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domingo, 23 de fevereiro de 2020

A ECONOMIA E A POLÍTICA NUMA MESA DE BAR - Percival Puggina

 A Economia e a Política vinham, há bom tempo, combinando encontro. Quando acontecia de estarem simultaneamente no mesmo lugar, diziam “Temos que marcar aquela conversa”, ao que a outra respondia “Pois é, temos mesmo...”. E ninguém abria a agenda para viabilizar a intenção.

Entende-se a dificuldade. Havia, entre elas, uma disputa por primazia. Ambas se tinham como credoras da maior atenção, percebiam-se assoberbadas pelas decisões mais relevantes. Cada qual nutria a convicção de que a outra lhe atrapalhava a vida, lhe roubava horas de sono, e essa era a razão daquela desejada conversa ocasional: “Temos que conversar, temos que conversar!”.
 Eis que agora estavam sentadas as duas, frente a frente, no lobby do mesmo hotel e tempo livre até o próximo compromisso oficial. A política inicia as “hostilidades”.

Política: – Não há como aprovar todas as reformas que tua turma propõe.
Economia: – Interessante que digas isso e, ao mesmo tempo, teu pessoal fique pedindo recursos para um sem número de programas e projetos cuja principal finalidade é favorecer reeleições parlamentares, contemplando interesses locais. Na tua opinião, é para isso que serve o dinheiro dos pagadores de impostos? É assim, comprando votos, que o Presidente deve governar?

Política (sentindo-se pressionada, devolve) Interessante é que penses assim e venhas pedir votos aos congressistas para aprovarem o que individualmente, dentro do teu gabinete, defines como interesse público. Quem quiser impor conceitos de interesse público ao parlamento é junto ao público que deve iniciar pedindo votos. A democracia funciona assim, no voto, amiga.
Economia Se entendi bem, estás dizendo que os 57 milhões de votos do Presidente não conferem legitimidade ao governo. Lembra-te de que foi no meu posto de gasolina que ele buscou ideias que a eleição consagrou e que boa parte do teu pessoal abraçou para se eleger.

Política – As coisas não são tão simples assim...
Economia (rindo) Eu sei, o Centrão...

Política – Vocês falam mal do Centrão, mas correm atrás dele.
Economia Enquanto muitos, ali, correm da polícia. Tu sabes que há no Centrão um sistema de proteção recíproca e um permanente ânimo vingativo contra o Moro. Mas essa não é a minha pauta.

Política – Pois deveria ser! É a política que comanda tudo. O Congresso está trabalhando e não é fácil aprovar medidas restritivas, impopulares, enquanto vocês não entregam o que prometem. Onde estão os investidores? Dólares saem e não voltam. Em vez de cobrar desempenho nosso, olhem e cuidem do de vocês.
A Economia, olhando à volta, estica o braço e chama um garçom, que se aproxima solícito.
Economia (falando ao garçom) Você confia no Congresso Nacional? 
Confia no STF? 
Confia na política como é feita no Brasil? 
Você acha que o Brasil dá motivos para que gente de fora invista aqui? 
Se você ganhasse na loto aplicaria no Brasil o dinheiro ganho? 
O Brasil lhe parece um país de instituições confiáveis?

O garçom respondeu negativamente a tudo e o ambiente foi ficando mais tenso. Quando concluiu, as duas interlocutoras estavam com os dedos indicadores esticados para o lado oposto da mesa. “Taí, é a Economia que não entrega o que promete” exclamou a Política alteando a voz. “É a Política, estúpido!”, contestou a Economia citando James Carville. E continuou: se as instituições de Estado não têm confiança da população brasileira, como pretender que investidores estrangeiros tenham?
Lido o artigo, só não me digam que o errado é o garçom.


Percival Puggina (75),
membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Radicalismo que isola - Merval Pereira

O Globo

O discurso do presidente Bolsonaro na abertura da Assembleia-geral da ONU foi surpreendente não pelo que falou, pois não há novidade no seu discurso, nada que não seja conhecido por todos, aqui e no exterior. O que surpreendeu é que se esperava que o discurso fosse pacificador e conciliador, quando foi agressivo na sua maior parte, e defendeu posições anacrônicas na política externa. [Bolsonaro fez questão de expressar-se como presidente do Brasil - NAÇÃO INDEPENDENTE E SOBERANA - e não como servo de uma Organização que sempre ignora os menores e é controlada, nos assuntos mais importantes, por um único país - para ter tal controle, basta que seja membro permanente do Conselho de Segurança da ONU = o poder de veto torna decreto o que a minoria - um apenas, lembrem-se - decida.
Fez questão de deixar claro que a SOBERANIA do Brasil é inegociável e a Amazônia não será internacionalizada, visto que invadi-la pode resultar no fim da região e que comunistas e socialistas, já fizeram parte do mal que tencionavam fazer e, portanto, devem ser neutralizados.]

Quem ainda tinha esperança de ver o presidente brasileiro associando-se a posições progressistas das democracias ocidentais frustrou-se, mesmo porque o presidente e seus assessores, oficiais e informais, como o guru Olavo de Carvalho, consideram que o termo “progressista” identifica socialistas e comunistas, não governos que se alinham aos conceitos e valores do mundo atual globalizado, mas não globalista, como gostam de criticar.

Nessa visão extemporânea do mundo, o governo brasileiro vê na discussão sobre os interesses globais, como o meio-ambiente, uma tentativa “de apagar nacionalidades e soberanias”. Como exortou Bolsonaro no final de seu discurso, (...) “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”.
Não foi à toa que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimentou Bolsonaro pelo discurso, embora não tenha encontrado tempo na agenda para um jantar, ou ao menos um encontro privado, como era esperado pela comitiva brasileira. Pelos assessores que fizeram o discurso, o tom não poderia ser outro: General Heleno, ministro Ernesto Araujo, Eduardo Bolsonaro e assessor internacional Filipe Martins. Foi uma defesa das posições que assume desde a campanha eleitoral, e usou a tribuna da ONU como um palanque para seu público interno.

Bolsonaro erra quando diz que representa o pensamento da população brasileira. Ele representa o Brasil, pois foi eleito presidente, mas muito do que diz não tem a concordância da maioria. Foi firme e não se intimidou diante da platéia e da possibilidade de protestos – apenas a representação de Cuba se retirou. O que pode ser visto como uma qualidade, coragem de reafirmar suas posições mesmo num ambiente potencialmente hostil, não significa que persistir no erro deixa de ser um defeito.

Só significa que está mais à vontade no cargo, pois quando foi ao Fórum Econômico Mundial de Davos, logo depois de tomar posse, perdeu a chance de marcar posição lendo um discurso de 8 minutos, quando tinha 45 minutos à sua disposição. [se fala pouco o condenam, se fala muito também é condenado. Optou por falar o necessário para deixar claro a posição de independência do Brasil.]

Mas assumiu naquela ocasião compromissos importantes, para incentivar os investidores estrangeiros. Falou em reformas, em abertura da economia, simplificação da burocracia para melhorar ambiente de negócios, diminuição da carga tributária, abertura para o mundo e ainda se comprometeu com preservação do meio ambiente. Coerente com o que está fazendo, com exceção do meio-ambiente.   Ontem na ONU, se preocupou também em agradar os investidores, mas abriu mão de potenciais aliados, contentando-se com o apoio que imagina ter do governo Trump. O problema é que Bolsonaro assume as suas verdades como se refletissem fatos, e esses muitas vezes o desmentem.

Foi um discurso radical, mas sem perder a linha, uma retórica agressiva, mas sem perder a compostura do cargo. O presidente mostrou que tem posição e sabe o que quer. Nem sempre, no entanto, o que ele quer representa o melhor para os interesses do Estado brasileiro, mas apenas ideias pessoais, que podem ser prejudiciais.

Ontem, Bolsonaro perdeu a oportunidade de levar sua assertividade ao porto seguro da conciliação e do entendimento. Ao contrário, reafirmou os pensamentos mais retrógrados, inclusive sobre valores morais e religiosos num cenário inapropriado, mergulhou de volta na Guerra Fria, mas dispensou o apoio da Europa com críticas veladas ao presidente da França Emannuel Macron e à chanceler da Alemanha Angela Merkel.  [Nenhum dos dois citados representam a Europa.] Reafirmar a soberania nacional sobre a Amazônia com ataques a países que deveríamos querer como aliados pode alegrar seu público interno e uma ala mais radical das Forças Armadas, mas não resolve a situação. Só ficamos mais isolados num mundo necessariamente conectado.  


Merval Pereira, jornalista - O Globo