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sexta-feira, 26 de junho de 2020

Mudança de rota - Nas entrelinhas

“A nomeação de Decotelli para a Educação e a passagem do general Ramos para a reserva sinalizam correção de rumo no governo Bolsonaro”

Aparentemente, o presidente Jair Bolsonaro deixou a rota de iminente colisão contra os demais poderes. A mudança ocorreu após forte reação das lideranças do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas, sobretudo, após a prisão de Fabrício Queiroz, seu amigo, ex-assessor parlamentar de seu filho Flávio Bolsonaro (PR), quando o senador ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ambos são investigados no caso das rachadinhas daquela Casa legislativa. Dois fatos assinalam a mudança de curso: a nomeação do novo ministro da Educação, o economista Carlos Alberto Decotelli da Silva, e a passagem para a reserva do  general-de-exército Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, que anunciou a intenção na reunião do Alto Comando do Exército, ontem.

Decotelli substituirá Abraham Weintraub, protagonista de uma gestão espalhafatosa e desastrosa à frente da pasta, com uma narrativa ideológica afinada com o grupo de extrema direita liderado pelo escritor Olavo de Carvalho, guru dos filhos de Bolsonaro. Como prêmio de consolação, o ex-ministro foi indicado para o posto de diretor representante do Brasil no Banco Mundial, mas sua nomeação está sendo questionada por funcionários do órgão. Até para sair do país e entrar nos Estados Unidos, Weintraub foi atabalhoado, pois viajou como se ainda fosse ministro, quando já havia deixado o cargo. Comportou-se como um fugitivo. Weintraub é investigado por causa de suposto envolvimento com grupos de extrema direita que ameaçavam ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem chamou de “vagabundos”, na reunião ministerial de 22 de abril passado.

Primeiro ministro preto do governo Bolsonaro, Decotelli será o terceiro titular da pasta em menos de 1 ano e meio. O primeiro ocupante do posto foi Ricardo Velez, que permaneceu apenas três meses no cargo. Oficial da reserva não-remunerada da Marinha, o novo ministro atuou na Escola de Guerra Naval como professor. Bacharel em ciências econômicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), é mestre pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), doutor pela Universidade de Rosário (Argentina) e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Tem um perfil muito mais de gestor do que de educador, sua nomeação é uma esperança de um comportamento mais conciliador e menos ideológico à frente da pasta, embora seja um conservador e tenha apenas breve passagem pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entre fevereiro e agosto do ano passado. Depois, comandou a Secretaria de Modalidades Especializadas do Ministério.

Verde-oliva
Outra notícia importante foi o anúncio de que o general de exército Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo e principal articulador político do Planalto, passará à reserva. Ele já havia anunciado essa intenção, mas só agora foi oficializada. Sua situação era um fator de tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e o Alto Comando, porque circulavam rumores de que o presidente da República pretendia nomeá-lo para o Comando do Exército, no lugar do general Edson Leal Pujol. Ramos era o 6º na hierarquia de comando, o que resultaria na passagem antecipada para a reserva dos principais generais hoje na ativa. Bolsonaristas fomentavam a intriga, provocando mal-estar entre os militares.


Pelo regulamento atual, militares da ativa somente podem permanecer dois anos fora dos quadros regulares de comando, mesmo ocupando função para as quais, tradicionalmente, são designados militares, no Ministério da Defesa, criado originalmente para ser chefiado por uma autoridade civil, no Gabinete de Segurança Institucional e na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A situação era meio esquizofrênica, porque Ramos é um dos ministros mais poderosos do governo Bolsonaro e, ao mesmo tempo, era subordinado a Pujol na hierarquia militar. Outro alto oficial da ativa praticamente na mesma situação é o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, general de divisão. Ambos são ligados ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, como o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Neto, que também era do Alto Comando, mas passou à reserva logo após assumir o cargo. Quando Azevedo foi o comandante do Leste, Ramos comandou a Vila Militar; Pazuello, a Brigada de Paraquedistas; e Braga Neto era o chefe de Estado-Maior.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo,jornalista - Correio Braziliense


domingo, 14 de julho de 2019

O capitão e os generais - Bernardo de Mello Franco

O Globo

Há quatro anos, uma editora avisou José Murilo de Carvalho de que não tinha planos para sua obra “Forças Armadas e política no Brasil”, então sumida das livrarias. “Eles pensaram que o problema já estava resolvido”, brinca o historiador, um dos principais convidados da 17ª Flip. Com a ascensão da família Bolsonaro, ele decidiu relançar o livro pela Todavia. No prefácio à nova edição, explica por que o assunto voltou à tona.
“A origem militar do presidente eleito em 2018, amplamente alardeada por ele próprio, e a inédita e massiva presença de militares em postos-chave do governo fizeram ressurgir em alguns setores da população o receio de regresso a uma nova ditadura. Justificado ou não, o temor trouxe de volta o interesse pelo tema da relação entre Forças Armadas e política”, escreve.

Bolsonaro na posse do novo ministro da Defesa - Sergio Lima/AFP

Para o imortal da Academia Brasileira de Letras, que faz 80 anos em setembro, a presença de militares no poder não permite dizer que estamos diante de um regime parecido com o de 1964. “Ironicamente, o pouco de sensatez e equilíbrio em meio a posturas radicais e desastrosas do presidente, incentivado por seus apoiadores mais fanáticos, tem sido devido aos generais em posições-chave”, observa. “O curioso é que agora os generais têm que obedecer a um capitão indisciplinado”, acrescenta, em conversa com a coluna em Paraty. [esclarecendo o óbvio: a intenção de enxovalhar os militares, a pretexto de malhar o presidente da República Federativa do Brasil, JAIR BOLSONARO, é tamanha que fingem esquecer que o 'capitão indisciplinado' - absolvido de todas as acusações pelo Superior Tribunal Militar, instância máxima da Justiça Militar da União,e que os generais não obedecem ao capitão e sim ao presidente da República, que é o comandante supremo das FF AA.]
 
Ex-professor da Escola de Guerra Naval, Carvalho pondera que os oficiais de hoje não são iguais aos que lideraram o golpe contra João Goulart. Mesmo assim, ele se diz preocupado com novos episódios de interferência militar na política. Um dos mais barulhentos foi o tuíte do general Eduardo Villas-Bôas em abril de 2018, na véspera de um julgamento do Supremo Tribunal Federal que poderia libertar o ex-presidente Lula. O então comandante escreveu que o Exército estava aliado aos “cidadãos de bem” e “atento às suas missões institucionais”.

“Aquilo foi uma clara ameaça ao Judiciário. E surtiu efeito”, diz Carvalho. Em janeiro, Villas-Bôas deixou a ativa e virou assessor do governo Bolsonaro. Ele dá expediente no Gabinete de Segurança Institucional, chefiado por outro general de quatro estrelas.
Ao atualizar o livro, o historiador notou que a atribuição de papel político aos militares está em cinco das nossas sete Constituições. A atual diz que as Forças Armadas são organizadas “sob a autoridade suprema do presidente da República” e podem ser acionadas pelos Três Poderes a pretexto da garantia “da lei e da ordem”.
“Isso é uma contradição em termos. E se o presidente resolver fechar o Congresso?”, questiona o historiador. “Parece haver um acordo tácito em torno da ideia de que a República ainda precisa dessa bengala”, critica.
Embora as pesquisas mostrem que as Forças Armadas são a instituição mais respeitada pelos brasileiros, Carvalho diz que as trapalhadas do presidente podem afetar a imagem dos militares. “Com toda a maluquice do Bolsonaro, eu esperava que ele aprendesse alguma coisa no cargo”, comenta. A última “asneira”, nas palavras do historiador, foi a indicação do filho para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. “O familismo é típico de governos autoritários”, sentencia. [caso o acadêmico esteja certo, Rodrigues Alves que nomeou um civil para o cargo de embaixador em Washington, cometeu uma asneira, Getulio, incorreu no mesmo erro, Castelo Branco, idem, todos nomearam pessoas de fora da carreira para aquele cargo.]

Bernardo Mello Franco