Orgulho-me de estar à sua direita, mas como servi à diplomacia digo-lhe que o senhor, estando certo, faz errado
Excelentíssimo presidente,
Eu deixei a diplomacia em 1969, depois de 32 anos de serviços. O senhor
era um garoto. Fui secretário-geral do Itamaraty e era chamado de
"Abominável Homem das Nove". Orgulho-me ao dizer que estou à sua
direita. Se o senhor duvida, repito-lhe o que disse a um colega
assombrado com meu discurso ao assumir o cargo:-- Não gosto de diplomatas pederastas, não gosto de diplomatas vagabundos, não gosto de diplomatas bêbados.
Talvez vosmicê tenha simpatia pela memória do presidente John Kennedy. Era um bestalhão e sua morte deixou-me indiferente. Vivi no Rio de
Janeiro antes que Copacabana fosse invadida pela horda pululante e
chinfrim de suburbanos transmigrados e pela lepra das favelas. Deixei um livro de memórias e se um diplomata fosse flagrado lendo-o
durante a desgraçada ruína dos petistas, estaria frito. ("O Mundo em que
Vivi", 1.098 páginas, pesando um quilo.) Minha lembrança foi banida da
Casa a que servi, lutando contra o comunismo e os cabeludos esquerdosos.
Esse currículo é minha credencial para dizer-lhe que o senhor está
fazendo o certo, da maneira errada. Nunca alimentei encrencas públicas
com países com quem temos fronteiras secas. (Nossos limites com a
Venezuela estendem-se por 2.200 km de mata.) Vá lá que seu governo
queira brigar com Cuba, nosso saudoso marechal Castello Branco rompeu
relações diplomáticas com o castrismo, mas não tinha créditos a receber. Os problemas da vida internacional não admitem improvisações fáceis
(desconvidar convidados) nem atitudes emocionais (acicatar a China).
Exigem definições fundadas no conhecimento perfeito dos fatos e em sua
segura interpretação à luz do interesse nacional. E digo mais, exigem
estilo.
Fui embaixador no Uruguai ao tempo em que lá vivia asilado o senhor João
Goulart. Visitei sua filha quando ela foi atropelada e só me referia a
ele em conversas com as autoridades locais como "el señor presidente".
Vivi as delicadas negociações com a Argentina e o Paraguai que
resolveram uma questão de limites e permitiram a construção da
hidrelétrica de Itaipu. Jamais acompanhei a retórica antibrasileira dos
nossos vizinhos. Podia-se detestar o Pio Correa, mas eu não podia
estimular preconceitos contra nossa Pátria.
Mesmo quando deixei a carreira, tornando-me presidente da Siemens,
empenhei minha palavra de honra em várias ocasiões e patrocinei uma
visita de 50 jornalistas europeus ao Brasil, repelindo as denúncias de
torturas sistemáticas a presos políticos. Ainda durante o governo do
general Medici dei-me conta de que havia sido ludibriado. Mais tarde,
muito esquerdistas proclamaram-se campeões da verdade. Ao meu estilo, em
1971, escrevi o seguinte ao chefe do Estado-Maior do Exército, general
Alfredo Malan:
"Menti, sem saber, a quantos me ouviam. Estou hoje convencido, por boas e
suficientes razões, de que a tortura, as torturas mais cruéis, são
desgraçadamente aplicadas em nosso país de forma rotineira e sistemática
a prisioneiros políticos. Iludido estava eu e iludido estará você, como
iludido está o honrado e digno presidente da República que, como eu,
afirmou publicamente o contrário."
Nunca divulguei essa carta porque, como na minha atividade diplomática,
sempre segui o ensinamento do Barão do Rio Branco, tão violentado pela
chusma esquerdista:
"Nada mais ridículo e inconveniente do que andar um diplomata a apregoar vitórias".
De seu fiel admirador,
Pio Correa
A 1ª LEI DE DELFIM
Nesta semana começa o governo de Jair Bolsonaro e não custa repetir a primeira lei do professor Delfim Netto: "Na quarta-feira o presidente terá que abrir a quitanda às 9h da manhã
com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para
atender a freguesia.
Pelos próximos quatro anos a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco.
Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja."
INDULTO
Por trás do vaivém da concessão do indulto de fim de ano por Temer, esteve a decisão de deixar um legado para Bolsonaro.
Concedido, o indulto preservaria o delicado equilíbrio existente nos
presídios do país. Negado, colocaria gasolina nos corredores controlados
por facções criminosas que esperam faíscas capazes de estimular
rebeliões.
Nas últimas semanas Bolsonaro e seu ministro Sergio Moro repetiram
formulações genéricas que fazem sentido para quem está solto e são
promessas de marcianos para quem está preso. Por exemplo: negar a progressão da pena para quem pertence a uma facção
dentro de um presídio. Tudo bem, desde que se faça de conta que em
alguns lugares é possível viver numa cela sem aderir à facção. Quem vai
distinguir o preso primário que aderiu para proteger sua vida e a de sua
família do bandido que chefia o grupo?