decorrentes de enfermidades respiratórias e cardiovasculares”, registra o juiz, citando evidências em investigação policial, ações civis, relatórios sanitários e de CPIs.

Ferreira, desta vez, não pode esgrimir o argumento rudimentar manejado na catástrofe da Samarco (“Ela não é parte da Vale”). Do seu gabinete, no Rio, saiu uma resposta anódina: “A Vale reitera o seu compromisso com as comunidades da Grande Vitória, com o meio ambiente e com as suas operações.” Mittal, que fatura R$ 17 bilhões no país, optou pelo silêncio. É o oposto do que se espera nas relações empresa-sociedade.

No desastre do Rio Doce, os presidentes da Vale e da BHP Billinton se esconderam atrás da mesa diretora da subsidiária Samarco. Limitaram-se à contenção de danos às respectivas imagens — como ocorreu quando uma barragem da BHP Billinton desabou sobre os rios Ok Tedi e Fly em Papua Nova Guiné.

Emissários da ONU ao Brasil, John Knox e Baskut Tuncak notaram: “Empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas. Não cabem posturas defensivas.”

O tempo passou na janela. Em Nova York, investidores foram à Justiça. Alegam perdas na compra de papéis da Vale, em 2015, por “declarações falsas” , “engodo” e “omissão” de Ferreira e sua diretoria. O prazo para adesões ao processo vai até 5 de fevereiro.  Em universidades como o King’s College, de Londres, executivos como Ferreira, Mackenzie e Mittal já são vistos como líderes de empresas que lucram por meio de práticas empresariais irresponsáveis e danosas à vida no planeta.
Fonte: José Casado - O Globo



domingo, 22 de novembro de 2015

‘Agora será preciso fazer também o impossível’

Nas últimas semanas, quem viajou de MG ao ES foram os resíduos jogados pelas mineradoras

Quando, ferido de morte, o Rio Doce grita, eu ouço. Sou filha do seu vale. Este é o meu pertencimento. Uma atividade econômica ocupa desde sempre a terra, revolve, esgota, expropria e define as pessoas que nascem naquele solo. Somos de Minas Gerais. Somos mineiros. “O maior trem do mundo leva a minha terra”, lamenta Drummond. E se fosse só isso, poeta. Agora, além do que nos levam, há o que despejam sobre nós. E como dói.
 
Quando criança eu corria, como o Doce, de Minas para o mar do Espírito Santo. O trajeto era o mesmo. Acordar cedo e ir de ônibus de Caratinga até Governador Valadares. Ver o rio era parte da alegria. O Doce era grande, tão grande, parecia o ensaio do mar. De lá pegar o trem para Vitória e, depois, Guarapari. O trem passava em Aimorés, uma cidade toda voltada para o rio.

Em 2007, fui entrevistar Lélia e Sebastião Salgado no Instituto Terra, em Aimorés. Ao fim da entrevista, quis olhar o rio e fui até o mirante construído pela Vale. Não havia mais rio. A Vale e a Cemig haviam desviado as águas para fazer uma hidrelétrica, e a mineradora deu à cidade uma obra sobre o vazio, um presente macabro para sua gente não esquecer o que perdeu.

Nem eu sei o que me deu. Desci pelo barranco e pulei no leito seco, como se precisasse ver de perto e pisar para acreditar no absurdo. Entardecia e eu caminhava, incrédula, nas pedras que um dia foram o caminho do rio. Fábio Rossi fotografou, e eu escrevi a matéria: “Aimorés: a cidade que perdeu seu rio”.

Nas últimas semanas, quem viajou de Minas ao Espírito Santo foram os resíduos jogados pela mineradora Samarco, meio Vale, meio BHP. Conheço o caminho percorrido pela lama indevidamente empilhada em grandes barragens que pesam sobre as cabeças dos mineiros. Viajou como um trem da morte. A gosma de metais pesados recobriu e sufocou o rio que por mais de oitocentos quilômetros faz o caminho de Ressaquinha a Linhares fertilizando a terra, abastecendo as cidades, matando a sede, abrigando peixes e garantindo a vida.

Sebastião Salgado acorda cedo, como eu. Por isso me ligou antes de o sol nascer, dia desses. Aflito, contou que estava em Aimorés vendo a destruição. Trocamos condolências e, depois, palavras de ânimo, porque ele não é de se entregar. Nem eu. Antes ele estava envolvido na tarefa de salvar a Bacia. Agora a aposta terá que ser dobrada. Não é só o trabalho de refazer as 370 mil nascentes do rio, replantar a mata ciliar em suas centenas de quilômetros, tratar o esgoto das muitas cidades da Bacia. Antes era difícil. Agora será preciso fazer também o impossível: limpar 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos químicos e minerais que estão esterilizando seu leito e sua margem.

Foi para visitar o projeto de Salgado que voltei ao Rio Doce este ano. Me lembro de um momento mágico. A fotógrafa Márcia Foletto parou em cima de uma ponte em Baixo Guandu, dez da noite. Voltávamos para o hotel cansadas de um dia cheio de trabalho, de subir e descer morro atrás de pequenas minas, os olhos d’água. Márcia se agachou na ponte e mirou o rio com a sua máquina. A lua refletida na água e Márcia capturava, pacientemente, sucessivas vezes, a beleza do Rio Doce à noite. Fiquei em silêncio saudoso. 

Meu avô Norberto morava ali em Baixo Guandu; minha avó Sinhá um dia pegou os filhos e foi para Minas e lá ficou. Por isso sou dali: desse entremeio entre Minas e Espírito Santo, me esquecendo que há fronteira entre os dois estados. Como o Rio Doce, que pertence aos dois.
Para a reportagem que Márcia e eu fizemos, o editor Paulo Motta escreveu uma chamada bonita na primeira página: “A esperança nos olhos d’água”. E agora, como ter de novo esperança?


Meu amigo Ramiro me mandou mensagem preocupado querendo saber se a sujeira contaminaria também o Rio Manhuacú. O rio chega lindo na reserva que o avô do Ramiro, “seu” Feliciano, protegeu os macacos Muriqui do Norte. A reserva de mil hectares de Mata Atlântica e os macacos precisam das águas do Manhuacú. Abro o jornal O GLOBO e leio que os Muriqui do Norte estão entre as espécies ameaçadas pela lama. Há 70 anos a família Abdala os protege e lá na reserva vive mais de um terço dos sobreviventes.

As últimas duas semanas foram assim. As notícias ruins se empilharam como os resíduos de uma mineradora. Morreram pessoas soterradas em Mariana. O tsunami de lama arrastou casas e despencou sobre o rio Doce. Enquanto ela deslizava com sua imundície em direção ao mar, o país ficou diante do seu desamparo: mineradoras criam bombas de rejeitos que podem explodir sobre nós, fiscais não fiscalizam, deputados financiados pelas mineradoras fazem leis que as beneficiam, a presidente leva uma semana para entender a tragédia, ribeirinhos ficam sem água, e a mineradora avisa que outras duas barragens podem se romper.

No vale as pessoas dizem que não vão desistir do Rio Doce, que vão recuperar e limpar suas águas, que farão o mesmo com os rios menores, que plantarão mais árvores nas reservas, que protegerão mais nascentes para ver aflorar os olhos d’água. Nossos olhos d’água.

Fonte: Coluna Míriam Leitão

 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A lição do Ministério Público à presidente que nem sabe direito o que é multa e rebatizou a Samarco com nome de santo

“Então, em termos de multa, a multa preli…preli… preliminar que nós estamos dando monta a duzentos e cinquenta milhões de reais”, começa o naufrágio de Dilma Rousseff no falatório que encerra o vídeo espantoso. “Essa multa preliminar é por dano… dano ao meio ambiente, em especial o comprometimento da bracia hidrográfica…”, aderna o neurônio solitário depois de infiltrar um R bêbado na palavra bacia.

Dilma - Rio Doce e as multas a "São Marcos"

 A tardia descoberta de que percorre a rota errada consuma o desastre: “É multa por segurança de barragem de rejeito. Multa por interrupção de atividade… Ah, não, tô falano errado, perá lá. Me confundi. A multa… essas… essas são as possibilidades de multa”. A discurseira em Mariana, onde baixou uma semana depois do rompimento das barragens da mineradora Samarco, só serviu para confirmar que o país é presidido por uma nulidade que não sabe o que diz.

O vídeo prova que Dilma não sabe sequer a diferença entre multa, multa preliminar e possibilidade de multa. Nesta segunda-feira, foi dispensada de decifrar tal enigma pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, que fecharam com a Samarco um Termo de Compromisso Preliminar. No texto, a mineradora se compromete a desembolsar imediatamente R$ 1 bilhão ─ para começo de conversa. É possível que essa quantia seja multiplicada por dez.

Dilma Rousseff nunca manteve relações amistosas com o idioma, a lógica e o bom senso. As coisas pioram quando tem de lidar com desastres naturais. As declarações destrambelhadas que despeja depois de sobrevoar a região devastada informam que, enquanto o corpo voltava das nuvens, a cabeça decolou rumo à estratosfera. Foi assim já em janeiro de 2011, quando se surpreendeu com as chuvas que caem invariavelmente nessa época na Região Serrana do Rio. Passados quase cinco anos, assim seria em Mariana.
“O nosso objetivo maior vai sê recuperá o Rio Doce”, desanda nos segundos iniciais do vídeo. “O Rio Doce é o sinônimo de vida desta região. O Rio Doce é essa bacia fantástica que tem um nome extremamente sugestivo, que é doce, e nós não vamos deixá que ele fique marrom, ou esse marrom alaranjado que ele está hoje, que é o marrom da lama”. Acertou a pronúncia de bacia. O resto é puro besteirol. Ao prometer mudar a cor do rio para que volte a ser doce, a presidente revela que acha possível colorir sabores.

E o que pretende fazer para reduzir as dimensões colossais do drama? Como deter o avanço do mar de lama, socorrer os flagelados, salvar o imenso território em perigo, ou materializar qualquer outra providência que permita acreditar na existência de um governo? “Nós queremos que esteja aqui uma equipe permanente da São Marcos, para garantir não só o atendimento emergencial da cidade, mas também esse mais perene”, afunda espetacularmente a governante mais bisonha da história do Brasil.

No vídeo, Dilma consegue deixar tudo muito claro sem dizer coisa com coisa: quem canoniza a Samarco não tem cabeça sequer para cuidar de um altar de santo. Se ficar mais três anos na Presidência, vai transformar o Brasil num imenso Rio Doce depois do tsunami de lama, rejeitos, negligência, inépcia, cinismo e canalhice. 

É hora de mandar Dilma para casa. Ou rezar para São Marcos.

Fonte: Coluna do Augusto Nunes