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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A Pfolia da Pfizer - Guilherme Fiuza

Revista Oeste

O Carnaval de 2022 promete. Se a Luma era do Eike, agora o folião é da Pfizer. Cada um com a sua coleira (e o seu fetiche)

Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução
Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução


De lá para cá, o mundo deu muitas e muitas voltas. Eike Batista faliu e chegou a ser preso. A patrulha politicamente correta se multiplicou mais do que a fortuna imaginária de Eike. E os libertários de plantão hoje usam coleira vacinal — mais orgulhosos que Luma no Sambódromo.

Acabou definitivamente aquela ideia de que no Carnaval ninguém é de ninguém. Agora todo mundo tem dono. O prefeito do Rio de Janeiro já avisou: com o cartãozinho higiênico é só chegar. Mas não fique achando que daí em diante é libertinagem total. Nada disso. O coração é da mamãe, a cabeça é do papai e o bracinho é do lobby. A chave da cidade não abre mais nada. O Rei Momo vai inaugurar o Carnaval com uma seringa.

Qual coleira você acha mais excitante? A do Eike ou a da vacina?

A que a Luma usava tinha um apelo provocante — uma mulher desejada por uma multidão e marcada voluntariamente como exclusividade de um só. Milhões de fantasias provinham daquela gargantilha, ou coleira, como rosnaram os despeitados. Uns viam coragem e entrega romântica, outros viam sujeição e negação do espírito carnavalesco. Mas, pensa bem. A coleira da vacina traz um apelo que nem uma Luma seminua tem.

Como em todo curralzinho vip, a graça é imaginar quem ficou de fora

No novo desbunde higienista, o grande fetiche está em imaginar quem ficou de fora. A imaginação é a irmã silenciosa da excitação. Não importa que essa vacina não impeça a infecção, nem o contágio
Se os israelenses lideraram a vacinação e continuaram sendo internados com covid, se veste de árabe e cai na folia. E principalmente pensa nos segregados. Pensa nos que você pode chamar de imundos e arcaicos porque não usam uma coleirinha vacinal como a sua. Ai, que delícia. Chora, cavaco.

Como em todo curralzinho vip, a graça é imaginar quem ficou de fora. Olha que Carnaval excitante: todo mundo se aglomerando sem nem pensar em vírus, tipo ministro da Saúde em Nova Iorque. Estava infectado, mas e daí? O importante é estar vacinado e apresentar o passaporte de rebanho vip. Aí você pode tudo. Dane-se a saúde — o importante é a vacina. Isso dá samba. Vamos lá, batuca aí:

Se joga na avenida
É o Carnaval do vacinado
Não conta pra ninguém
Que o vírus não foi barrado
Olê olê
Olê olá
Quem não tem o cartãozinho
Vai ter que rebolar!

O próprio prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, num jorro de sinceridade, avisou que passaria a “dificultar a vida” dos não vacinados — inclusive impedindo acesso à saúde! Nunca se viu uma autoridade assumindo com tanta desinibição a coação explícita ao cidadão. Entendeu o refrão? Vai ter que rebolar para viver. Entendeu o enredo do samba? Não é sobre saúde, é sobre vacina!

Agora senta para não cair: a bravata totalitária e desumana desse folião macabro ficou por isso mesmo. Dois desembargadores decidiram contra essa ilegalidade explícita que não salva vida de ninguém e cria cidadãos de segunda classe, mas no STF (que não falha) o companheiro Fux matou no peito as decisões da Justiça do Rio de Janeiro e mandou Eduardo Paes continuar tranquilo a sua caçada ao direito da pessoa humana.

O carioca indomável, quem diria, virou um cachorrinho de madame. Um rebelde de coleira e focinheira — amestrado pela falsa ciência do consórcio de lobistas. Quem vai parar os urubus dessa ofegante epidemia?

Leia também “Obscurantismo vacinal” 

Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O recomeço - Com avanço da vacinação, a vida começa a ser retomada em todo o Brasil - VEJA

Países reabrem as portas aos brasileiros, escolas retornam 100% presenciais, shows e peças voltam aos palcos. O pior da pandemia... 

Em um dos trechos mais conhecidos do clássico Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, o personagem Riobaldo sintetiza o que é a passagem da vida. “O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Há quase dois anos, a humanidade aprende, dia a dia, o que significam as palavras do jagunço criado pela cabeça brilhante de Guimarães Rosa. O medo de um vírus desconhecido, a angústia do isolamento, a esperança com a vacina e a montanha-russa de emoções com o sobe e desce de casos nos colocaram em um ciclo que parecia infinito de esquenta e esfria, de aperta e afrouxa, de sossega e desinquieta. Hoje, porém, depois de 22 meses de pandemia, na escala de Riobaldo estamos mais perto do sossega. Aos poucos, a vida retorna sem tanto sobressalto e comemoramos, enfim, a retomada. É um retorno que vem cheio de questionamentos e emoções inesperadas. Surpreende, por exemplo, a alegria de poder ir de novo ao mercado e escolher a fruta preferida sem medo – ou com menos medo. Ou o prazer ao ver o time de novo da arquibancada. Boa parte do mundo está vivendo essa experiência de renascer de um jeito diferente. No Brasil, já se planeja o Carnaval de 2022, enquanto nos Estados Unidos o infectologista Anthony Fauci, conselheiro para assun­tos de saúde do governo americano, liberou a criançada para brincar no Halloween. “Se você estiver vacinado, pode aproveitar a brincadeira”, disse Fauci.

O caminho para chegar até esse ponto não foi fácil e ele só se tornou possível graças aos enormes sacrifícios feitos para a adoção de temporadas de isolamento social e da histórica contribuição da ciência no desenvolvimento de imunizantes em tempo recorde. Mas o fato é que a atmosfera está completamente diferente da vivida há um ano — e o Brasil tem também motivos para uma comemoração cautelosa. É verdade que o governo fez de tudo para sabotar as medidas necessárias de combate à doença, mas, quando ficou claro que a esmagadora maioria da população queria vacina no braço (e não a cloroquina propagandeada por Bolsonaro), a oferta de doses de proteção foi se multiplicando e a campanha de imunização mostrou-se efetiva para reduzir números de óbitos e de contaminações. Chegou-se a ponto de algumas cidades começarem a discutir o afrouxamento das regras de uso de máscara de proteção em ambientes ao ar livre, sem que isso soe como negacionismo.

Estimulados por essa perspectiva otimista, comércio e turismo, dois dos segmentos mais afetados pela pandemia, preparam-se para um retorno que deverá ser suficiente para injetar o fôlego necessário para a recuperação. As projeções de Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers, dão o tamanho da expectativa. “Vai ser um grande Natal”, diz. “Neste ano, esperamos crescer em vendas cerca de 60% em relação ao ano passado, ficando próximo do aumento registrado em 2019”, diz. Empresários do setor de turismo têm esperanças semelhantes. Os cruzeiros, por exemplo, estarão de volta, gerando 35 000 empregos e 2,5 bilhões de reais em receitas, segundo a Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos. 

O segmento todo calcula a criação de 600 000 postos de trabalho e o aumento das receitas em 4,6% neste ano comparado a 2020. Um bom termômetro são os índices do Airbnb, plataforma de aluguel de imóveis. As reservas ultrapassaram os níveis dos tempos pré-Covid e, em municípios com mais de 50 000 moradores, subiram 50%. Fernando de Noronha e Ilhabela, duas das ilhas mais famosas do país, estão apostando nas comemorações de fim de ano depois de passarem o réveillon de 2021 sem festas. Em Ilhabela, no Litoral Norte paulista, não há mais barreira sanitária para visitantes desde agosto. Em Noronha, a reabertura gradual começou em setembro do ano passado. “Estamos em uma situação que nos deixa tranquilos e esperançosos para a retomada”, afirma o administrador do arquipélago, Guilherme Rocha. A Pousada Zé Maria, a mais famosa da ilha, ainda vende ingressos para a sua concorrida festa de réveillon, mas não tem mais vagas para hospedagem nesse período.

Durante os quase dois anos de pandemia, as engrenagens do circuito de shows e eventos também foram duramente afetadas. Felizmente, o vento mudou para quem trabalha no segmento. Em São Paulo, a partir do dia 1º de novembro não haverá mais restrições para a lotação de público em casas de shows e serão permitidos espetáculos ao vivo com as pessoas em pé.

Em VEJA, Matéria Completa 

Publicado em VEJA, edição nº 2760 de 20 de outubro de 2021