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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

O terrorismo e a certeza do imprevisto - Revista Oeste

Paula Schmitt

Governos ampliam definição de “terrorismo” para perseguir opositores políticos 

Manchetes de jornais com o termo "terrorista", em referência aos vândalos que invadiram o Palácio do Planalto, em Brasília | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução
Manchetes de jornais com o termo "terrorista", em referência aos vândalos que invadiram o Palácio do Planalto, em Brasília | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução 
 
De todas as sandices de uma imprensa que já deixou de fazer jornalismo há muito tempo, uma das mais vergonhosas foi a adoção do termo “terrorista” para descrever as mais de mil pessoas detidas em Brasília, no dia 8 de janeiro.  
E, de todos os poucos assuntos sobre os quais eu posso falar com suficiente autoridade, terrorismo é exatamente um deles.
 
Sou a única mulher do mundo a ter entrevistado com exclusividade Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, grupo oficialmente designado como terrorista desde 1997 por vários governos, particularmente o dos Estados Unidos
Eu entrevistei também o outro lado desse desamor mútuo: Shabtai Shavit, ex-chefe do Mossad, por sua vez acusado de “terrorismo de Estado” por vários grupos armados.
Eu também entrevistei para a mesma revista israelense a primeira mulher a sequestrar um avião de carreira, Leila Khaled, membro da Frente Popular de Libertação da Palestina
Cito esses trabalhos para dizer, com toda convicção e conhecimento, que o que aconteceu em Brasília não foi terrorismo, e dizer o contrário é de uma ignorância extrema — ou desonestidade vexaminosa.
Sayyid Hassan Nasrallah, libanês e secretário-geral do partido
 e organização armada xiita Hezbollah | Foto: Wikimedia Commons

O ator, diplomata e escritor Peter Ustinov é autor de uma frase que sintetiza o paradoxo da definição de terrorismo: “Terrorismo é a guerra dos pobres; e a guerra é o terrorismo dos ricos”. Essa questão não é menor, e eu já tive o desprazer de uma briga pública com a Folha por causa dessa e de outras definições, quando um editor do jornal se achou no direito de quebrar nosso acordo e alterar minhas palavras (o Observatório da Imprensa cobriu esta questão na época.) Mas uma definição de terrorismo que nunca vi na vida — nem como piada — é aquela descrita pela destruição de prédios públicos com hora marcada, cometida por uma turba de vândalos.

Para que não reste dúvida: quem destrói patrimônio, público ou privado deve pagar por isso. Depredação é crime, e sempre me manifestei contra ela: desde a derrubada de “estátuas terroristas” (feitas por agitadores se fazendo passar por manifestantes), quanto à depredação de lojas por arruaceiros de aluguel, que em vários lugares dos EUA destruíram o trabalho suado de microempresários negros ao se manifestar contra a “opressão branca,” como mostra essa reportagem da NPR. O que vimos em Brasília, contudo, é uma das coisas mais desprezíveis já cometidas por autoridades em uma democracia: a prisão de inocentes sem qualquer flagrante ou evidência de crime, e um misterioso desinteresse por quem de fato foi pego cometendo atos de vandalismo e depredação.

Cúpula Mundial Contraterrorismo, em Herzelia, setembro de 2013 - 
 Foto: Paula Schmitt
Aqui, neste vídeo, é possível ver uma manifestante filmando o que parece ser um agitador, ou infiltrado, tentando causar um incêndio contra a vontade de quem estava à sua volta. Aqui, aqui, aqui e aqui, vídeos sem edição, feitos no calor do momento, deixam claro que a maioria das pessoas presentes não tinha intenção nenhuma de causar estrago ao patrimônio público. Alguns dos vídeos chegam a mostrar infiltrados sendo perseguidos e capturados pelos manifestantes. 
É possível ouvir alguns reclamando que, se o agitador for entregue à polícia, sua identidade jamais será revelada. Aqui, neste outro vídeo, feito por uma câmera de segurança interna, um homem vestindo uma camiseta com o rosto de Bolsonaro destrói um relógio antigo, inexplicavelmente posando para a câmera e assim garantindo que sua camiseta seja devidamente filmada.

Esse vídeo é especialmente interessante porque o vândalo está usando uma calça caída abaixo da bunda, expondo todo o seu traseiro, algo que nem nos devaneios mais delirantes eu imaginaria ver num protesto de pessoas de direita. 
Essa exposição descomedida, frequentemente vista como uma imitação de rappers ou criminosos, é uma moda inspirada nas prisões norte-americanas. 
Alguns acreditam que isso começou como uma espécie de sinalização de “disponibilidade,” uma comunicação não verbal feita por prisioneiros que se ofereciam para ser sodomizados. A teoria mais aceita, no entanto, parece ser que os uniformes na prisão às vezes são largos demais, e as calças caem porque cintos aumentam a chance de suicídio, e portanto não são distribuídos junto com o uniforme de presidiário.

[a estupidez desse 'murakawa' excede  até a capacidade ignorante do mais estúpido dos esquerdistas; sou flamenguista, odeio o Corinthians e os corintianos, mas pela ótica idiotizada do 'murakawa'  caso vista uma camisa daquele tipo viro corintiano.] 

Parece existir uma certa confusão sobre qual lei enquadraria os crimes cometidos contra o patrimônio público no dia 8 de janeiro. Em casos anteriores similares, ou até mais dramáticos e violentos, ninguém foi preso por terrorismo, e os crimes foram tratados pela imprensa como vandalismo, arruaça, baderna. [CONFIRA casos protagonizados pela esquerda, que  não geraram punições nem mesmo multas -  AQUI, MAIS UM.]

O que vimos em Brasília, contudo, é uma das coisas mais desprezíveis já cometidas por autoridades em uma democracia: a prisão de inocentes sem qualquer flagrante ou evidência de crime, e um misterioso desinteresse por quem de fato foi pego cometendo atos de vandalismo e depredação

A definição de “terrorismo” vem sendo ampliada por governos de vários países, para incluir mais alvos e restringir liberdades individuais. A ideia é englobar atos domésticos, especialmente os de cunho ideológico, porque assim é fácil controlar e perseguir a oposição. 
 Além disso, o selo de “terrorista” ajuda a vender mais jornais do que a pecha de “arruaceiro”
Crianças, a mídia em geral e pessoas menos inteligentes e mais facilmente impressionáveis são alvos fáceis para esse tipo de propaganda. Existe ainda uma outra vantagem: o combate ao terrorismo justifica muita coisa, principalmente coisas injustificáveis.
No livro A Fábrica do Terror, o jornalista investigativo Trevor Aaronson conta como o FBI a força responsável pelo combate ao terrorismo em solo norte-americano — “criou e financiou mais planos terroristas nos EUA do que qualquer outro grupo”. 
Aaronson analisou todos os 508 casos federais de terrorismo nos EUA desde os ataques de 11 de setembro até 2011. Desses casos, 250 envolviam pessoas acusadas apenas de mentir ou violar regras de imigração.
Leila Khaled, em sua casa em Amã. Na parede, o famoso retrato 
dela segurando um fuzil Kalashnikov e, no sofá, uma camiseta 
feita pela Mlabbas exclusivamente para ela | Foto: Paula Schmitt
Outros 150 acusados foram pegos em arapucas policiais que, segundo o autor, foram “totalmente criadas pelo FBI ou um agente infiltrado que encontrou alvos potenciais em homens sem antecedentes criminais, frequentemente com problemas mentais ou em situação econômica desesperadora, e forneceu a eles todo o necessário para cometer o crime: os parceiros, o pagamento em dinheiro, o equipamento, e às vezes até a ideia. De fato, apenas seis das 508 pessoas processadas tinham conexão com o terrorismo ou possuíam armas adquiridas por conta própria, sem a ajuda do FBI”
O detalhe mais chocante e embaraçoso é o seguinte: nenhuma dessas seis pessoas genuinamente culpadas foi pega pelo FBI antes do ataque.
 
O terrorismo, em sua definição mais costumeira e acadêmica, requer uma coisa crucial: que o medo se espalhe. 
Para isso, é necessário que o alvo não seja conhecido de antemão. 
O que aconteceu em Brasília foi o oposto: uma manifestação anunciada, com data e local marcados, e sem uma única vítima
O terrorismo prefere alvos imprevisíveis, com datas inesperadas, porque assim qualquer um pode ser vítima, e portanto todos ficam potencialmente aterrorizados, presos pelo medo.
 
Em 2005, enquanto eu participava de uma conversa entre alunos e o professor Tarif Khalidi, na Universidade Americana de Beirute, onde fazia meu mestrado em ciências políticas, o vidro da janela da sala se estilhaçou. Naquele momento, a menos de 2 quilômetros da universidade, mais de 1 tonelada de explosivos matou o ex-primeiro-ministro Rafic Hariri e outras 22 pessoas. 
Aquilo foi assustador, e certamente amedrontou muita gente por muito tempo. 
Mas nem aquele ataque é um ato de terrorismo, na sua acepção mais exata, e sim um assassinato político. Sim, várias pessoas morreram, mas o alvo era um: Rafic Hariri.

A definição de “terrorismo” vem sendo ampliada por governos de vários países, para incluir mais alvos e restringir liberdades individuais. A ideia é englobar atos domésticos, especialmente os de cunho ideológico, porque assim é fácil controlar e perseguir a oposição. Além disso, o selo de “terrorista” ajuda a vender mais jornais do que a pecha de “arruaceiro”

Outros carros-bombas explodiram nos anos seguintes, mas esses tampouco se enquadram na definição mais estrita de ataque terrorista, porque seus alvos eram específicos. Esses crimes são conhecidos em inglês como “targeted assassinations” ou “assassinatos direcionados.”  
Por certo eles espalharam o terror, e eu mesma tive medo de que algum carro explodisse enquanto eu estivesse passando por algum alvo. 
Essa incerteza sobre o próximo ataque, e a quase certeza de vítimas ocasionais, talvez possa enquadrar esses crimes na classificação de terrorismo.
 Mas o objetivo principal desses ataques não era espalhar o terror, ou obrigar o governo a ceder a alguma demanda política — o objetivo era essencialmente matar inimigos de um certo grupo político ou inimigos de algum governo estrangeiro.
O terrorismo se vale principalmente da incerteza, e da noção de que ninguém está protegido dele. Por isso explosões em restaurantes, igrejas, prédios comerciais são ataques tipicamente terroristas: porque ninguém e todo mundo são alvo. 
A guerra de julho de 2006 entre Israel e Líbano, que eu cobri para o SBT e a Radio France Internationale, também não foi terrorismo, porque até guerra tem regras. 
O truque do terrorismo é convencer a todos que ele não segue regra nenhuma, e assim deixar todas as possibilidades abertas, e o medo devidamente espalhado em todas as dimensões.  
O terrorismo aterroriza o cidadão pela imprevisibilidade, e a certeza de que não importa o que você faz, por onde anda, com quem está: ele sempre vai poder te alcançar tipo um juiz que não cumpre mais a lei, e não tem nenhum limite legal, e assim passa a ser uma ameaça à liberdade de todos, porque todos — e qualquer um — podem ser seus alvos.

Leia também “Brasília, 8 de janeiro de 2023”


Paula Schmitt, jornalista  - Revista Oeste