Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios
Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.
Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.
Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, [general-de-Exército] Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.
Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados
terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo,
como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da
Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo
do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu
gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Codi do I
Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por
indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola
Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987. [o presidente Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar,Instância máxima da Justiça Militar da União, de todas as acusações.] de todas as acusações
Disfunções
Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos
civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada,
capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram
estabelecidas [?] pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os
quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos
voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou
encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados
para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o
Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de
Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do
Estado (Mensalão e Lava-Jato).
De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.
Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. [falar sobre cada uma das três "disfunções", justifica um artigo tão extenso quanto o deste post.] Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. [o 'apagão' do Amapá, que não é de responsabilidade do presidente Bolsonaro, nem tão pouco do almirante Bento Albuquerque - por ser herança que envolve o somatório de várias circunstâncias incluindo, sem limitar, a dificuldade de abastecer de energia elétrica confiável aquela região = há dificuldades até na construções de linhas de transmissão mais confiáveis por ter que atravessar reservas indígenas - no Brasil é normal se privar milhares de cidadãos de um abastecimento elétrico confiável para não atravessar reservas indígenas.
Quanto ao general Pazuello é sempre alvo de críticas - sua paciência de Jó com as críticas, infundadas ou não, facilita.] São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense