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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O recomeço - Com avanço da vacinação, a vida começa a ser retomada em todo o Brasil - VEJA

Países reabrem as portas aos brasileiros, escolas retornam 100% presenciais, shows e peças voltam aos palcos. O pior da pandemia... 

Em um dos trechos mais conhecidos do clássico Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, o personagem Riobaldo sintetiza o que é a passagem da vida. “O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Há quase dois anos, a humanidade aprende, dia a dia, o que significam as palavras do jagunço criado pela cabeça brilhante de Guimarães Rosa. O medo de um vírus desconhecido, a angústia do isolamento, a esperança com a vacina e a montanha-russa de emoções com o sobe e desce de casos nos colocaram em um ciclo que parecia infinito de esquenta e esfria, de aperta e afrouxa, de sossega e desinquieta. Hoje, porém, depois de 22 meses de pandemia, na escala de Riobaldo estamos mais perto do sossega. Aos poucos, a vida retorna sem tanto sobressalto e comemoramos, enfim, a retomada. É um retorno que vem cheio de questionamentos e emoções inesperadas. Surpreende, por exemplo, a alegria de poder ir de novo ao mercado e escolher a fruta preferida sem medo – ou com menos medo. Ou o prazer ao ver o time de novo da arquibancada. Boa parte do mundo está vivendo essa experiência de renascer de um jeito diferente. No Brasil, já se planeja o Carnaval de 2022, enquanto nos Estados Unidos o infectologista Anthony Fauci, conselheiro para assun­tos de saúde do governo americano, liberou a criançada para brincar no Halloween. “Se você estiver vacinado, pode aproveitar a brincadeira”, disse Fauci.

O caminho para chegar até esse ponto não foi fácil e ele só se tornou possível graças aos enormes sacrifícios feitos para a adoção de temporadas de isolamento social e da histórica contribuição da ciência no desenvolvimento de imunizantes em tempo recorde. Mas o fato é que a atmosfera está completamente diferente da vivida há um ano — e o Brasil tem também motivos para uma comemoração cautelosa. É verdade que o governo fez de tudo para sabotar as medidas necessárias de combate à doença, mas, quando ficou claro que a esmagadora maioria da população queria vacina no braço (e não a cloroquina propagandeada por Bolsonaro), a oferta de doses de proteção foi se multiplicando e a campanha de imunização mostrou-se efetiva para reduzir números de óbitos e de contaminações. Chegou-se a ponto de algumas cidades começarem a discutir o afrouxamento das regras de uso de máscara de proteção em ambientes ao ar livre, sem que isso soe como negacionismo.

Estimulados por essa perspectiva otimista, comércio e turismo, dois dos segmentos mais afetados pela pandemia, preparam-se para um retorno que deverá ser suficiente para injetar o fôlego necessário para a recuperação. As projeções de Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers, dão o tamanho da expectativa. “Vai ser um grande Natal”, diz. “Neste ano, esperamos crescer em vendas cerca de 60% em relação ao ano passado, ficando próximo do aumento registrado em 2019”, diz. Empresários do setor de turismo têm esperanças semelhantes. Os cruzeiros, por exemplo, estarão de volta, gerando 35 000 empregos e 2,5 bilhões de reais em receitas, segundo a Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos. 

O segmento todo calcula a criação de 600 000 postos de trabalho e o aumento das receitas em 4,6% neste ano comparado a 2020. Um bom termômetro são os índices do Airbnb, plataforma de aluguel de imóveis. As reservas ultrapassaram os níveis dos tempos pré-Covid e, em municípios com mais de 50 000 moradores, subiram 50%. Fernando de Noronha e Ilhabela, duas das ilhas mais famosas do país, estão apostando nas comemorações de fim de ano depois de passarem o réveillon de 2021 sem festas. Em Ilhabela, no Litoral Norte paulista, não há mais barreira sanitária para visitantes desde agosto. Em Noronha, a reabertura gradual começou em setembro do ano passado. “Estamos em uma situação que nos deixa tranquilos e esperançosos para a retomada”, afirma o administrador do arquipélago, Guilherme Rocha. A Pousada Zé Maria, a mais famosa da ilha, ainda vende ingressos para a sua concorrida festa de réveillon, mas não tem mais vagas para hospedagem nesse período.

Durante os quase dois anos de pandemia, as engrenagens do circuito de shows e eventos também foram duramente afetadas. Felizmente, o vento mudou para quem trabalha no segmento. Em São Paulo, a partir do dia 1º de novembro não haverá mais restrições para a lotação de público em casas de shows e serão permitidos espetáculos ao vivo com as pessoas em pé.

Em VEJA, Matéria Completa 

Publicado em VEJA, edição nº 2760 de 20 de outubro de 2021


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A iniquidade social - Nas entrelinhas

A estagnação da escolaridade e a má distribuição de renda são os vetores mais dramáticos da nossa desigualdade, pois puxam para baixo a qualidade de vida de toda a população”

Obra pré-modernista, de caráter histórico-literário, Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), publicado em 1902, foi a primeira grande crítica à iniquidade social no Brasil. Embora de caráter regionalista, ao narrar os sangrentos acontecimentos da Guerra de Canudos (1896-1897), liderada por Antônio Conselheiro (1830-1897), no interior da Bahia, teve grande impacto na opinião pública da época, em especial entre os jovens militares, sendo uma das fontes de inspiração do Tenentismo.

A obra descreve o sertão nordestino (o relevo, a fauna, a flora e o clima), o homem (o sertanejo, o jagunço, o cangaceiro e o líder messiânico) e, finalmente, a luta (as quatro inglórias campanhas do Exército para destruir o pequeno arraial de 20 mil habitantes). Nunca antes a questão social no Brasil havia sido abordada com tanto realismo, nem mesmo na campanha abolicionista, cujo coroamento fora a Lei Áurea, 14 anos antes.

A justificativa para o massacre de Canudos fora uma suposta ameaça à consolidação do regime republicano, devido ao caráter sebastianista do movimento liderado pelo místico Antônio Conselheiro. No livro, Euclides da Cunha questiona o ufanismo e o nacionalismo da época, bem como a visão idealizada que se tinha sobre a formação e o caráter do povo brasileiro. O homem descrito por Euclides da Cunha, que fez a cobertura jornalística da Guerra de Canudos como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, 100 anos depois, vive nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos do país, seja na condição de trabalhador informal, seja como traficante ou miliciano. A iniquidade social é a mesma. A diferença é que já não é possível resolver o problema à bala, como em Canudos, embora alguns continuem tentando.

Na época de Antônio Conselheiro não havia IDH, o índice criado para a ONU pelos economistas Amartya Sen, indiano, prêmio Nobel de 1998, e Mahbub al Huq, paquistanês, com objetivo de mensurar as condições de saúde, de escolaridade e de renda das populações e assim aferir os níveis de desigualdades entre os países. O do Brasil, divulgado no domingo passado, mostra um quadro desolador, em grande parte agravado pela recessão provocada pela “nova matriz econômica” do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governo Dilma Rousseff.

Direitos humanos
São impressionantes os efeitos negativos da recessão, entre os quais a existência de 12 milhões de desempregados crônicos. O índice brasileiro perdeu três posições desde 2013. De 2017 a 2018, em um ranking de 189 países, retrocedemos do 78º lugar para 79º, com um IDH de 0,761 (quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano). Estamos atrás da Rússia e da Argentina, para usar apenas esses dois paradigmas. E muito distantes da Noruega e da Suíça, que lideram os IDHs dos países desenvolvidos.


A estagnação da escolaridade e a má distribuição de renda são os vetores mais dramáticos da nossa desigualdade, pois puxam para baixo a qualidade de vida de toda a população. O quadro é ainda mais grave porque não há igualdade de oportunidades na largada, no meio do caminho, muito menos na reta de chegada. Ou seja, do nascimento de nossas crianças à vida adulta.  A situação nos remete à questão dos direitos humanos, consagrados pela ONU em 1948 e incorporados à nossa Constituição, em 1988. Seu conceito mudou ao longo da história, desde a Declaração de Direitos de Virgínia, nos Estados Unidos (1776), e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), na França. Grosso modo, foram fundamentais para a consolidação dos Estados nacionais e para o desenvolvimento capitalista. Afinal, nem um nem outro seriam possíveis sem exércitos de massa e o chamado exército industrial de reserva, respectivamente, que requeriam mão de obra saudável e minimamente escolarizada.

É aí que mora o perigo. Com a revolução tecnológica em curso, nem as guerras nem a produção exigem a mesma disponibilidade de recursos humanos; os direitos à saúde e à educação estão deixando de ser um assunto de interesse universal, ou seja, inclusive patronal. Enquanto nos países desenvolvidos o estado de bem-estar social está em crise, na periferia do mundo deixou de ser um objetivo comum a ser alcançado. Nunca as políticas públicas de caráter social foram tão negligenciadas.

Ocorre que o mundo se move. O esgarçamento social provocado pelas políticas ultraliberais é uma realidade, seja nos países desenvolvidos, como na França, seja na periferia, como no Chile, cujo IDH, como vimos acima, é melhor do que o nosso. Com toda certeza, nas próximas eleições municipais, essa variável terá que ser considerada, tanto quanto a geração de oportunidades de trabalho e o combate à corrupção e à ineficiência na gestão pública.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense