O Estado de S.Paulo
Governo emite sinais trocados e Brasil começa a se dividir. Coronavírus agradece
Eta gripezinha que está custando caro! O presidente da República fala
para um lado e os ministérios agem para o outro, anunciando montanhas de
dinheiro para enfrentar o abandono dos miseráveis que precisam do Bolsa
Família, a insegurança dos informais e a dramática ameaça aos empregos.
Isolamento, sim, para salvar vidas. E medidas emergenciais para reduzir
os danos na economia.
É a realidade se impondo, com as lições vindo assustadoramente de fora.
Se não quer ouvir a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da
Saúde, a ciência e as estatísticas, o presidente deve ao menos se
informar sobre o que aconteceu nos dois países mais afetados pelo
Covid-19 no mundo. Nos Estados Unidos, seu tão amado Trump foi obrigado a
recuar e agora clama para os americanos ficarem em casa. Na Itália, o
mea culpa do prefeito de Milão é um grito de alerta. [Em Brasília/DF, a capital do 'isolamento', a primeira morte por Covid-19, acontece dentro de um hospital público - HRAN, referência para tratamento da Covid-19 - paciente não estava sob isolamento, tendo a morte ocorrido em um andar do hospital - área não destinada ao isolamento.
Trump, como o “amigo” brasileiro, minimizou o coronavírus até que os EUA
passaram a ser o epicentro da doença, ultrapassando os cem mil
infectados e beirando 1.500 mortos. Só aí ele se rendeu à única “vacina”
contra a pandemia: o isolamento social. Na Itália, o prefeito de Milão
desdenhou do tsunami, animando as pessoas a saírem. Agora admite:
“Errei”. Tarde demais. Os italianos já contabilizam mais de 9 mil
mortes, 919 só na sexta-feira. “Infelizmente, algumas mortes terão. Paciência, acontece, e vamos tocar o
barco”, conformava-se o presidente brasileiro no mesmo dia, ignorando
alertas e estatísticas, a lógica, o bom senso, a humanidade. Pior: a
responsabilidade. Tudo em nome do seu novo slogan político: “O Brasil
não pode parar”. O problema é que, se milhões são contaminados e
milhares morrem, aí é que o Brasil vai parar. Só não vê quem põe sua
visão pessoal acima das evidências.
[Não isolamento = atividades econômica = letalidade = igual a da Covid-19 = estimada em um máximo de 3%.
Isolamento = economia parada = inanição = letalidade = 100%.
Num país dividido, com um governo que emite sinais trocados,
governadores e prefeitos, em maioria, decidem deixar o capitão falando
sozinho e se articulam para enfrentar a pandemia, acolher os infectados e
evitar mortes, enquanto os do Nordeste lançam manifesto “pela vida”.
Mas o efeito do comando do presidente contra o isolamento já se faz
sentir, com governadores aliados de Mato Grosso, Santa Catarina,
Rondônia e Roraima se assanhando para flexibilizar o isolamento. [articulação de governadores para derrubar o presidente? = impedir que o Presidente da República governe?
A Constituição Federal,em vigor, tem a solução para essa agressão a um dos Poderes da República = Poder Executivo federal.
A solução é: o presidente da República acionar o artigo 142, da CF.]
Na sociedade, o mesmo. CNBB (bispos), OAB (advogados), ABI (imprensa),
SBPC (ciência), ABC (ciência) e Comissão de Direitos Humanos de São
Paulo fazem alerta “em defesa da vida” e conclamam a população a “ficar
em casa”, em respeito à ciência, aos profissionais de saúde e à
experiência internacional. Do outro lado, as falas e a campanha do presidente produzem aumento de
pessoas nas ruas, shoppings de Minas reabrindo, a ofertazinha bacana da
CNI em tempos de gripezinha: testes rápidos de coronavírus, de 15 em 15
dias, para 9,4 milhões de trabalhadores industriais. Isolamento social?
“Só para pessoas com exame positivo.”
Bolsonaristas vão alegremente às ruas contra o isolamento. Mas de carro,
que ninguém é besta, enquanto defendem que seus empregados se exponham
ao vírus em ônibus e metrôs e garantam seu lucro. Só não entenderam
ainda, e vão entender na marra, que, se os trabalhadores se
contaminarem, eles também vão se contaminar, depois contaminar seus
amores, famílias, amigos. E, “infelizmente, algumas mortes virão...”,
lembram?
É profundamente importante, sim, reduzir os danos na economia, nos
empregos, na pobreza. E é por isso que o Estado está devidamente
flexibilizando a prioridade fiscal para tomar as medidas necessárias. O
que não pode é desdenhar da morte em nome da economia. Até porque nada
comprova a eficácia desse método ignorante e desumano (para não buscar
adjetivos e referências pavorosas na história).
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo