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terça-feira, 5 de setembro de 2023

Milei vai enfrentar Perón - Luiz Philippe de Orleans e Bragança

         Javier Milei, candidato da direita, está à frente na disputa das eleições presidenciais na Argentina.  
Adepto da Escola Austríaca de Economia, é contra intervenções estatais e prega estado mínimo. É católico, pró-vida e contra pautas globais. Qualquer observador da Argentina sabe que o país precisa de um reformador para desmontar o modelo criado por Perón, que dura quase um século, gera instabilidade e pobreza históricas.  
Mas Milei conseguirá vencer esse fantasma?

A história política da Argentina divide-se em antes e depois do Peronismo. Em 4 de junho de 1943, um golpe militar deu início a um novo governo, e Juan Domingo Perón assumiu a Secretaria do Trabalho e Provisão, depois elegeu-se presidente por dois mandatos com um discurso para as massas e trabalhadores, Ações como ampliação do regime de aposentadorias, criação do salário-mínimo e 13º salário o fizeram ascender na  política, mas foram fatais para as contas públicas. Ao mesmo tempo, Perón abrigava nazistas alemães, torturadores e criminosos de guerra. A maioria viveu muito bem e morreu impune na Argentina. Ele voltou ao poder em 1973 mas faleceu no ano seguinte, deixando em seu lugar Isabelita, sua esposa, que foi deposta dois anos depois, por outro golpe militar. Seguiram-se seis anos, sete presidentes e 30 mil mortos. Peronismo.  

As mesmas políticas ocorreram  no Estado Novo de Getúlio Vargas,  aqui no Brasil. Caráter assistencialista de altos gastos desvinculados da arrecadação, são a marca indelével que torna esse modelo insustentável até hoje, e assim como no getulismo, lá também as políticas peronistas se institucionalizaram como modelo de estado social permanente. Nunca mais a Argentina atingiu o patamar de desenvolvimento da era pré-peronista.

Em 1983, Raúl Alfonsín, um advogado de esquerda ligado à Internacional Socialista, venceu as eleições presidenciais. Mesmo de oposição a Peron, adotou medidas semelhantes. Ficou famoso por criar o Plano Austral, mas não conseguiu conter o desemprego de quase 10% e a inflação de quase 209%

A solução foi ir ao FMI, que exigiu cortes nos gastos públicos e vendo a inércia do governo, o Fundo negou créditos adicionais. Alfonsin ainda tentou congelar preços e salários, interromper a impressão de dinheiro, organizar cortes de gastos e criar nova moeda, o Austral. [o atual presidente do Brasil, tenta agora ser o FMI para os argentinos e criar o 'sur', moeda única do Mercosul - felizmente, o chinês enquadrou o presidente brasileiro,  tratando-o como um estadista de araque, devolvendo-o a sua insignificância = se considerar um estadista é um dos muitos devaneios do atual ocupante do Planalto.] 
Os sindicatos se opuseram ao congelamento de salário, e os empresários, ao congelamento de preços. 
Acuado, o presidente não conseguiu conter a inflação e agora também os grandes exportadores se recusaram a vender dólares para o Banco Central. O Austral foi desvalorizado e a inflação alta se transformou em hiperinflação.
 
A eleição presidencial de 1989 ocorreu durante essa crise, quando o  justicialista/peronista Carlos Menem venceu as eleições. Alfonsín transferiu o poder para Menem cinco meses antes do previsto, pois não suportava mais a crise. 
Menem, então, resolveu solucionar o problema econômico com a dolarização da economia, uma fórmula ainda não testada mas já uma prática não institucionalizada na Argentina desde os anos 80. 
Menem foi mais um que não não reformou o estado peronista, e no final do século 20 a crise econômica e instabilidade estavam de volta. 
Cinco presidentes assumiram o poder e logo renunciaram em menos de três anos!
 
Eis que em 2003  assume o poder Néstor Kirchner, também pelo partido peronista, com promessas de reformas profundas que não aconteceram, Em vez disso, contratou obras governamentais, o que não conseguiu conter a pobreza, que chegou a 25%
Ele  e sua mulher aumentaram seu patrimônio pessoal e foram campeões em escândalos de corrupção, sendo que por um deles Cristina foi condenada a seis anos de prisão.

Os Kirchner só conseguiram governar protelando a crise, rolando dívidas para o futuro, que chega hoje, na forma de hiperinflação. [prática já adotada pelo petista que governa o Brasil, mantendo artificialmente - a Petrobras bancando - os preços dos combustíveis em baixa. Logo virá a conta e a Petrobras tentará bancar.] Desgastado também pela crise de 2008/2009, o peronismo parecia finalmente derrotado por Maurício Macri, candidato da direita. Só que não.

Macri assumiu o governo com as contas no vermelho, crise de desconfiança do público, dos investidores, poucas reservas federais, a inflação a 30% ao ano
O governo Macri resolveu estabilizar o peso, dando mais liberdade de câmbio. 
Cotas de exportação sobre commodities foram reduzidas, mas as medidas de austeridade foram tímidas. 
A estratégia de reformar aos poucos não gerou resultados nem conteve a oposição.  Assim, a inflação, o desemprego e o assistencialismo continuaram altos, Em 2019, a inflação bateu recorde chegando a 56% ao ano, os índices de desemprego subiram de 8% para 10% e a porcentagem de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza subiu de 29% para 35%. Sem o peronismo, Macri acabou derrotado pelo candidato socialista Alberto Fernández. O atual presidente é a imagem de todos os problemas do país: o peronismo. Participou dos governos Menem e Kirschner. Sua vice é Cristina.
 
Fernández encontrou a mesma crise e anunciou  medidas dobrando a aposta no peronismo, e como resultado, obteve o dobro do desastre
O índice de inflação, pelo último registro do Indec, foi de 115,6% em junho de 2023, mais que o dobro de quando assumiu. 
As medidas socialistas de seu governo também afugentaram empresários, com a pobreza atingindo mais da metade da população. 
Atormentado por sua baixa popularidade, Fernandez foi sensato e desistiu da reeleição.
 
Este cenário peronista será o palco de Milei, mas a maior tragédia deste modelo cruel é sufocar quem surge para reformá-lo. 
Os argentinos ainda esperam um final feliz que só pode acontecer por meio de reformas do Estado. Terá Milei, se vencedor das eleições, maioria no congresso para suas reformas? 
O povo quer mesmo essa mudança ou está disposto a aceitar qualquer opção?  
A saída é dolarizar de novo? 
Acabar com o banco central?  
Não perca a  resposta a essas e outras questões nos próximos capítulos desta novela Argentina!

Conservadores e Liberais  -  Luiz Philippe de Orleans e Bragança

 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

A competência à prova - Nas Entrelinhas

Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios

Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.

Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.

Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, [general-de-Exército] Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.

Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo, como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Codi do I Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987. [o presidente Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar,Instância máxima da Justiça Militar da União, de todas as acusações.] de todas as acusações

Disfunções
Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada, capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram estabelecidas [?] pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do Estado (Mensalão e Lava-Jato).

De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.

Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. [falar sobre cada uma das três "disfunções", justifica um artigo tão extenso quanto o deste post.] Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. [o 'apagão' do Amapá, que não é de responsabilidade do presidente Bolsonaro, nem tão pouco do almirante Bento Albuquerque - por ser herança que envolve o somatório de várias circunstâncias incluindo, sem limitar, a dificuldade de abastecer de energia elétrica confiável aquela região = há dificuldades até na construções de linhas de transmissão mais confiáveis por ter que atravessar reservas indígenas - no Brasil é normal se privar milhares de cidadãos de um abastecimento elétrico confiável  para não atravessar reservas indígenas.

Quanto ao general Pazuello é sempre alvo de críticas - sua paciência de Jó com as críticas, infundadas ou não, facilita.]    São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense

 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

O esgotamento do milagre - Nas entrelinhas


“Os militares se retiraram em ordem para os quartéis, após a eleição de Tancredo Neves,  em 1985. Agora, estão de volta ao poder, na garupa do presidente Jair Bolsonaro” 

[a eleição de Tancredo Neves abriu as portas para Nova República, o mais desastre político e econômico, entre outros, que o Brasil já sofreu.
Perguntem aos brasileiros - os maiores interessados e únicos com moral para responder - que preferem:
- a chamada ditadura militar e os benefícios que proporcionou - descritos na presente matéria ? - ou o período da Nova República, em que do primeiro governo até o escarramento da 'engarrafadora de vento', com raras exceções,   ocorreram os maiores assaltos aos cofres públicos?]

No Brasil republicano, houve dois longos ciclos de modernização do Estado e da economia, ambos em regimes ditatoriais. O primeiro, após a Revolução de 1930, que culminou no Estado Novo, durou 15 anos e se esgotou com o fim da II Guerra Mundial e a redemocratização; o segundo, após o golpe militar de 1964, resultou numa ditadura de 21 anos. Em dois momentos, porém, foi possível realizar ciclos de modernização do Estado e da economia em bases democráticas, durante os governos Juscelino Kubitschek (1956 a 1961), com seu Plano de Metas, e Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), com o Plano Real.

Como foi a ascensão e queda do “milagre econômico” dos militares? O I Plano Nacional de Desenvolvimento, no governo do general Garrastazu Médici, idealizado pelo ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso, pretendia pôr o Brasil entre as nações desenvolvidas no espaço de uma geração. Para tanto, duplicaria a renda per capita do país até 1980; elevaria o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) até 1974, com base numa taxa anual entre 8% e 10%; e elevaria a taxa de expansão do emprego até 3,2% em 1974, além de reduzir a inflação.

A meta foi ultrapassada: o crescimento do PIB, de 1967 a 1973, foi de cerca de 10,2%, e de quase 12,5% entre 1971 e 1973, diante de uma média de 7% no pós-guerra, até o início dos anos 1960. Diante do crescimento da população de 2,9% ao ano, a segunda grande meta, de aumento do PIB per capita à taxa de cerca de 6%, também foi alcançada. Entre 1967 e 1973, população aumentou de 85,1 milhões para 99,8 milhões de habitantes, o produto per capita cresceu à taxa média de 7,2%. O nível de emprego passou “de 2,8% para a ordem de 3,3% em 1973”. Outra “grande meta” era o aumento do investimento fixo bruto em 58% de 1969 para 1973. Entre 1971 e 1973, a formação bruta de capital fixo correspondeu, em média, a 21% do PIB, alcançando 22,4% em 1973. Apenas no período de 1970 a 1973, o aumento real do nível de investimento foi de 62,9% –– novamente ultrapassou a meta estabelecida em 1970.

Tudo isso foi “financiado” pela poupança nacional bruta. Entre 1967 e 1973, a absorção líquida de recursos do exterior foi de apenas 0,8% do PIB, elevando-se um pouco para 1,2%, de 1970 a 1973. Houve excessivo endividamento externo e concentração de renda, porque os salários cresceram a taxas inferiores à da produtividade, porém com ganhos expressivos para a classe média, que cresceu.  Para corrigir essas distorções, no governo Ernesto Geisel foi lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que pretendia elevar a renda per capita a mais de US$ 1 mil e fazer com que o PIB ultrapassasse os US$ cem bilhões em 1977. A meta para o quinquênio 1975-1979 era enfrentar a escassez de petróleo e promover novo ciclo de industrialização, alavancado pelo setor produtivo estatal, com implantação de indústrias básicas, sobretudo bens de capital e eletrônica pesada, para substituir as importações e abrir novas frentes de exportação. A agropecuária também teria um novo papel.

Abertura
O II PND mirava uma sociedade industrial moderna, tendo por núcleo básico a região Centro-Sul. Exigia investimentos de Cr$ 700 bilhões para a indústria de base, o desenvolvimento científico e tecnológico e da infraestrutura econômica. A política de energia seria decisiva para reduzir a dependência do país em relação às fontes externas. Havia um programa de aplicação de recursos no Nordeste, ocupação produtiva da Amazônia e da região Centro-Oeste.


A crise do petróleo e a falta de capacidade de financiamento do setor público, porém, levaram ao colapso o projeto de capitalismo de estado dos militares. Havia muito voluntarismo, o modelo de substituição de importações havia se esgotado com o avanço da globalização, ao mesmo tempo que a sobrevivência política do regime militar era ameaçada pela oposição democrática, apesar da brutal repressão. Na prática, o projeto de abertura política de Geisel, que teve seu curso no governo Figueiredo, diante das sucessivas derrotas eleitorais dos militares e seus aliados, foi mais bem-sucedido do que o II PND. Os militares se retiraram em ordem para os quartéis, após a eleição do oposicionista Tancredo Neves, um liberal-conservador, em 1985. Entretanto, agora, estão de volta ao poder, na garupa do presidente Jair Bolsonaro. Saudosistas do “milagre econômico”, porém, movem uma guerra surda contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, para mudar a política econômica e retomar o velho projeto nacional-desenvolvimentista. Sem chances de dar certo.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


terça-feira, 18 de agosto de 2020

O integralismo no poder - Carlos Andreazza

Movimento nunca deixou de estar entre nós

Culto à personalidade. Estímulo à compreensão messiânica da liderança. Forja de inimigos artificiais. Discurso autocrático, antiliberal e anticomunista, de fé nacionalista, embocadura cristã e musculatura miliciana para o confronto. Fetiche com a projeção fálica de uma intervenção militar. Constituição de uma máquina panfletária para difundir teorias conspiratórias. Críticas doutrinárias à democracia, propositalmente confundida com o (criminalizado) establishment e entendida mesmo como empecilho; sendo necessário — em nome de uma nova política — destruir os padrões viciados da atividade político-partidária.

A que me refiro? Estarei incorrendo em repetição, mais uma vez esmiuçando o caráter da revolução reacionária bolsonarista? Sim e não.
Sim; porque esses elementos compõem o sistema de crenças do bolsonarismo, com sua pulsão de morte e a incapacidade de lidar com a liberdade senão como condição para impor os próprios modos. E não; porque me dediquei a listar somente estandartes do “Estado integral” segundo a doutrina do integralismo — o maior movimento de extrema-direita da História do Brasil até hoje, cuja influência tem assento no governo Bolsonaro e integra o pensamento do dito grupo ideológico, que prefiro chamar de sectário, aquele, poderoso, olavista, que toca a tal guerra contra o tal marxismo cultural.

Integralismo em 1932: algo novo — atraente para a juventude — numa sociedade intolerante (pautada pelo autoritarismo de Vargas) e amedrontada; o clima de medo (o perigo vermelho) impulsionando a adesão e o financiamento ao movimento. O ideal “Deus, pátria e família” encarnado no chefe nacional Plínio Salgado; o líder para o exercício do que seria uma democracia orgânica — que prescindiria das intermediações da democracia representativa.

Bolsonarismo em 2018: algo novo — sedutor para os jovens — numa sociedade intolerante (condicionada pelo espírito do tempo lavajatista) e amedrontada; o clima de medo (o Foro de São Paulo à espreita) impulsionando a adesão e o financiamento ao fenômeno. O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” encarnado no mito Bolsonaro; aquele que fala diretamente ao povo, líder para o exercício do que seria uma democracia plebiscitária — que tornaria desnecessária qualquer mediação político-institucional.

Em 1969, o integralismo obcecado pelo controle das formações individuais — seria o agente político que implementaria a disciplina de Educação Moral e Cívica no país. Em 2020, o integralismo domina — não à toa, como base estratégica para a reconstituição de uma fantasiosa civilização brasileira —o Ministério da Educação; e também a pasta dos Direitos Humanos.
[Urge, para o BEM da juventude,que as disciplinas Educação Moral e Cívica - EMC e Organização Social e Política Brasileira - OSPB, retornem aos currículos do Ensino Médio.]
O mais antigo alerta ao menos para este escriba — sobre as semelhanças entre o bolsonarismo e a tradição integralista foi do publicitário Alexandre Borges, notável conhecedor da dinâmica política dos anos 1930, cuja natureza autoritária desaguaria na ditadura do Estado Novo. Ele me chamava a atenção para o caráter militarista do integralismo aliás, muito aderente entre militares — e para a importância, no esquema do movimento, da milícia integralista, que conjugava serviço de informações e planejamento para operações policiais; que, na prática, resultaram em ações armadas tanto quanto nos fundamentos do que seria a Lei de Segurança Nacional.

Ainda no final de 2017, diante do fosso de oportunidades aberto pela depressão política que nutria discursos que costuravam elogio à autoridade e desprezo à atividade político-partidária, Borges informava que estudar apenas a emergência do nacional-populismo nos EUA e na Europa, embora necessário, não bastaria; e que seria mesmo preciso olhar para dentro, para a história do integralismo, a experiência fascista brasileira, com seu ímpeto para o golpismo, se quiséssemos compreender o conjunto de valores reacionários — cultura enraizada em quase século — que anima e lastreia o bolsonarismo. (E que não nos enganemos sobre a guinada circunstancial — com objetivo em 2022 —que leva Bolsonaro a uma quadra mais populista que autoritária.)

Há dois livros novos a respeito na praça. “O fascismo em camisas verdes”, de Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, publicado pela FGV Editora. E, pela Planeta, “Fascismo à brasileira”, de Pedro Doria. São trabalhos fundamentais, muito bem pesquisados (o de Doria, ademais, um thriller), que tiram da estante do exotismo, como se passagem irrelevante de nossa história, um movimento que — desde a década de 1930 — nunca deixou de estar entre nós; muito articulado, por exemplo, tanto à TFP [Tradição, Família e Propriedade.]  quanto aos skinheads brasileiros, cujo tripé misoginia, racismo e homofobia é facilmente identificado no DNA do que se convencionou chamar de nova direita no Brasil.

Duas obras que retratam o integralista como uma espécie de soldado de Deus e da pátria, responsável pela construção de uma grande nação; o que seria destino indesviável deste país. Não é uma fotografia de época.

 Carlos Andreazza, colunista - O Globo


terça-feira, 26 de maio de 2020

Bolsonaro leva descompostura refinada de Barroso - Josias de Souza - UOL

Blog do Josias - UOL


Habituado a raciocínios cuja profundidade pode ser atravessada por uma formiga com água pelas canelas, Jair Bolsonaro talvez não tenha notado. Mas o miolo do discurso proferido por Luís Roberto Barroso ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral foi dedicado a criticar o seu governo. Sem mencionar o nome de Bolsonaro, que o assistia por videoconferência, Barroso deslocou a Presidência do capitão do mundo conservador para o universo do atraso. As palavras do magistrado soaram como uma descompostura.

[será que quando usou um 'habeas corpus' para liberar o aborto, o ministro Barroso foi refinado?
Ou oportunista?  por se valer de um meio inadequado para liberar algo que transcende sua competência monocrática.
Afinal, defender o assassinato de seres humanos inocentes e indefesos é algo que só pode ser concebido quando praticado por decisão plenária da Suprema Corte.] 

"A falta de educação produz vidas menos iluminadas, trabalhadores menos produtivos e um número limitado de pessoas capazes de pensar criativamente um país melhor e maior", disse Barroso a certa altura. "A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência."

O magistrado acertou dois coelhos com um parágrafo. Respondeu ao insulto de Abraham Weintraub, que defendera a prisão dos "vagabundos do STF" numa frase vadia proferida na reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi jogado no ventilador por ordem de Celso de Mello, decano do Supremo. Respondeu também ao próprio Bolsonaro, que associara a política de isolamento social à ideia de golpe.

Vale a pena ouvir novamente o Bolsonaro da reunião de 22 de abril: "Como é fácil impor uma ditadura no Brasil! Como é fácil!. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua."

Sobre Weintraub, o que Barroso declarou, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "O Ministério da Educação não merece ser comandado por tamanha mediocridade." Para Bolsonaro, foi como se o novo presidente do TSE, que também é membro do Supremo, dissesse algo assim: "Fale-me em armamentismo que eu puxo logo o iluminismo, que não atira para matar."

Noutro trecho do seu discurso, Barroso espetou: "Só quem não soube a sombra não reconhece a luz que é viver em um Estado constitucional de direito, com todas as suas circunstâncias. Nós já percorremos e derrotamos os ciclos do atraso. Hoje, vivemos sob o reinado da Constituição, cujo intérprete final é o Supremo Tribunal Federal."

O ministro acrescentou: "Como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade. Cabe lembrar, porém, que o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República."

Referia-se à ditadura do Estado Novo, sob Getúlio Vargas (1937-1945); e à ditadura militar (1964-1985), um regime cultuado por Bolsonaro.

Numa referência indireta ao negacionismo entoado pelo presidente da "gripezinha", Barroso solidarizou-se com os familiares dos mortos do coronavírus. E elogiou duas lideranças femininas que gerenciaram adequadamente a pandemia em seus respectivos países: a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden; e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Ambas adotaram o distanciamento social, refugado por Bolsonaro. [salvo improvável engano, Ângela Merkel e Jacinta Arden não foram compelidas por decisões da Suprema Corte de seus países a se abster de intervir nas províncias e municípios.]

O discurso de Barroso conteve recados certos para um destinatário incerto. Tomado pelas atitudes que adotou em 16 meses de governo, Bolsonaro meteu-se num autoengano que pressupõe que a distinção entre verdade e falsidade, entre realidade e fantasia, entre conservadorismo e atraso desaparece numa cabeça que se desligou dos fatos para viver num Brasil paralelo.

Blog do Josias - Josias de Souza - UOL


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

A namoradinha - Nas entrelinhas:

“Regina Duarte na Secretaria de Cultura pode representar o fim da ofensiva obscurantista e reacionária contra a classe artística, e não o contrário. Em miúdos, pode ser pior sem ela”

O presidente Jair Bolsonaro está em vias de transformar um limão em limonada, com a nomeação da atriz Regina Duarte para o cargo de secretária de Cultura, no lugar do neonazista enrustido Roberto Alvim. Ontem, o Palácio do Planalto confirmou que a protagonista da série Malu Mulher e das novelas Minha Doce Namorada, na qual era a jovem Patrícia, e Roque Santeiro, em que interpretou a Viúva Porcina, entre outros papéis de destaque, virá a Brasília amanhã para conhecer a Secretaria Especial da Cultura. Foi convidada por Bolsonaro para assumir o órgão. Os dois tiveram uma reunião no Rio de Janeiro, onde foi convidada. Depois da conversa, ela escreveu que está “noivando” com o governo.

[Cultura em uma definição simples, de um leigo em cultura, é um conjunto que inclui    a arte, as crenças, a lei, a moral,  o conhecimento, os costumes e demais hábitos todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem, em determinada época, local.

Assim, a classe artística, é apenas uma parte da Cultura e ser contra parte da classe artística (pelo que ela é ou pelo que produz) não implica, necessariamente, em ser contra a Cultura.]

Bolsonaro resumiu os entendimentos no Twitter: “Tivemos uma excelente conversa sobre o futuro da cultura no Brasil. Iniciamos um ‘noivado’ que possivelmente trará frutos ao país”, escreveu o presidente. Conservadora assumida, antipetista de primeira hora, Regina Duarte participou das campanhas das Diretas, Já!, de Tancredo Neves (1985) e José Serra (2002). Reconhecidamente, é uma grande atriz e tem o respeito da maioria de seus colegas, mas nunca teve unanimidade. Agora, sofrerá uma campanha de feroz oposição, porque assume o cargo em circunstâncias muito desfavoráveis, uma vez que seu antecessor desnudou um projeto reacionário de cultura, cuja inspiração estava na máquina de propaganda nazista. A questão é: fará uma inflexão nos rumos da pasta ou seguirá a mesma orientação? [esta questão só comporta uma resposta: seguirá a orientação do presidente BOLSONARO, que é o responsável maior por todas as áreas do seu Governo e que, obviamente, precisa ouvir seus assessores - detendo a palavra final.]
 
No governo Bolsonaro, a fronteira entre o conservadorismo e o reacionarismo é muito sinuosa, porém, já foi atravessada nas áreas da educação, cultura, direitos humanos e meio ambiente. Agora, o que foi barrado pela forte reação da opinião pública, do mundo artístico-cultural, da imprensa e até mesmo de setores militares no governo foi a narrativa fascista, que orienta a deriva contra a democracia de setores do governo. A crise provocada por Ricardo Alvim, ao reproduzir em vídeo trechos de um discurso de Joseph Goebbels, o ministro da Cultura e Propaganda de Adolf Hitler, levou-o à demissão, a contragosto do presidente. Pouco antes do “sincericídio”, numa live, Bolsonaro havia elogiado o seu então secretário de Cultura, que estava ao seu lado.

O episódio serviu para corroborar a narrativa dos setores da oposição que caracterizam o governo como fascista ou protofascista, ou seja, que denunciam a fascistização do país. Essa é uma discussão muito relevante por todas as suas implicações. Em todas as crises do governo, até agora, o que se viu foi um recuo de Bolsonaro diante das reações da sociedade civil e dos demais poderes da República. No caso de Ricardo Alvim, esse recuo se deu em menos de 48 horas, após os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), terem solicitado a demissão de Alvim, além das críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e da opinião pública nas redes sociais, principalmente no Twitter, o principal instrumento de comunicação direta de Bolsonaro com a sociedade. Ou seja, nesses momentos, a democracia se fez mais forte do que o presidente da República.


Bonapartismo
A narrativa reacionária e chauvinista não basta para caracterizar um governo como fascista, a rigor, uma ditadura aberta, que recorre ao terror de Estado para esmagar a oposição. A expressão protofascista carrega ideia errônea de inevitabilidade da fascistização do regime político, porque proto significa primeiro ou o que antecede. Essa discussão não é nova. Historicamente, ocorreu na Alemanha da República de Weimar, às vésperas da ascensão de Hitler ao poder, quando os comunistas do KPD, herdeiros dos espartaquistas Karl Liebenik e Rosa Luxemburgo, chamavam a social-democracia alemã de social-fascista, abrindo caminho para a ascensão do Partido Nazista.


Aqui no Brasil, situação semelhante ocorreu em pleno Estado Novo, de clara inspiração fascista, mas o Brasil acabou entrando na II Guerra Mundial ao lado dos Aliados, porque, em seu interior, os americanófilos liderados por Osvaldo Aranha, Amaral Peixoto e Gustavo Capanema demoveram o ditador Getúlio Vargas e isolaram os simpatizantes do Eixo, encabeçados por Francisco Campos, Góis Monteiro e Filinto Müller. Agora, Ricardo Alvim ofendeu a memória da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou nos campos da Itália contra o nazifascismo, daí a reação dos militares que integram o governo, que também pediram sua cabeça.

O governo Bolsonaro tem características bonapartistas, ou seja, preserva autonomia relativa e se coloca acima das classes sociais, embora sua política econômica esteja alinhada ao mercado financeiro.  
Ao confundir alhos com bugalhos, a oposição unifica o governo e acaba, ela sim, se isolando
De certa forma, a presença de Regina Duarte na Secretaria de Cultura pode representar o fim da ofensiva obscurantista e reacionária contra a classe artística, e não o contrário. Trocando em miúdos, pode ser pior sem ela.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

sábado, 11 de janeiro de 2020

ANAUÊ - Partido de Bolsonaro dá ânimo à Frente Integralista Brasileira, herdeira da ideologia fascista

O partido Aliança pelo Brasil, lançado por Bolsonaro, dá alento e ânimo à Frente Integralista Brasileira, herdeira da ideologia fascista. Ela começa a mostrar o rosto e planeja eleger vereadores em diversas cidades do País, já nas eleições municipais de 2020

Letra por letra, o slogan do partido político Aliança pelo Brasil, recém-lançado pelo presidente Jair Bolsonaro, é idêntico ao da Frente Integralista Brasileira (FIB), herdeira direta da fascista Ação Integralista que atuou no Brasil na década de 1930 durante o governo de Getúlio Vargas. Eis o slogan: “Deus, Pátria e Família”. A coincidência das três palavras (será coincidência mesmo?) foi suficiente para dar um sopro de ânimo e vida aos integralistas do presente saudosos do integralismo do passado. Os integrantes da FIB são poucos, nem há oficialmente a contabilização deles, assim como o integralismo de noventa anos atrás nunca reuniu mais que duzentas mil pessoas, embora o seu idealizador e líder, o aspirante a intelectual Plínio Salgado, vivesse afirmando aos jornais que o movimento contava com cerca de um milhão de militantes. Mas há no momento o sopro de vitalidade, de que falamos, e ele se traduz na disposição da FIB em começar a se manifestar nas ruas e participar das eleições municipais de 2020. [No Brasil é atentado a 'liberdade de expressão' qualquer esforço tentando impedir que JESUS CRISTO seja vilipendiado;

outros se apressam a considerar indevido o uso por um Partido do SLOGAN: DEUS, PÁTRIA e FAMÍLIA - consideram fascismo. 

O que é proibido no Brasil é o que possa ser considerado apologia ao NAZISMO, 

apesar de ser permitido, e até estimulado fazer apologia ao comunismo

Talvez seja por ser atribuído  ao NAZISMO a morte de 6.000.000 de pessoas, enquanto o COMUNISMO matou 100.000.000 e continua matando.]

Plínio Salgado se considerava um grande literato e escreveu “O Estrangeiro”.  
O consagrado autor Jorge Amado [comunista] avaliou o livro como “a maior imbecilidade que se possa imaginar.”

“Galinhas verdes”
Recentemente, em São Paulo, alguns de seus membros fizeram uma passeata pelo centro da cidade:  
a mesma camisa verde de antigamente, mangas compridas e colarinho abotoados, a mesma calça preta, o mesmo cumprimento de outrora com o braço direito levantado para o céu e a saudação “anauê”, expressão indígena tupi que significa “eis-me aqui”. A letra grega sigma, símbolo do integralismo dos tempos getulistas, esteve estampada em algumas bandeiras mas não na vestimenta — dirigentes da FIB a consideram agressiva demais, algo muito próximo dos emblemas nazistas. Na região sul do País, mais especificamente em Porto Alegre, há acervos com quase todas as insígnias do passado. Se voltarão ou não a serem usadas, isso somente o futuro dirá.

Ainda que tímida nas ruas, a FIB tem planos políticos a partir do “Deus, Pátria e Família” e, para isso, vem tentando convencer o Prona a se tornar o partido integralista oficial. Com pequenos núcleos já formados em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Espírito Santo, ela não pretende eleger prefeitos mas, isso sim, vereadores, dando inicialmente, o que é óbvio, base legislativa à legenda. Se Bolsonaro forçou a correspondência do slogan, fica claro que ele quer se aproximar dos integralistas. Engana-se, porém, se achar que a FIB endossa todos os seus pensamentos, atos e métodos. Os integralistas são contra a governança por redes sociais e condenam, como sempre condenaram, o liberalismo aliás, é difícil saber a que eles são favoráveis, porque repudiam o capitalismo, o comunismo, o libertarismo, a democracia e o sufrágio universal. 

Resumindo: posicionam-se a favor, mesmo, é de se verem governando, sempre governando, e ponto final. Nos radicais tempos de Getúlio, nos quais conversas políticas desandavam facilmente para pancadarias, os integralistas ganharam o apelido de “galinhas verdes” verde, pela cor da camisa; galinhas, porque saíam correndo quando tinham de enfrentar comunistas nas ruas da antiga cidade maravilhosa. Plínio Salgado, o ideólogo, gostava, sem dúvida alguma, era do poder — e o seu vaivém na política, bastante fisiológico, é prova disso.

Plínio Salgado apoiou o presidente Washington Luís, mas se bandeou para o lado de Getúlio quando o caudilho gaúcho venceu a revolução de 1930. Em 1932 Plínio fundou a Ação Integralista, primeiro para apoiar Getúlio, depois para golpeá-lo. Percebendo, pouco antes de 1937, que o ocupante do Palácio do Catete decretaria a ditadura do Estado Novo, tentou combatê-lo porque sentiu que não lhe sobraria espaço para mandar. Ao ver, porém, que perderia a queda de braço, tornou-se adepto da ditadura estadonovista. Acabou exilado e, quando retornou ao Brasil, já tinha conhecido o fascista e tirânico primeiro-ministro da Itália Benito Mussolini. 

Desembarcou, aqui, propagandeando o fascismo e amando o populismo. Pretenso intelectual, escreveu o livro “O Estrangeiro”. Para se saber a qualidade da obra, é só irmos aos registros históricos e lermos a crítica que o consagrado autor Jorge Amado redigiu: “é a literatura mais imbecil que se possa imaginar”. Há um ponto de convergência entre Plínio Salgado, falecido em 1975, os integralistas atuais e Jair Bolsonaro: a vontade de perpetuação no poder é insaciável.

 IstoÉ - Antonio Carlos Prado 

sábado, 29 de junho de 2019

Real, moeda brasileira mais durável desde o Estado Novo, completa 25 anos em 1º de julho

Pais do Real apontam fragilidade do atual momento da economia brasileira 

Persio Arida: “O real criou a base do país moderno”

Na segunda-feira, dia 1º de julho, a moeda brasileira, o Real, completa 25 anos em circulação. Será o padrão monetário brasileiro mais duradouro desde o Estado Novo. Não é feito pequeno para um país que teve nove moedas no período. 

O economista Persio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central, disse que a maior derrota do Plano Real foi perder a batalha da reforma da Previdência. Se aprovada, ela teria mudado drasticamente a história econômica do país. Já como um programa de estabilização inflacionária, avaliou que foi foi extraordinariamente bem-sucedido.
 
“O real criou as bases econômicas do Brasil moderno”, disse Pérsio Arida. O Real trouxe organização econômica para o país. Baixou de fato a inflação, mas a estabilização não foi suficiente para deslanchar o crescimento. 

Os criadores do Real avaliam agora os desafios da economia brasileira. Para Edmar Bacha, o país “ainda precisa fazer o dever de casa do ajuste fiscal”. Pedro Malan concorda e adverte: “Os gastos sobem em velocidade insustentável.” Gustavo Franco analisa: “Temos medo de confrontar interesses”. Armínio Fraga acredita que a reforma da previdência será parcial. “Uma vez aprovada uma reforma da Previdência que vai gerar um resultado que seria a metade do necessário, e o que é necessário já não era suficiente, vamos ver o que vai ser feito daqui para a frente.”


Leia mais em Época:
O ENTERRO DO DRAGÃO
Nos 25 anos do real, o que falta para o país voltar a se desenvolver


segunda-feira, 1 de abril de 2019

1964 E A LIBERDADE DE OPINIÃO

Você pode pensar o que quiser sobre a Proclamação da República e sobre a Revolução de 30. 

Quase ninguém sabe o que aconteceu no dia 10 de novembro de 1937 (golpe de Estado com que Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo e implantou uma ditadura de Congresso fechado, censura, tortura e repressão que durou até 1945). 

Você tem total liberdade de opinião sobre a Revolução Francesa, pode reverenciar a Revolução Bolchevique, chorar nos túmulos de Lênin, Fidel e Chávez.  

Mas não se atreva a divergir da narrativa dominante sobre o que aconteceu no Brasil no dia 31 de março de 1964. Não se atreva!

Em consonância com essa vedação, a OAB encaminhou à ONU um documento que denuncia “a tentativa do Presidente e de outros membros do governo de modificar a narrativa histórica (!) do golpe que instaurou [no Brasil] uma ditadura militar”. A citação entre aspas foi buscada no site do instituto Vladimir Herzog, cossignatário da denúncia. Com mínimas variações, consta de todas as matérias sobre o assunto publicadas nas últimas horas. Nelas está afirmado haver uma “narrativa histórica” que, a juízo dos denunciantes, não pode ser modificada. Trata-se de algo nada científico, principalmente numa ciência social, mas perfeitamente descritivo de uma prática que se vai tornando corriqueira. É como se a História fosse um campo de liberdade criativa semelhante à do vovô que conta aos netinhos estórias de quando “era uma vez”. [comentário 1: a OAB e o Instituto Valdimir, não andam muito bem de raciocínio, parece que lhes falta noção;

o tal 'instituto', cúmplice da escorregada da OAB no trato do direito até que merece uma certa 'comiseração', haja vista não ser o DIREITO a sua seara;
quanto a OAB é absurdo que cometa erro tão elementar: quanto tentava impedir que milhões de brasileiros exercessem seu direito soberano de comemorar o evento que sepultou, mais uma vez, os planos de maus brasileiros em transformar nossa Pátria Amada em satélite da URSS, aquela associação de advogados cometeu um erro elementar:
- se valeu do 'mandando de segurança' para combater o exercício de um direito do presidente da República - promulgar atos administrativos -, falha esta que levou o ministro Gilmar Mendes a sequer conhecer do pleito da OAB.]
 
O que de fato pode ocorrer, e frequentemente ocorre quando um mesmo fato histórico envolve posições antagônicas, são interpretações diferentes. Na minha experiência, interpretações históricas implicam honestidade intelectual e são muito mais precisas, ainda que divergentes, do que as “narrativas” dominantes em tantas salas de aula no Brasil. Exemplo recentíssimo: a grande campeã do Carnaval carioca de 2019 – tendo aderido a uma narrativa desonesta, pondo-se a serviço de um projeto político e ideológico espezinhou na avenida vultos admiráveis da nossa história, como o Duque de Caxias e a Princesa Isabel. Por quê? Porque isso convém à ideologia do conflito. Mas foi pura mistificação.

Assim, é extremamente arrogante e dogmática a intenção de estabelecer, sobre determinado acontecimento, uma “narrativa” cláusula pétrea, imexível, inequívoca e unívoca, mesmo quando muitos dos que vivenciaram aqueles dias, testemunhas do ambiente, das circunstâncias e dos eventos, atendo-se aos fatos, têm interpretações divergentes.
Felizmente não há, no Brasil, uma Reitoria Brasileira de Pontos de Vista, ou uma Corregedoria Geral de Perspectivas, ou uma Agência Nacional Reguladora de Opiniões. 
Isso é orwelliano demais para meu apreço pela liberdade.
 
Pericial Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. 

Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

De Manchinha@auau para Todo Mundo

Se a PM tivesse matado 13 mastins, talvez o governador Witzel fosse mais caridoso

[entre mastins e bandidos, que morram os bandidos - quando os primeiros bandidos forem abatidos, as coisas vão começar a mudar e para melhor.]

Sou a cadela Manchinha, que um segurança de supermercado matou em Osasco, em dezembro passado. Fiquei comovida com a comoção criada pelo meu caso e sugeri que vocês continuassem a reclamar quando os bichos fossem maltratados, mas pedi que cuidassem melhor dos bípedes. Escrevi o seguinte: "Vira e mexe, vocês leem que agentes da segurança pública entraram em bairros de pessoas pobres, confrontaram-se com bandidos e mataram 'suspeitos'. Nossa inteligência canina não entende o que seria um 'suspeito'. De quê? Em casos extremos, dois 'suspeitos' de portar armas foram abatidos. Um carregava uma furadeira e o outro, um guarda-chuva."
Outro dia, a PM do Rio matou 13 pessoas ("suspeitos", claro) e o governador Wilson Witzel disse que foi "uma ação legítima da polícia para combater narcoterroristas". Palavra de cachorro não vale nada, mas meus pares que andam pelo morros do Rio argumentaram que, mesmo que estivessem metidos com drogas, não é assim que funciona a Justiça dos bípedes. Quadrúpedes, vocês sabem, só atacam quando estão com fome, mas vocês nos chamam de irracionais. Irracionais são vocês. Vejam o caso do garoto Pedro Henrique Gonzaga. Era consumidor de drogas, mas acho que o doutor Witzel não o chamaria de "narcoterrorista". Teve um surto e encrencou-se com um segurança do supermercado Extra. [o agora chamado garoto era viciado em drogas - são os viciados, os noiados, os chamados usuários, que sustentam o tráfico de drogas - sem usuário não há consumo, não há demanda, o tráfico perde o sentido.
Os usuários precisam ser punidos com severidade de forma a desestimular o consumo e, consequentemente, o tráfico.] Tomou um mata-leão e foi estrangulado durante quatro minutos, diante de dezenas de pessoas e de pelo menos outro segurança. Sua mãe pedia para que saísse de cima do rapaz, pois ele estava dominado e tomou um "cala a boca, puta". Pedro Henrique morreu.

O segurança que me espancou talvez não quisesse me matar. Além disso, a cena da violência que sofri foi muito mais rápida. O bípede que estrangulou Pedro Henrique e chamou a mãe dele de "puta" teve impávida assistência. Garanto que se ele estivesse fazendo a mesma coisa com um cachorro a reação da plateia seria mais solidária. Se a PM tivesse matado 13 mastins, talvez o governador Witzel fosse mais caridoso. Os doutores do Extra disseram que "uma investigação interna constatou de forma inicial que se tratou de uma reação a uma tentativa de furto a arma de fogo de um dos seguranças". Patranha. Isso teria acontecido depois do início do incidente, quando Pedro Henrique já estava no chão. A repórter Ana Carolina Raimundi mostrou que a polícia ainda não comprou essa história.
Ela mostrou mais: o segurança Davi Amâncio era um condenado da Justiça. Tendo espancado uma companheira, em 2017, foi sentenciado a três meses de prisão em regime aberto. Um advogado da Group Protection, empresa terceirizada para garantir a segurança do supermercado, disse que a atribuição de checar a ficha criminal dos seguranças é da Polícia Federal. Tudo bem, e nós os quadrúpedes é que somos irracionais. Daqui do meu canil fiquei sabendo que o ministro Sergio Moro brindou os brasileiros com um pacote de medidas contra o crime. Tomara que dê certo, mas a cachorrada sabe que os bípedes latem à maneira deles e que ministro não morde.
No parque onde nós passeamos, vem com frequência um senhor meio rabugento, sempre vestido num terno preto. Dizem que é advogado e se chama Sobral Pinto. Durante o Estado Novo ele pediu que um preso político tivesse seus direitos respeitados de acordo com a lei de proteção aos animais. [tratar bem a bandido, seja um político bandido tipo Lula, ou um traficante, usuário, é deixar espaço para que o crime aumente;
é preciso valer a regra: bandido bom é bandido morto.
O segur]
Vai aqui um pedido ao ministro Moro. Amplie o seu pacote anticrime com um dispositivo:
"Ficam estendidos aos bípedes os direitos que a lei confere aos animais."
Grrrrrrr
Manchinha
Elio Gaspari, jornalista
 

 
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Os valores da farda que volta ao poder

Os oficiais do Exército brasileiro creditam à televisão, aos bancos, ao Congresso Nacional e às multinacionais, nesta ordem, o maior grau de influência política no país. Indagados que instituições deveriam exercê-la, os oficiais se incluem. Colocam as Forças Armadas em quarto lugar entre as aquelas que deveriam ter mais peso político, depois do Congresso, da academia e do Judiciário.
Confrontados com a afirmação do ex-ministro da Guerra do Estado Novo e ex-candidato à Presidência da República, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, de que a política deveria ser mantida fora dos quartéis, a maioria dos oficiais do Exército manifestou discordância. A maior aderência à afirmação de que "cabe ao Exército agir, mesmo que politicamente, quando a pátria estiver em perigo" se dá entre jovens tenentes (63,5%). A adesão à tese agrega menos da metade (48,7%) dos coronéis e generais.
Os dados estão em "A Construção da Identidade do Oficial do Exército Brasileiro", publicado no ano passado pela editora da PUC-RJ. O autor, o major Denis de Miranda, é professor da Academia Militar das Agulhas Negras, escola de formação de oficiais e única porta para o generalato na Força. Por lá passaram o presidente Jair Bolsonaro (turma de 1977) e todos os generais do primeiro escalão, o vice Hamilton Mourão (1975), o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Heleno Ribeiro (1969), o titular da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz (1974) e o da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva (1976).
O livro é resultado do mestrado em sociologia das instituições militares, da PUC-Rio, incentivado por convênio entre os Ministérios da Defesa e da Educação. Para escrevê-lo, Miranda enviou 2.015 formulários para oficiais formados na Aman. Recebeu de volta 643, o que deu à pesquisa uma margem de confiança de 98%. Entre aqueles que responderam, estão 90 generais e coronéis, 249 tenentes-coronéis e majores, 216 capitães e 88 tenentes. No prelo, na mesma editora, está novo levantamento, ainda mais amplo, encabeçado pelo coordenador do núcleo de sociologia das instituições militares, Eduardo de Vasconcellos Raposo. Os primeiros tabulamentos sugerem uma convergência entre os valores militares e aqueles que se fizeram vitoriosos no eleitorado nacional.

A pesquisa de Miranda mostra que a geração de oficiais pós-redemocratização quis se notabilizar pelas operações militares propriamente ditas, mas foi tragada por atividades como o combate à seca e as operações de garantia da lei e da ordem. Mais da metade dos entrevistados reconhece que as ações subsidiárias lhes trazem mais reconhecimento da sociedade. Esse perfil explica por que generais do Alto Comando do Exército têm demonstrado preocupação com a politização dos quartéis. A judicialização da política, como se viu, levou à politização do Judiciário. Não parecem infundados os temores de que a militarização da política leve à politização dos militares. A corporação que se vê mais reconhecida em atividades civis e advoga o dever de agir politicamente quando a 'pátria' estiver em perigo revela sua maior insatisfação com os seus rendimentos. Este batalhão de insatisfeitos terá uma proeminência política inédita nos últimos 30 anos num governo supostamente comprometido com o ajuste fiscal.
A tabela de soldos das Forças Armadas é parte da explicação para o primeiro tiro do general Mourão no anunciado conflito com o Judiciário - "Eles não conhecem o Brasil" (Valor, 28/12/2018). O soldo de um tenente (R$ 7,5 mil) equivale a um terço do salário de entrada de carreiras do Judiciário e do Executivo. A insatisfação salarial mitiga o espírito de corpo dos oficiais. Entre tenentes, grupo que tem menos de dez anos na carreira, mais da metade mudaria de carreira se pudesse preservar a estabilidade. No grupo de coronéis e generais, que já têm mais de 30 anos de Exército e estão às portas da aposentadoria, a intenção de virar a vida pelo avesso atinge apenas um em cada dez.
"Se não fosse militar, qual outra carreira seguiria?" A resposta demonstra o desacerto entre o espírito das Forças Armadas e o coração liberal do ministro Paulo Guedes. Ao ingressar na carreira, o oficial tem, a seu dispor, todo o plano de carreira das décadas seguintes, com as promoções e aperfeiçoamentos que precisará fazer para atingi-las. É essa mentalidade, e não o apetite da livre-iniciativa, que prevalece. Sem a farda, mais da metade rumaria para fazer um concurso público. Entre os mais jovens essa opção abocanha 72,7% de adesão.
Esse espírito de corpo se dilui no momento em que o Exército é mais endógeno do que nunca. A pesquisa de Miranda mostra que 45% dos oficiais são filhos de militares. Na década de 1960 a fatia de cadetes da Aman cujos pais estavam na carreira pouco ultrapassava um terço. Um outro estudioso das Forças Armadas e professor da Universidade Federal de São Carlos, Piero Leirner, atribui a essa endogenia o caldo de receptividade da base das Forças Armadas à candidatura de Jair Bolsonaro. A primeira vez em que se deu conta disso foi em 2012, quando ministrou curso na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, para uma turma majoritariamente de militares. Um major reclamou da Comissão da Verdade. Mais tarde, em viagem de pesquisa a São Gabriel da Cachoeira (AM), região que vivia sob uma onipresente liderança do general Heleno Ribeiro, o clima era o mesmo.
O relatório da Comissão colocaria sob o mesmo carimbo os brigadeiros Eduardo Gomes, patrono da Aeronáutica, e João Paulo Burnier, cuja ficha corrida vai da tentativa de golpe contra Juscelino Kubitschek à trama que planejava explodir o gasômetro do Rio em 1968 para incriminar os dissidentes da ditadura. O relatório também teria abespinhado a geração da caserna que subiu a rampa com Bolsonaro por ter colocado no mesmo balaio Cyro e Leo Etchengoyen, respectivamente tio e pai do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo Michel Temer, Sérgio Etchengoyen. O primeiro foi apontado pelo coronel Paulo Malhães como um dos responsáveis pelo centro de tortura de Petrópolis, que ficaria conhecido como Casa da Morte, mas o irmão foi chefe do Estado-Maior sem registro de envolvimento com tortura.
Ao relatório some-se a reação da ex-presidente Dilma Rousseff ao manifesto do Clube Militar contra o documento. A determinação para que a entidade, de caráter privado, se retratasse, foi seguida por outro manifesto, ainda mais duro. Foi depois desses fatos que Bolsonaro compareceu, pela primeira vez como convidado, à uma cerimônia de formatura da Aman, em 2014. Dava início ali a uma campanha marcada pela presença em cerimônias militares de toda ordem, às quais não compareceria sem a anuência dos comandantes.
O capitão, que ao longo de seus seis mandatos anteriores como deputado federal não ultrapassara as plateias de mulheres e viúvas de militares, cativaria, ao longo do sétimo, as bases das Forças Armadas e seu comando. Na pesquisa do major Miranda, o tema aparece na caixinha 'revanchismo político' como um dos maiores problemas das Forças Armadas, ainda que atrás das limitações materiais dos 'soldos baixos' e 'orçamento inadequado'. Serviu de amálgama a uma corporação, que desgastada pela ditadura, se construiu em torno de valores que buscavam diferenciá-la das instituições civis.
Se o revanchismo, a corrupção da esquerda à direita e a crise pavimentaram o apoio militar, não bastarão como norte para o governo. Na bússola do presidente não faltam ímãs que o empurram em direções opostas, a começar pela abertura ao investimento externo e à aliança incondicional com Donald Trump.  Ao longo das três décadas em que os militares estiveram longe do poder, o anticomunismo perdeu lugar para a defesa da soberania contra a internacionalização das organizações não governamentais. O discurso que embala a revisão da reserva Raposa Serra do Sol vem daí. Leirner identifica na ascensão da Batalha dos Guararapes, do século XVII, em que as três raças se uniram para derrotar os batavos, a construção simbólica de um exército em busca de inimigos externos.
Parece um discurso desbotado, particularmente na era de um militar bandeirante, como Bolsonaro, mas ainda encontra ressonância. A presença das multinacionais identificada na pesquisa de Miranda como um dos interesses que exercem influência demasiada no país, é uma evidência clara das pressões para que o governo Bolsonaro se encaixe nos moldes do ultradireitismo nacionalista que tem em Trump e em Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria que prestigiou sua posse, como os principais representantes.
O nacionalismo, no entanto, está longe de unificar os militares do governo, a começar por Hamilton Mourão, de quem se registram, ao contrário dos demais generais do governo, posições mais alinhadas com o pró-americanismo pregado pelo novo Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo. Um posto avançado desta batalha já se estabeleceu na Petrobras. O novo presidente, Roberto Castello Branco, foi ungido por Paulo Guedes para comandá-la porque comunga de suas convicções liberais.
Um posto avançado desta batalha já se estabeleceu na Petrobras. O novo presidente, Roberto Castello Branco, foi ungido por Paulo Guedes para comandá-la porque comunga de suas convicções liberais. O ministro da Economia já deixou claro que pretende se valer da cessão onerosa para recompor o caixa do governo, ainda que sua regulamentação esteja pendurada no Congresso. Duas semanas antes da posse, no entanto, o almirante Bento Leite de Albuquerque Junior, nomeado ministro de Minas e Energia, pediu à empresa que providenciasse acomodações para que lá se instalasse com nove assessores. A presença de um cozinheiro na comitiva é um sinal mais do que eloquente da batalha que está por vi. 

Maria Cristina Fernandes - Eu & Fim de Semana / Valor Econômico




quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Bolsonaro pensa em Carlos, seu filho, para ministro da Comunicação Social. Pode? Pode! Mas então entra o apóstolo Paulo: “Convém?”

Jair Bolsonaro diz que cogita transformar o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), um de seus filhos, ministro da Comunicação Social — hoje, a tarefa é exercida por uma secretaria.  Bem, acho dispensável estender-me muito no mérito da decisão de um presidente da República que fizesse seu próprio filho um ministro… Parece impróprio, errado mesmo. Penso que isso vai acender, quando menos, uma luz amarela mesmo na cachola do bolsonarista mais fanático. A última vez em que isso aconteceu, deixem-me ver, foi no Estado Novo. Entre 1937 e 1939, Alzira exerceu a função de auxiliar no Gabinete Civil da Presidência do pai, Getúlio Vargas. Não! Não era um cargo ministerial.
[detalhe: a partir de 1º janeiro 2019, com as bênçãos de DEUS, Bolsonaro será o Chefe de Governo e de Estado - condição que o credencia a nomear ministro qualquer um que escolha, desde que atenda os requisitos legais;
Carlos, até prova em contrário, preenche os requisitos.
Além de ser o Chefe, foi Jair Bolsonaro que recebeu quase 60.000.000 de votos - são dele.
A única obrigação que Bolsonaro nomeando o filho é a demiti-lo, no momento, em que porventura, não preencha os requisitos legais para permanecer no cargo.
Temer, foi o único presidente que nomeou um ministro, exercendo suas atribuições constitucionais, e foi desautorizado pela presidente do STF.
Houve por parte da presidente do Supremo interferência indevida de um Poder em outro e por parte de Temer falta de combatividade para defender suas prerrogativas constitucionais - falta de combatividade é o termo usado por ser o mais indicado para apreciar a ... de um presidente da República, cargo que com a prisão de Lula e a expulsão de Dilma, voltou a ser digno.]
Nenhum dos filhos de Bolsonaro, a exemplo do pai, gosta da imprensa — há as exceções, claro! Mas Carlos é visivelmente o que gosta menos. É ele quem comanda as redes sociais. Sem entrar no conteúdo do trabalho, há de se convir que é competente no que faz, dados os propósitos a que se destina. Mas seria esse o trabalho de uma comunicação que tem de ter caráter institucional? É, entre os irmãos, o mais próximo do presidente eleito e também o de temperamento mais rascante. Na Comunicação?
Só para lembrar. Há uma Súmula Vinculante no Supremo, a de nº 13, contra o nepotismo. E também um decreto, o 7.203. Leiam trechos:

A SÚMULA:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

TRECHO DO DECRETO Art. 1º  A vedação do nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta observará o disposto neste Decreto.
(…)
Art. 3º  No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado, familiar da máxima autoridade administrativa correspondente ou, ainda, familiar de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoramento, para:
I – cargo em comissão ou função de confiança;
II – atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a contratação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e
III – estágio, salvo se a contratação for precedida de processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes.

Não valem
O Supremo decidiu, no entanto, que as restrições contidas na Súmula e no decreto não valem para cargos políticos. E ministro é um cargo político.  Carlos Bolsonaro pode, pois, ser ministro do ponto de vista legal.
Bolsonaro gosta da Bíblia. Lá vai mais uma de São Paulo, “1 Coríntios 6:12”, que a bancada evangélica, que vetou Mozart Ramos, deve conhecer: “Posso tudo, mas nem tudo me convém”.
Poder, pode. Mas convém?

Blog do Reinaldo Azevedo