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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Ecos do AI-5 - O fantasma

Gazeta do Povo

Quando faltava um mês para o aniversário do execrável AI-5, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes proibiu um deputado, Daniel Silveira, de dar entrevistas. O ministro já havia proibido o deputado de frequentar as redes sociais e de fazer contato com “outros investigados”. No último dia 13, fez 53 anos que, por causa de um deputado, Márcio Moreira Alves, que, na tribuna, recomendou às mocinhas que não dançassem com cadetes, o general Costa e Silva assinou o AI-5, que cassava o mandato do parlamentar e de muitos outros, fechava o Congresso, cancelava o habeas corpus e censurava. 
Motivo imediato: o ministro da Guerra, Lyra Tavares, queria processar o deputado, mas a Câmara não deixou, com base no art. 32 da Constituição de 1967: “Os deputados e senadores são invioláveis, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo nos casos de injúria, difamação e calúnia, ou nos previstos na Lei de Segurança Nacional”.


Ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do deputado Daniel Silveira por declarações nas redes sociais. -  Foto: Nelson Jr./STF

Os constituintes de 1988 aperfeiçoaram o artigo, que se tornou inflexivelmente garantidor do mandato, e virou 53: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Esse quaisquer não deixa espaço para condicionantes. Só que não. Como constituintes não-eleitos, no Supremo passaram por cima disso. O ministro Moraes mandou prender o deputado que - ironia! - disse ter saudades do AI-5.  
Em 2021 imperou um AI-5 de facto, com a anuência da Câmara dos Deputados, menos defensora de suas prerrogativas que aquela de 1968. No dia seguinte ao 13 de dezembro de 1968, Juscelino fora preso preventivamente, para não incomodar, tal como Zé Trovão agora está preso assim como o presidente do PTB, Roberto Jefferson.  
Muito semelhante com aqueles anos de chumbo - agora com um AI-5 fantasma.
 
Em 1968 como hoje, pessoas eram presas sem condenação, por crime de opinião. Hoje com uma diferença para pior: naquele tempo havia, embora espúrias, regras escritas. 
Hoje a regra é o que brota de um reescrevedor da Constituição, reeditando versões ad hoc até mesmo do pétreo artigo quinto.  
 
A moda se espalha para a Justiça Eleitoral.  
A resolução com regras para a eleição do ano que vem mais parece um código penal que revoga a liberdade de expressão que os constituintes consagraram no artigo 220. 
As bocas e cérebros brasileiros ficaram sob tutores que definem a verdade e a mentira, estabelecendo a versão oficial.
Numa democracia é normal que haja interpretações diferentes de liberdade, autoridade, verdade. Faz parte dos entrechoques ideológicos e doutrinários. 
O que não é normal é que haja silêncio em relação a agressões sofridas pela lei das leis. Quem cala, consente. O AI-5 de 1968 perdurou até 1979. Os que hoje calam e consentem já pensaram o quanto estão sendo cúmplices na supressão da dissonante mas criativa voz da democracia?

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

A competência à prova - Nas Entrelinhas

Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios

Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.

Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.

Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, [general-de-Exército] Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.

Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo, como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Codi do I Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987. [o presidente Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar,Instância máxima da Justiça Militar da União, de todas as acusações.] de todas as acusações

Disfunções
Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada, capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram estabelecidas [?] pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do Estado (Mensalão e Lava-Jato).

De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.

Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. [falar sobre cada uma das três "disfunções", justifica um artigo tão extenso quanto o deste post.] Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. [o 'apagão' do Amapá, que não é de responsabilidade do presidente Bolsonaro, nem tão pouco do almirante Bento Albuquerque - por ser herança que envolve o somatório de várias circunstâncias incluindo, sem limitar, a dificuldade de abastecer de energia elétrica confiável aquela região = há dificuldades até na construções de linhas de transmissão mais confiáveis por ter que atravessar reservas indígenas - no Brasil é normal se privar milhares de cidadãos de um abastecimento elétrico confiável  para não atravessar reservas indígenas.

Quanto ao general Pazuello é sempre alvo de críticas - sua paciência de Jó com as críticas, infundadas ou não, facilita.]    São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense

 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Organizações e seus líderes se escondem no momento em que o País precisaria oferecer resistência à escalada ditatorial do STF - J.R. Guzzo



‘Sociedade civil’





Onde andaria, nos dias de hoje, asociedade civil”? Muita gente talvez ainda se lembre dela – um condomínio de nomes com registro no CNPJ, chefiados por gente que jamais chegou perto de uma eleição direta para ganhar os cargos que ocupa e dedicados, segundo o que está escrito nos seus estatutos, a assinar documentos em favor das boas causas. Cidadania, igualdade entre as pessoas e povos, “diversidade”, oposição ao racismo, proteção das “minorias”, dos índios, dos moradores de rua – enfim, tudo serve. Até um tempo atrás, sua Bíblia exigia, também, o respeito religioso à Constituição e às liberdades públicas e individuais, a começar pela livre manifestação do pensamento. Faziam questão fechada, enfim, de que fossem cumpridas as mais extremadas miudezas legais que protegem o direito de defesa sobretudo quando se trata da defesa de acusados por crimes de corrupção cometidos entre 1º. de janeiro de 2003 e 31 de agosto de 2016, mais ou menos.







Muito bem: o Brasil está passando hoje pela mais intolerante ofensiva contra as liberdades, a democracia e o estado de direito desde que o governo do general Costa e Silva baixou o Ato Institucional número 5, em 1968, que durante dez anos inteiros serviu como manual de regras do regime militar. A violação da lei, hoje, não vem do QG do Exército – vem do Supremo Tribunal Federal, onde dez ministros se tornaram cúmplices de atos que agridem abertamente a Constituição e outros códigos de lei, com seu inquérito ilegal e secreto contra os militantes radicais do governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas justo nessa hora em que o país precisaria tanto da “sociedade civil”, para oferecer um mínimo de resistência à escalada ditatorial do STF, suas organizações e seus líderes se escondem. A lei é para todos o fato de serem adeptos de Bolsonaro não elimina os direitos civis de nenhum dos brasileiros hoje perseguidos ilegalmente pelo STF. Ninguém, nem o tribunal que se diz “supremo”, tem a autoridade legal de anular a sua cidadania. Está acontecendo o contrário.

“Estamos vivendo um período crítico, em que vários direitos fundamentais do cidadão estão sendo violados”, diz o advogado Emerson Grigollette, um dos coordenadores da ação que 7.000 advogados brasileiros movem no momento contra o inquérito ilegal do STF. “Precisamos ter acesso ao inquérito na íntegra, para que a gente possa exercer a nossa profissão – preservando a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal”. A OAB, à esta altura, deveria estar dando todo apoio para os 7.000 dos seus associados que cobram o direito de trabalhar – além do mais, são 7.000, não uma meia dúzia. Mas não está; sumiu, simplesmente. “A OAB não fez absolutamente nada”, diz Grigollette. Melhor assim, talvez: se a OAB tiver de tomar posição é possível que tenhamos o espetáculo inédito de uma associação de advogados que fica contra os advogados.


Não é pouca coisa. A maioria das entidades da “sociedade civil” tem importância próxima ao zero. Nenhum jornalista, por exemplo, é obrigado a ser sócio da Associação Brasileira de Imprensa. A única atividade de alguma relevância da União Nacional dos Estudantes é traficar carteirinhas de meia entrada no cinema. Se você não é bispo, pouco se lhe dá o que fazem ou não fazem os membros da Conferência Nacional dos Bispos. Mas com a OAB a história é diferente. Todos os 1,1 milhão de advogados do Brasilsim, é isso mesmo, mais de 1 milhãosão obrigados por lei a serem filiados (e pagarem anuidade) à OAB; sem a “carteira da Ordem”, não podem exercer a profissão. O mínimo que os associados poderiam esperar é que sua entidade profissional não os persiga. Mas no Brasil a “sociedade civil” é outra coisa. [atualmente a OAB é usada como palanque para seu presidente criticar o governo de um presidente eleito com quase 60.000.000 de votos.] 

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo


sábado, 9 de maio de 2020

A ocupação do STF - Folha de S. Paulo

Oscar Vilhena Vieira


O tribunal não pode se omitir diante de tentativas de intimidação

Tribunais e cortes supremas, quando cumprem devidamente seu papel de guardar as respectivas constituições, têm o dom de enfurecer autocratas das mais variadas afiliações ideológicas. De Chávez a Orbán, a emasculação de tribunais tornou-se uma cena corriqueira no enredo das escaladas autoritárias. Vargas aposentou compulsoriamente sete ministros do tribunal e restringiu as prerrogativas da corte para controlar seu governo. Nesse período foi escrita uma das páginas mais constrangedoras da história do Supremo, que permitiu, vencidos os ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espínola, a entrega de Olga Benário aos nazistas. [FATO: Olga Benário era uma terrorista desde a Alemanha, já atuando em 1928,  como terrorista em solo alemão, tendo participado de resgate de presos, bem antes da vinda para o Brasil.
No Brasil também teve envolvimento com o comunismo e o terrorismo - não é a 'santinha' pintada por muitos.] 
Em 1969, o general Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva após a edição do AI-5, que suspendeu as garantias da magistratura e excluiu da apreciação do Judiciário as ações praticadas com fundamento em atos institucionais. A porta se abria para o período mais obscuro da ditadura.

Mais recentemente o Supremo vem sofrendo formas inusitadas de intimidação. Em 2018, o comandante do Exército tomou a liberdade de advertir, por Twitter, como deveria o Supremo decidir um habeas corpus. Nesta última quinta-feira (8), o Brasil testemunhou uma ocupação relâmpago do STF. Sob a batuta presidencial e do ministro da Economia, os ocupantes reivindicaram a flexibilização de medidas de saúde pública, por entenderem que essas ameaçam a vida de muitos CNPJs.
Nada foi dito ou solicitado para prevenir a morte de milhares de pessoas ou sobre a necessidade de prover meios e condições básicas para que os mais pobres possam sobreviver durante a pandemia.  Desde a campanha eleitoral têm aumentado as ameaças ao Supremo. Os vícios e idiossincrasias do tribunal o deixaram mais vulnerável nos últimos anos. A recente escalada de ataques, no entanto, decorre sobretudo de suas virtudes.
Se o Supremo vinha sendo deferente - omisso para alguns
[omissão que optou por substituir pelo ativismo judicial, especialmente com uma postura contrária ao governo Bolsonaro, que tem se destacado por decisões monocráticas sempre contrárias ao atual governo.
A situação se tornou tão abusiva que o ministro Marco Aurélio - que não pode ser considerado bolsonarista - percebendo o quanto a corda estava esticando, decidiu propor que sejam evitadas decisões monocráticas contra chefes dos outros Poderes,devendo sempre ser referendadas pelo plenário da Corte Suprema.]
em relação a diversas ações controvertidas aprovadas pelo atual governo, com o início da pandemia passou a adotar uma postura muito mais responsiva, no sentido de não negar resposta àqueles que buscam sua jurisdição, como demonstrou Eloisa Machado em arguto artigo nesta Folha. Em um curto espaço de tempo os ministros do Supremo foram capazes de assegurar a integridade da Lei de Acesso a Informação, impediram o lançamento de uma campanha genocida de volta ao trabalho, asseguraram a competência das autoridades estaduais e municipais no campo da saúde pública, autorizaram a abertura de investigação sobre eventual conduta ilícita do presidente e suspenderam a tramitação de ações judiciais que questionam a demarcação de terras indígenas, em face das ameaças da Covid-19, para ficar apenas em alguns exemplos.
Grande parte dessas decisões foram tomadas monocraticamente, o que é um problema antigo do tribunal, que deveria ser corrigido por uma mudança no regimento, como proposto pelo ministro Marco Aurélio. Não procede, no entanto, a acusação de ativismo. Esse é um adjetivo simplista, usado sobretudo por aqueles que querem atacar uma decisão judicial da qual discordam.
Como salientou o ex-ministro Sepúlveda Pertence, "o Supremo tem competência para uma série de intromissões em atos de outros Poderes. Não para substituir-se a eles, mas para conter ilegalidades e abusos. Se se resguardasse, numa visão extremamente contida dos poderes judiciais, o Supremo estaria se demitindo desse papel fundamental que a Constituição lhe atribui". E não é isso que precisamos neste momento.
Oscar Vilhena Vieira, professor, mestre em direito,  Universidade Columbia, e doutor em ciência política - Folha de S. Paulo

quarta-feira, 10 de abril de 2019

‘Quartel não tem algemas’

Soldados não deveriam patrulhar ruas, nem os militares devem ficar com a conta dos erros dos governos

O general Leônidas Pires Gonçalves comandou o Exército de 1985 a 1990. Foi um daqueles chefes militares que viram de tudo. Em 1945, estava na cena da deposição de Getúlio Vargas. Em 1961, na escuta dos telefonemas de João Goulart durante a crise da renúncia de Jânio Quadros. Em 1964, viu quando o general Costa e Silva começou a emparedar o marechal Castelo Branco. Em 1984, foi um dos generais que garantiram a eleição de Tancredo Neves. Como ministro do Exército de José Sarney, manteve a disciplina na tropa, inclusive quando enquadrou o jovem capitão Jair Bolsonaro, que emergia como uma espécie de liderança sindical militar. Leônidas ensinava: “Quartel não tem algemas”.

[visto que a matéria cuida do lamentável incidente da morte do músico, cabe lembrar que os soldados não estavam patrulhando ruas e sim uma área de segurança, por sediar a Vila Militar.]

Ele era o ministro do Exército em 1988, quando mandou uma tropa para desocupar a usina de Volta Redonda, ocupada por grevistas, e morreram três operários. Passaram-se 31 anos, e uma patrulha do Exército disparou 80 tiros contra o carro que conduzia uma família e matou o motorista. “Quartel não tem algemas”, os soldados não são profissionais treinados para operações policiais, e quando acontece uma dessas tragédias, quem vai para a frigideira são recrutas, um sargento ou, no máximo, um jovem oficial. Em menos de 24 horas, o comando do Exército prendeu dez militares envolvidos na fuzilaria do Rio. A informação inicial, falsa, de que a patrulha respondeu a “injusta agressão”, foi substituída pelo “compromisso com a transparência”.

Há épocas em que as eternas vivandeiras pedem aos militares que façam isso ou aquilo. A ideia de botar a tropa nas ruas do Rio podia parecer “golpe de mestre”, mas é apenas a criação de novos problemas. Passa o tempo, as vivandeiras vestem as camisetas da ocasião e mandam a conta para os quartéis. Jair Bolsonaro entrou no Palácio do Planalto com um discurso popular de defesa da lei e da ordem, confundindo-se com as Forças Armadas. Há dias o presidente disse que “nasci para ser militar”. Só ele pode falar da própria vocação mas, de cadete a capitão, foi militar durante 14 de seus 64 anos de vida e deixou a carreira marcado por 15 dias de prisão por indisciplina. Daí em diante, Bolsonaro foi parlamentar por 29 anos. Parece mais precisa a avaliação de seu vice, Hamilton Mourão, para quem ele é “mais político do que militar”.
O general Mourão formulou uma perigosa profecia: “Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação.”

Isso não deve acontecer. Primeiro, porque as Forças Armadas não são o governo. Há cerca de cem militares na nova administração, mas quase todos estão na reserva, inclusive Mourão. Apesar de poucas manifestações impróprias durante a campanha eleitoral, nos quartéis prevaleceram a disciplina e o silêncio. Três dos quatro comandantes do Exército deste século não disseram uma única palavra. Ganha um fim de semana em Caracas a vivandeira que lembrar os nomes desses generais.
Nenhuma conta pode ir para as Forças Armadas, a menos que se trapaceie o jogo, coisa que ocorreu no ocaso da ditadura, quando o andar de cima vestiu camisetas amarelas, foi para a campanha das Diretas e jogou o entulho do regime na porta dos quartéis.

Quem namora a ideia da expansão das atribuições dos militares sonha com impasses, talvez um conflito com o Congresso. Nesse sonho, “se o governo falhar”, as Forças Armadas ficariam com a conta. A conta será do governo. Os militares, calados, estão na mesa ao lado.

Elio Gaspari, jornalista - O Globo
 

domingo, 14 de maio de 2017

Dilma bolada

Não há nada mais conhecido do submundo dos clandestinos do que esse sistema de se comunicar com outra pessoa por email sem ser rastreado, utilizado por Monica Moura e a então presidente Dilma agora denunciado pela marqueteira.

O sistema é denominado de Dead Drop ou, mais frequentemente, Dead Letter Box.  Muito utilizado na espionagem internacional, ganhou notoriedade nos anos 1930 com o caso dos Cinco de Cambridge (Cambridge-Five) assim denominados os participantes de uma célula de espiões britânicos a serviço da URSS (Anthony Blunt, Kim Philby, Donald MacLean, Guy Burgess e John Cairncross) durante a chamada Guerra Fria. E popularizou-se através dos livros de espionagem do escritor britânico John Le Carré.

Os que trocavam informações secretamente deixavam o documento em algum lugar previamente combinado (uma parede com tijolo solto, um buraco de árvore) para que fosse resgatado. Assim, não se encontravam e poderiam até mesmo não se conhecer.

Com a revolução tecnológica, chegou-se ao sistema atual, onde uma pessoa cria conta falsa em um provedor gratuito (Yahoo ou Gmail) e compartilha essa conta com sua contraparte.   Deixando a mensagem no rascunho, a pessoa que a recebe só precisa saber o nome da conta e a senha.

No caso de Dilma e Monica, a conta era 2606iolanda@gmail.com. O nome fictício foi uma freudiana lembrança de Iolanda, mulher do General Costa e Silva, presidente na época em que Dilma esteve presa por atividades guerrilheiras contra a ditadura militar.

Esse sistema já era utilizado pelos executivos da Petrobras para combinarem suas falcatruas, e eu noticiei isso aqui na coluna em junho de 2016. O texto dizia que “os envolvidos na venda de Pasadena trocavam mensagens em uma rede de e-mails do Gmail que não era rastreável, pois as mensagens ficavam sempre numa nuvem de dados, sem serem enviadas.Numa dessas mensagens, na véspera da reunião decisiva, há a informação de que “a ministra” já estava ciente dos arranjos dos advogados”. Essa primeira parte foi confirmada mais adiante, quando surgiram novas revelações da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Ele disse que Dilma Rousseff mentiu quando declarou que não sabia da propina cobrada na compra da refinaria de Pasadena. Segundo ele, não apenas sabia de Pasadena como tinha informações de que políticos do PT recebiam propina do esquema da Petrobras.

Na mesma coluna, que tinha o título “Por conta da Petrobras”, está dito que “em outras mensagens, há informações sobre pagamentos de itens pessoais da presidente pelo esquema montado na Petrobras, como o cabeleireiro Celso Kamura, que viajava para Brasília às custas do grupo. (...) Há também indicações de que um teleprompter especial foi comprado para Dilma sem ser através de meios oficiais, para escapar da burocracia da aquisição”.

Com a delação dos marqueteiros João Santana e Monica Moura, fica-se sabendo que todas as informações estavam corretas, com exceção do teleprompter. Não houve compra de um aparelho, mas a contratação de uma equipe de operadores de teleprompter, os irmãos Votmannsberger, que trabalharam na campanha de Dilma e eram os únicos técnicos de teleprompter que acertavam o ritmo de fala da presidente.

Para que também trabalhassem fora da época de campanha foi pedido a João Santana e Monica Moura que fizessem os pagamentos, pois o Palácio do Planalto não poderia arcar com as despesas. Os técnicos chegaram a acompanhar a presidente em viagens ao exterior, e recebiam em dinheiro vivo.

 Segundo Monica, a presidente Dilma Rousseff mandou também pagar o cabeleireiro Celso Kamura porque ela "não tinha rubrica" para isso. Contratado oficialmente na campanha de 2010, já Presidente, Dilma usava seus serviços, para eventos importantes, e governo não poderia arcar com um valor tão alto para o cabeleireiro, pois em ambos os casos “não tinha rubrica e nem tempo para superar a burocracia”.

Esses “favores” eram prestados por se tratar de uma cortesia a uma cliente importante que já havia feito com eles a campanha de 2010 e existia a possibilidade de virem a fazer a campanha de 2014. A presidente mandou Mônica Moura pagar também sua camareira, "Rose alguma-coisa", que morava com ela e "fazia seu cabelo, fazia unha, fazia maquiagem". Foram R$ 4 mil por mês, por quase um ano, segundo relato de Monica. O favor mais político de todos foi o pagamento de R$ 200 mil também do Caixa 2 para o publicitário Jefferson Monteiro que criou o personagem Dilma Bolada, na campanha de 2014, para que mantivesse sua página nas midias sociais como se fosse um apoiador independente.


Fonte: Merval Pereira - O Globo