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quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Radicalismo que isola - Merval Pereira

O Globo

O discurso do presidente Bolsonaro na abertura da Assembleia-geral da ONU foi surpreendente não pelo que falou, pois não há novidade no seu discurso, nada que não seja conhecido por todos, aqui e no exterior. O que surpreendeu é que se esperava que o discurso fosse pacificador e conciliador, quando foi agressivo na sua maior parte, e defendeu posições anacrônicas na política externa. [Bolsonaro fez questão de expressar-se como presidente do Brasil - NAÇÃO INDEPENDENTE E SOBERANA - e não como servo de uma Organização que sempre ignora os menores e é controlada, nos assuntos mais importantes, por um único país - para ter tal controle, basta que seja membro permanente do Conselho de Segurança da ONU = o poder de veto torna decreto o que a minoria - um apenas, lembrem-se - decida.
Fez questão de deixar claro que a SOBERANIA do Brasil é inegociável e a Amazônia não será internacionalizada, visto que invadi-la pode resultar no fim da região e que comunistas e socialistas, já fizeram parte do mal que tencionavam fazer e, portanto, devem ser neutralizados.]

Quem ainda tinha esperança de ver o presidente brasileiro associando-se a posições progressistas das democracias ocidentais frustrou-se, mesmo porque o presidente e seus assessores, oficiais e informais, como o guru Olavo de Carvalho, consideram que o termo “progressista” identifica socialistas e comunistas, não governos que se alinham aos conceitos e valores do mundo atual globalizado, mas não globalista, como gostam de criticar.

Nessa visão extemporânea do mundo, o governo brasileiro vê na discussão sobre os interesses globais, como o meio-ambiente, uma tentativa “de apagar nacionalidades e soberanias”. Como exortou Bolsonaro no final de seu discurso, (...) “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”.
Não foi à toa que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimentou Bolsonaro pelo discurso, embora não tenha encontrado tempo na agenda para um jantar, ou ao menos um encontro privado, como era esperado pela comitiva brasileira. Pelos assessores que fizeram o discurso, o tom não poderia ser outro: General Heleno, ministro Ernesto Araujo, Eduardo Bolsonaro e assessor internacional Filipe Martins. Foi uma defesa das posições que assume desde a campanha eleitoral, e usou a tribuna da ONU como um palanque para seu público interno.

Bolsonaro erra quando diz que representa o pensamento da população brasileira. Ele representa o Brasil, pois foi eleito presidente, mas muito do que diz não tem a concordância da maioria. Foi firme e não se intimidou diante da platéia e da possibilidade de protestos – apenas a representação de Cuba se retirou. O que pode ser visto como uma qualidade, coragem de reafirmar suas posições mesmo num ambiente potencialmente hostil, não significa que persistir no erro deixa de ser um defeito.

Só significa que está mais à vontade no cargo, pois quando foi ao Fórum Econômico Mundial de Davos, logo depois de tomar posse, perdeu a chance de marcar posição lendo um discurso de 8 minutos, quando tinha 45 minutos à sua disposição. [se fala pouco o condenam, se fala muito também é condenado. Optou por falar o necessário para deixar claro a posição de independência do Brasil.]

Mas assumiu naquela ocasião compromissos importantes, para incentivar os investidores estrangeiros. Falou em reformas, em abertura da economia, simplificação da burocracia para melhorar ambiente de negócios, diminuição da carga tributária, abertura para o mundo e ainda se comprometeu com preservação do meio ambiente. Coerente com o que está fazendo, com exceção do meio-ambiente.   Ontem na ONU, se preocupou também em agradar os investidores, mas abriu mão de potenciais aliados, contentando-se com o apoio que imagina ter do governo Trump. O problema é que Bolsonaro assume as suas verdades como se refletissem fatos, e esses muitas vezes o desmentem.

Foi um discurso radical, mas sem perder a linha, uma retórica agressiva, mas sem perder a compostura do cargo. O presidente mostrou que tem posição e sabe o que quer. Nem sempre, no entanto, o que ele quer representa o melhor para os interesses do Estado brasileiro, mas apenas ideias pessoais, que podem ser prejudiciais.

Ontem, Bolsonaro perdeu a oportunidade de levar sua assertividade ao porto seguro da conciliação e do entendimento. Ao contrário, reafirmou os pensamentos mais retrógrados, inclusive sobre valores morais e religiosos num cenário inapropriado, mergulhou de volta na Guerra Fria, mas dispensou o apoio da Europa com críticas veladas ao presidente da França Emannuel Macron e à chanceler da Alemanha Angela Merkel.  [Nenhum dos dois citados representam a Europa.] Reafirmar a soberania nacional sobre a Amazônia com ataques a países que deveríamos querer como aliados pode alegrar seu público interno e uma ala mais radical das Forças Armadas, mas não resolve a situação. Só ficamos mais isolados num mundo necessariamente conectado.  


Merval Pereira, jornalista - O Globo





quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Previdência 1: Sim, governo tem de negociar e de fazer concessão. A isso se chama “política”



O ajuste que a reforma da Previdência traz à economia transcende as contas de ano. Estamos falando das contas de várias gerações. Em política, muitas vezes, é preciso deixar de lado o ótimo em nome daquilo que é possível

Leio que o presidente Michel Temer estaria disposto a sacrificar uma parte do ajuste fiscal em benefício da reforma da Previdência. Para aprovar o texto, o governo se mostraria propenso a manter o reajuste do funcionalismo em 2018, que havia sido suspenso; renegociar dívida do setor rural e adotar novo cronograma para o pagamento de pendências dos Estados com a União. Sei lá se isso vai acontecer ou não. Se vai ser assim mesmo ou não. Se são esses os itens negociáveis ou não. O que sei, desde há muito, é que não há política onde não há negociação. E se inexiste a negociação, então resta como saída única a lei do mais forte e não há mais nada, rigorosamente, que se possa fazer a respeito.

A imprensa brasileira lida mal com isso. Governos negociam com seus respectivos parlamentos no mundo inteiro. Ocorre as grandes democracias são, na sua maioria, bipartidárias. Mesmo quando a França surpreende com um Emannuel Macron, se vocês notaram bem, o que se tem lá são duas forças majoritárias. Ele tomou o lugar do Partido Socialista e manteve a polarização. Fica mais fácil governar. Quando se tem parlamentarismo, de resto, é preciso, com exceções muito raras, formar a maioria apenas uma vez.  Dada a forma como o poder existe no Brasil, cada caso é um caso; cada negociação é uma negociação, e o governante sempre tem se ficar se equilibrando entre várias forças.

Não foi Michel Temer que inventou os 35 partidos (!) com representação no Congresso. Esse desatino, diga-se, é uma das obras do gosto legiferante do Supremo, quando decidiu, no passado, que cláusulas de barreira asfixiavam a democracia… Olhem aí.  Sim, Temer vai ter negociar. Bem, digamos, então, que seja mesmo verdade que o presidente pretenda sacrificar parte do esforço fiscal em benefício da reforma da Previdência. Pergunta-se: é por seu próprio bem que o faz? É para garantir algum projeto político seu? Por ora, que se saiba ao menos, a mudança mais pode tirar do que dar votos.

O ajuste que a reforma da Previdência traz à economia transcende as contas de ano. Estamos falando das contas de várias gerações. Em política, muitas vezes, é preciso deixar de lado o ótimo em nome daquilo que é possível, não? E não há nada de novo nem de formidável nisso. No fim das contas, o chefe do país é obrigado a escolher: vale a pena transgredir uma combinação contingente em nome de um efeito  permanente? A resposta, obviamente, é sim!  Diga-se o mesmo em relação à reforma ministerial. Não se sabe ainda a forma final, mas é evidente que o presidente tem de pensar nessa mudança também de olho na votação da Previdência. Que mal há nisso? Se você é do tipo que acredita que políticos deveriam ser orientados apenas pelo sentido de missão, então, lamento dizer, precisa se ocupar um pouco mais dessa que muitos julgam ser uma “arte”. Refiro-me, sim, à política.  Sim, há as convicções, e elas são importantes. Mas é preciso saber operar com a realidade.

 Blog do Reinaldo Azevedo