Documento do PMDB seria uma forma de sugerir que país pode dar certo, e o partido sabe do que está falando
No próximo
dia 17 o PMDB vai realizar seu congresso nacional. Surpreendentemente,
deu a público sua pauta com mais de duas semanas de antecedência, para
que as propostas sejam debatidas. Surpresa maior ainda: o documento,
chamado de “Uma ponte para o futuro”, faz sentido. Apresenta sugestões
concretas e sérias e pode ser a base de uma contribuição viável para o
país sair do atoleiro e da estagnação. Sem medo de ser impopular e com a
coragem de apostar na racionalidade.
O saudoso jornalista Marcio Moreira Alves falava na “moral homogênea do PMDB” para se referir ao saco de gatos e gatunos em que se transformara o partido, ao sacrificar o modelo de políticos como Ulysses Guimarães, Freitas Nobre e outros exemplos de seus corajosos tempos de oposição à ditadura, e se transformar numa linha auxiliar das forças do atraso, dominado pelo caciquismo, clientelismo, nepotismo, fisiologismo e outros ismos tenebrosos.
Nada levava a crer que um documento como esse que agora a nação examina pudesse sair do partido dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, e de tantos outros nefastos exemplos de falta de ética. No entanto, aí está ele, oferecido à reflexão e ao debate da sociedade, com possibilidade de apontar caminhos e construir pontes, como se propõe. Ou afirma se propor, porque, com o histórico peemedebista, é sempre bom desconfiar. O mínimo de que se desconfia no momento é que o partido quer se qualificar para uma eventual candidatura à Presidência, mostrando-se capaz de analisar a calamitosa situação que vivemos, diagnosticar suas causas e ser racional na sugestão de saídas. Tem o direito. É só querer.
Há quem garanta que tudo faz parte de um lembrete: num eventual impeachment da presidente, caberia a Michel Temer ser um novo Itamar Franco, o vice salvador capaz de botar o país nos trilhos após o pesadelo deste descarrilamento. O documento seria uma forma de sugerir que ele pode dar certo, e o partido sabe do que está falando. Uma plataforma eleitoral às avessas, sem populismo ou teimosia voluntarista. Confiando mais no aceno ao realismo e à competência do que no marketing de pílulas douradas.
Sua primeira qualidade é o gesto em si, de se descolar da pasmaceira teimosa e ousar propor um programa de estabilização que possa atacar as causas do desequilíbrio, com propostas estruturais de reforma fiscal, desengessando o Orçamento de suas vinculações obrigatórias de recursos e acabando de vez com a indexação, de modo a permitir que se rompa o círculo vicioso da inflação.
Nessa ótica, o documento soma outras sugestões para propiciar a retomada do desenvolvimento, como a imposição de limites para despesas de custeio do governo, que teriam de ser obrigatoriamente inferiores ao crescimento do PIB. Outros pontos pressupõem valorizar acordos coletivos frente à rigidez da legislação trabalhista, estabelecer idade mínima para a aposentadoria, enfrentar a reforma previdenciária, apoiar acordos internacionais de comércio que extrapolem o Mercosul, incentivar a iniciativa privada, criar controles independentes para os programas estatais, abandonar o sistema de partilha e voltar ao regime de concessões na exploração do petróleo — sempre com o cuidado de preservar a Petrobras e manter direitos adquiridos.
Algumas dessas medidas podem ser impopulares, mas nada que uma explicação lógica e didática não seja capaz de esclarecer — desde que se respeite a inteligência do cidadão e não se tenha uma oposição desonesta e manipuladora a distorcer a realidade e fantasiá-la de mágica malvada a fazer desaparecer pratos de comida da mesa, livros das carteiras escolares e outros abracadabras.
Economistas e acadêmicos da área, de um modo geral, consideram as propostas positivas. O próprio ministro da Fazenda já deu indicações de ser favorável a seus principais pontos. Os setores mais responsáveis da oposição (excetuando os destrambelhados que não se incomodam de afundar o país, desde que o governo afunde) sinalizam a possibilidade de respaldo a um entendimento coletivo e público em torno de um programa concreto de responsabilidade fiscal e reformas estruturais que permitam romper essa estagnação, sair do Fla-Flu desonesto e mesquinho do “eles contra nós” ou de discussões pseudopolíticas reduzidas ao tamanho de Eduardo Cunha, seu papel e seu inevitável destino.
Não é preciso apostar em impeachment, ver golpistas embaixo da cama ou desqualificar adversários, para buscar saídas para o Brasil. Elas podem passar por um processo de análise isenta, discussão de propostas e busca de acordos amplos, respeitando opiniões diferentes que não briguem com os fatos. Mesmo que a folha corrida do PMDB não o recomende e ainda que os presidentes da Câmara e do Senado não nos permitam esquecer aonde seus quadros são capazes de chegar, o programa que o partido sugere não deixa de ser um ponto de partida para a discussão das indispensáveis mudanças que o país terá de fazer.
Fonte: Ana Maria Machado, escritora - O Globo
O saudoso jornalista Marcio Moreira Alves falava na “moral homogênea do PMDB” para se referir ao saco de gatos e gatunos em que se transformara o partido, ao sacrificar o modelo de políticos como Ulysses Guimarães, Freitas Nobre e outros exemplos de seus corajosos tempos de oposição à ditadura, e se transformar numa linha auxiliar das forças do atraso, dominado pelo caciquismo, clientelismo, nepotismo, fisiologismo e outros ismos tenebrosos.
Nada levava a crer que um documento como esse que agora a nação examina pudesse sair do partido dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, e de tantos outros nefastos exemplos de falta de ética. No entanto, aí está ele, oferecido à reflexão e ao debate da sociedade, com possibilidade de apontar caminhos e construir pontes, como se propõe. Ou afirma se propor, porque, com o histórico peemedebista, é sempre bom desconfiar. O mínimo de que se desconfia no momento é que o partido quer se qualificar para uma eventual candidatura à Presidência, mostrando-se capaz de analisar a calamitosa situação que vivemos, diagnosticar suas causas e ser racional na sugestão de saídas. Tem o direito. É só querer.
Há quem garanta que tudo faz parte de um lembrete: num eventual impeachment da presidente, caberia a Michel Temer ser um novo Itamar Franco, o vice salvador capaz de botar o país nos trilhos após o pesadelo deste descarrilamento. O documento seria uma forma de sugerir que ele pode dar certo, e o partido sabe do que está falando. Uma plataforma eleitoral às avessas, sem populismo ou teimosia voluntarista. Confiando mais no aceno ao realismo e à competência do que no marketing de pílulas douradas.
Sua primeira qualidade é o gesto em si, de se descolar da pasmaceira teimosa e ousar propor um programa de estabilização que possa atacar as causas do desequilíbrio, com propostas estruturais de reforma fiscal, desengessando o Orçamento de suas vinculações obrigatórias de recursos e acabando de vez com a indexação, de modo a permitir que se rompa o círculo vicioso da inflação.
Nessa ótica, o documento soma outras sugestões para propiciar a retomada do desenvolvimento, como a imposição de limites para despesas de custeio do governo, que teriam de ser obrigatoriamente inferiores ao crescimento do PIB. Outros pontos pressupõem valorizar acordos coletivos frente à rigidez da legislação trabalhista, estabelecer idade mínima para a aposentadoria, enfrentar a reforma previdenciária, apoiar acordos internacionais de comércio que extrapolem o Mercosul, incentivar a iniciativa privada, criar controles independentes para os programas estatais, abandonar o sistema de partilha e voltar ao regime de concessões na exploração do petróleo — sempre com o cuidado de preservar a Petrobras e manter direitos adquiridos.
Algumas dessas medidas podem ser impopulares, mas nada que uma explicação lógica e didática não seja capaz de esclarecer — desde que se respeite a inteligência do cidadão e não se tenha uma oposição desonesta e manipuladora a distorcer a realidade e fantasiá-la de mágica malvada a fazer desaparecer pratos de comida da mesa, livros das carteiras escolares e outros abracadabras.
Economistas e acadêmicos da área, de um modo geral, consideram as propostas positivas. O próprio ministro da Fazenda já deu indicações de ser favorável a seus principais pontos. Os setores mais responsáveis da oposição (excetuando os destrambelhados que não se incomodam de afundar o país, desde que o governo afunde) sinalizam a possibilidade de respaldo a um entendimento coletivo e público em torno de um programa concreto de responsabilidade fiscal e reformas estruturais que permitam romper essa estagnação, sair do Fla-Flu desonesto e mesquinho do “eles contra nós” ou de discussões pseudopolíticas reduzidas ao tamanho de Eduardo Cunha, seu papel e seu inevitável destino.
Não é preciso apostar em impeachment, ver golpistas embaixo da cama ou desqualificar adversários, para buscar saídas para o Brasil. Elas podem passar por um processo de análise isenta, discussão de propostas e busca de acordos amplos, respeitando opiniões diferentes que não briguem com os fatos. Mesmo que a folha corrida do PMDB não o recomende e ainda que os presidentes da Câmara e do Senado não nos permitam esquecer aonde seus quadros são capazes de chegar, o programa que o partido sugere não deixa de ser um ponto de partida para a discussão das indispensáveis mudanças que o país terá de fazer.
Fonte: Ana Maria Machado, escritora - O Globo