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sábado, 1 de outubro de 2022

Da Inglaterra à Itália, experiências de direita que vale seguir - Mundialista

Apesar dos erros, há evolução

“Um conservador é um homem com duas pernas perfeitamente boas que, no entanto, nunca aprendeu a andar para a frente”, definiu sibilinamente Franklin Roosevelt, quatro vezes eleito presidente dos Estados Unidos e santo mais venerado no altar do Partido Democrata americano. Detalhe: ele perdeu aos 39 anos o uso das pernas, por uma doença devastadora que pode ter sido paralisia infantil ou a pouco conhecida à época síndrome de Guillain-Barré
 
 Duas mulheres conservadoras, embora de correntes muito diferentes, estão desafiando neste momento a definição de Roosevelt: querem andar para a frente — mesmo que deixem um rasto de choque e espanto à sua passagem. Uma delas é Liz Truss, a nova primeira-ministra britânica. Ela sempre foi considerada pela elite conservadora como segundo time e até ridicularizada por querer imitar as roupas de Margaret Thatcher. Agora, está sendo execrada pelo pacote de medidas econômicas que simplesmente implodiu o consenso reinante sobre economia. 
O tsunami de cortes de impostos, desburocratização e incentivos à competitividade que o ministro da Economia de Liz Truss, Kwasi Kwarteng, anunciou levou um comentarista a escrever que precisou “se beliscar para ter certeza de que não estava sonhando, que não havia sido transportado para uma terra distante onde as pessoas realmente acreditam nos princípios econômicos de Milton Friedman e Hayek”.

“Liz Truss e Meloni terão de mostrar se vieram para construir ou, involuntariamente, derrubar a casa”

É uma experiência arriscadíssima num momento de inflação alta, crise energética, desvalorização da moeda e aumento dos gastos públicos. Para os simpatizantes, é a sirene da polícia que anuncia a chegada da salvação nos minutos finais do filme. 

Os adversários, inclusive à direita, acham que Liz Truss, ao querer ser mais Thatcher do que Thatcher, sem a férrea disciplina fiscal da Dama idem, assinou não só a própria sentença de morte como a de todo o Partido Conservador. O que seria uma master class de liberalismo econômico de repente pendeu para uma catástrofe em câmera acelerada. Liz Truss teve as ideias certas no momento errado ou as erradas no pior momento possível?

O que acontecerá na Itália com um governo liderado por Giorgia Meloni também responderá a perguntas importantes. 
Poderá ela se redimir das origens neofascistas, a praga que assombra a extrema direita europeia? 
Existe lugar num país da Europa Ocidental para uma direita nacionalista à la Trump? [Na América do Sul existe um: BRASIL = próximo aos ideais de Marine Le Pen.]
 Propiciará uma política econômica estatista mais parecida com as ideias de Marine Le Pen e irreconhecível para os que pensam como a quase libertária Liz Truss?

Numa coisa ela já evoluiu: saltou do bonde das simpatias da direita populista por Vladimir Putin, aclamado como um defensor de princípios tradicionais e cristãos. [fechamos com essa definição dos ideais  do presidente russo Putin.] Foi um dos maiores erros dessa corrente política nos últimos tempos. Putin é o homem que condecorou militares que estupraram, torturaram e assassinaram civis. A Ucrânia, ao contrário, encarna valores venerados pela direita: liberdade, independência, patriotismo, bravura — e paixão por armas bem grandes. [A Ucrânia tem a sua versão e a Rússia também; o ponto em comum é que a guerra  em curso é de desgaste, só acabando com o fim da Ucrânia ou Zelenski sendo afastado.] Giorgia Meloni sempre cita Roger Scruton, a face refinada do conservadorismo contemporâneo, e sua síntese do que ele significa: “As coisas boas são facilmente destruídas, mas não facilmente criadas”.

Ela e Liz Truss terão de mostrar se vieram para construir ou, involuntariamente, derrubar a casa.

Publicado em VEJA, edição nº 2809 de 5 de outubro de 2022, 


 


 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Justiça Eleitoral - Sobram motivos para ministros do STF não presidirem esta eleição - Gazeta do Povo

Alexandre Garcia 

Outro dia eu comentei aqui sobre a estranheza de não se declararem impedidos por suspeição – é uma questão de mulher de César, que não basta ser honesta, tem que parecer honesta os ministros do Supremo que confirmaram a anulação dos processos de Lula, que votaram naquele 8 a 3 no STF.  
Os três do Supremo que estão na Justiça Eleitoral, dirigindo essa eleição Cármen Lúcia; Ricardo Lewandowski, vice do TSE; e Alexandre de Moraes, presidente do TSE –, votaram para anular os processos de Lula, e agora estão presidindo uma eleição de que Lula é participante. Com uma agravante: Alexandre de Moraes foi secretário do vice de Lula, quando o vice de Lula era governador de São Paulo
É vínculo demais para um juiz não se declarar impedido, não dizer que não poderia estar nesse caso por ter muito vínculo. 
Isso é óbvio, funciona assim na Justiça do mundo inteiro. É uma questão de princípio, de ética, mas no Brasil é diferente.

Alexandre de Moraes, presidente do TSE, foi um dos oito ministros do STF que votaram para anular os processos de Lula na Lava Jato.| Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Agências de checagem estão dormindo?
Vejam que divertido. Um grande jornal, que tem um instituto de verificação que se chama Verifica, noticiou um terremoto no México, na costa do Pacífico, e informou que chegou a ser emitido um alarme de tsunami na capital, a Cidade do México. 

Isso não passou pela verificação, porque a Cidade do México fica a 280 quilômetros do litoral do Pacífico e a uma altitude de 2.240 metros acima do nível do mar. Precisaria ser um tsunami daqueles.

Lula chama reforços para sua campanha
Aliás, o candidato Lula não está acreditando nas pesquisas, porque chamou reforços. Convocou ex-candidatos à Presidência da República para uma reunião. Foram Guilherme Boulos, Luciana Genro, Cristovam Buarque, Marina Silva, Fernando Haddad, um filho de João Goulart e até Henrique Meirelles, com Lula pedindo o apoio de todos eles.

Após funeral da rainha, Bolsonaro fala na ONU

Enquanto isso, o presidente Bolsonaro fala nesta terça-feira na ONU, abrindo a Assembleia Geral depois de ter estado nos funerais da rainha Elizabeth II, em que brilharam a elegância, a classe, a postura da nossa primeira-dama, representando o Brasil. 
Aliás, uma das candidatas à Presidência da República, senadora Soraya Thronicke, pediu ao TSE para impedir Bolsonaro de mostrar as imagens de Londres. 
Eu fico pensando que esse pedido equivale a dizer que Michelle estava linda demais, elegante demais, com classe demais. Não mostrem, por favor. Parece algo assim.

Veja Também:

 Igualdade de gênero e combate à violência: as propostas dos presidenciáveis para as mulheres

Candidaturas coletivas ganham força, mas mandato compartilhado não tem previsão em lei

 Fachin quer acabar com a “violência política” com uma canetada

Diesel mais barato e previsões de inflação em queda
A partir desta terça está em vigor a terceira redução no preço do diesel. Era algo de que estávamos precisando. São 30 centavos a menos, uma redução de 5,8%. 
A gasolina, como se sabe, teve várias reduções nas últimas 12 semanas, totalizando 33%. São excelentes notícias. Cada vez mais cai a previsão de inflação: agora está em 6%. Nossa inflação está mais baixa que a dos Estados Unidos, da Alemanha, da França, da zona do euro.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos. 

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quinta-feira, 14 de julho de 2022

A Alemanha “verde” se prepara para acender as fornalhas - Revista Oeste

J.D. TUCCILLE, da Reason

Desejos e pó mágico para criar uma utopia verde acabaram gerando pedaços de carvão 

 De alguma forma, a Alemanha, um país onde o governo está fortemente comprometido com a energia limpa, está se preparando para acender as usinas de energia a carvão
O movimento é ainda mais impressionante considerando que representantes do governo teimam em não reativar as mofadas usinas nucleares, ou mesmo reconsiderar o calendário para aposentar as que continuam ativas. 
É uma situação espantosa para uma nação que muito recentemente anunciou que logo atenderia a todas as suas necessidades de energia com luz do sol e brisas de verão.


quarta-feira, 7 de abril de 2021

Ofensiva ou defensiva? E uma lembrança sobre 1964 - Alon Feuerwerker

Análise Política

As movimentações do poder nos últimos dias permitem pelo menos duas leituras. 
Uma diz que a troca dos comandantes das Forças Armadas faz parte de certo rearranjo numa ofensiva política do presidente da República. Expressão desse raciocínio é a palavra “golpe” ter dado as caras com assiduidade durante algumas horas.

Em especial no intervalo entre a demissão da antiga cúpula militar e o anúncio da nova.  Cada um tem sua própria opinião, mas a minha é que talvez tenha sido o contrário. Talvez o movimento presidencial tenha sido essencialmente defensivo, parte da construção de barreiras protetivas num período em que a ofensiva é dos adversários ferrenhos, circunstância que sempre embute o risco de provocar desequilíbrios em aliados não tão orgânicos assim.

O cenário das últimas semanas combina números trágicos e explosivos da Covid-19, dúvidas disseminadas sobre o ritmo da vacinação, desconforto sobre o valor do novo auxílio emergencial, temores de perda de fôlego da atividade econômica, conflito aberto do presidente com a maioria dos governadores em torno das medidas de isolamento social. E até dias atrás juntava-se a isso a encrenca do então chanceler com o Senado Federal.

Em certo momento da confusão, o presidente da Câmara, último muro que separa a oposição de entrar no terreno do impeachment, ligou o sinal amarelo. Quem avisa, aliado é. A partir dali, ficar parado não era mais opção para Jair Bolsonaro. Ele entrava na situação corriqueira dos presidentes brasileiros: ter de oferecer os anéis antes de perder os dedos.

Mas só recuar provocaria efeitos colaterais indesejados. Preservaria forças e recursos do poder. Mas também transmitiria sinal de fraqueza. Que sempre tem uma resultante perigosa: acender ainda mais apetites. Na última linha, a política não se define pelo sentimento de gratidão, define-se pela correlação de forças. Quem quer sobreviver precisa ter força, ou ao menos dar a impressão.

É fácil constatar. Se Bolsonaro tivesse apenas trocado o chanceler e aberto espaço no núcleo do Planalto para uma aliada do presidente da Câmara, o noticiário giraria em torno do recuo do presidente sob pressão. Como ele, ao mesmo tempo, deu certo sinal de “manda quem pode”, trazendo as Forças Armadas para dançar, o jogo simbólico ficou algo equilibrado.

Sim, apenas equilibrado, porque restou claro que os novos comandantes foram indicados em consenso com o escalão mais alto de cada força. Assim, ao final, todo mundo mostrou um pouco de dentes: a Câmara dos Deputados, o Senado, o Presidente da República e a turma das quatro estrelas na Marinha, no Exército e na Aeronáutica.

E segue o jogo. E qual é esse jogo? Há a necessidade de combater a pandemia e retomar a economia, claro, mas a bússola política está apontada mesmo é para 2022. Aliás, esse talvez seja o principal saldo semiótico das últimas semanas. Tem projeto? Então foco. Prepara-te para outubro do ano que vem. As outras opções são bem menos prováveis.

Pois, a rigor, ninguém relevante está, tirando a retórica, interessado numa ruptura. Entre os vários motivos: ao contrário de Fernando Collor e Dilma Rousseff, o vice agora não é uma ponte potencial dos políticos para a ocupação do governo. E outro detalhe: numa ruptura digna do nome, não tem seguro que proteja 100% de ser tragado pelo tsunami.

Sobre tsunamis, esta semana registrou-se mais um aniversário de 31 de março de 1964. Como habitual, reacendeu-se a discussão sobre o que teria acontecido se Jango não tivesse sido derrubado. Debate que persistirá para a eternidade. Uma coisa, porém, é certeza. Nem Juscelino Kubitschek, nem Jânio Quadros e muito menos Carlos Lacerda eram comunistas. Todos apoiaram a deposição de João Goulart. E quem não souber o que aconteceu depois com eles, é só procurar no Google.

Recomendamos ler, clique aqui

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

 

sábado, 3 de abril de 2021

Ofensiva ou defensiva? E uma lembrança sobre 1964 - Alon Feuerwerker

Analise Política

As movimentações do poder nos últimos dias permitem pelo menos duas leituras. Uma diz que a troca dos comandantes das Forças Armadas faz parte de certo rearranjo numa ofensiva política do presidente da República. Expressão desse raciocínio é a palavra “golpe” ter dado as caras com assiduidade durante algumas horas.

Em especial no intervalo entre a demissão da antiga cúpula militar e o anúncio da nova. Cada um tem sua própria opinião, mas a minha é que talvez tenha sido o contrário. Talvez o movimento presidencial tenha sido essencialmente defensivo, parte da construção de barreiras protetivas num período em que a ofensiva é dos adversários ferrenhos, [os de sempre:arautos do pessimismo + adeptos do 'quanto pior, melhor', membros do establishment + os escalados para perder = inimigos do Brasil e da Partia, da Família, da Igreja e dos VALORES CRISTÃOS E MORAIS. Em suma hienas, vermes e chacais. circunstância que sempre embute o risco de provocar desequilíbrios em aliados não tão orgânicos assim.

O cenário das últimas semanas combina números trágicos e explosivos da Covid-19, dúvidas disseminadas sobre o ritmo da vacinação, desconforto sobre o valor do novo auxílio emergencial, temores de perda de fôlego da atividade econômica, conflito aberto do presidente com a maioria dos governadores em torno das medidas de isolamento social. E até dias atrás juntava-se a isso a encrenca do então chanceler com o Senado Federal. [nesse período de ajustes vale aproveitar para lembrar ao Pacheco e Lira, que o grande invasor da competência dos outros Poderes é o Supremo, mas que os próceres do Legislativo nao podem nem devem se intrometer nos assuntos do Executivo.
Executivo e Legislativo  fiquem atentos aos arroubos invasores do Poder Judiciário e este por sua vez deve se aliar ao Executivo para mostrar  ao Legislativo que este tem que respeitar a esfera de influência dos outros Poderes.
Cada um no seu quadrado. 
Presidente Bolsonaro cuidado com os traidores]
Em certo momento da confusão, o presidente da Câmara, último muro que separa a oposição de entrar no terreno do impeachment, ligou o sinal amarelo. [o presidente da Câmara pode, em  decisão solitária,arquivar um pedido de impeachment. Mas, ao optar por aceitar não garante que o impeachment decole.],
Quem avisa, aliado é. A partir dali, ficar parado não era mais opção para Jair Bolsonaro. Ele entrava na situação corriqueira dos 
presidentes brasileiros: ter de oferecer os anéis antes de perder os dedos. 

Mas só recuar provocaria efeitos colaterais indesejados. Preservaria forças e recursos do poder. Mas também transmitiria sinal de fraqueza. Que sempre tem uma resultante perigosa: acender ainda mais apetites. Na última linha, a política não se define pelo sentimento de gratidão, define-se pela correlação de forças. Quem quer sobreviver precisa ter força, ou ao menos dar a impressão.

É fácil constatar. Se Bolsonaro tivesse apenas trocado o chanceler e aberto espaço no núcleo do Planalto para uma aliada do presidente da Câmara, o noticiário giraria em torno do recuo do presidente sob pressão. Como ele, ao mesmo tempo, deu certo sinal de “manda quem pode”, trazendo as Forças Armadas para dançar, o jogo simbólico ficou algo equilibrado.

Sim, apenas equilibrado, porque restou claro que os novos comandantes foram indicados em consenso com o escalão mais alto de cada força. Assim, ao final, todo mundo mostrou um pouco de dentes: a Câmara dos Deputados, o Senado, o Presidente da República e a turma das quatro estrelas na Marinha, no Exército e na Aeronáutica. [pergunta-se: quem é o dono do fuzil?]

E segue o jogo. E qual é esse jogo? Há a necessidade de combater a pandemia e retomar a economia, claro, mas a bússola política está apontada mesmo é para 2022. Aliás, esse talvez seja o principal saldo semiótico das últimas semanas. Tem projeto? Então foco. Prepara-te para outubro do ano que vem. As outras opções são bem menos prováveis.

Pois, a rigor, ninguém relevante está, tirando a retórica, interessado numa ruptura. Entre os vários motivos:  
ao contrário de Fernando Collor e Dilma Rousseff, o vice agora não é uma ponte potencial dos políticos para a ocupação do governo. 
E outro detalhe: numa ruptura digna do nome, não tem seguro que proteja 100% de ser tragado pelo tsunami. [agora o vice não está disposto a apenas manter a cadeira aquecida, até que os de sempre decidam quem será o presidente.
Apenas 20 meses e alguns dias restam para a conclusão do mandato presidencial e caso Mourão assumisse, ele vai querer cumprir o resto do mandato. 
Serviu também para o Supremo entender, e aceitar, que seus limites estão na Constituição Federal,  e que uma mera interpretação criativa não os  amplia.]

Sobre tsunamis, esta semana registrou-se mais um aniversário de 31 de março de 1964. Como habitual, reacendeu-se a discussão sobre o que teria acontecido se Jango não tivesse sido derrubado. Debate que persistirá para a eternidade. Uma coisa, porém, é certeza. Nem Juscelino Kubitschek, nem Jânio Quadros e muito menos Carlos Lacerda eram comunistas.Todos apoiaram a deposição de João Goulart. E quem não souber o que aconteceu depois com eles, é só procurar no Google.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista política


segunda-feira, 22 de março de 2021

STF na contramão do Direito, da ética e do País - Carlos Alberto Di Franco

O Estado de  S. Paulo - Opinião

Agora só falta prender o responsável pela maior operação anticorrupção da História do Brasil

Não me canso de reafirmar meu respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instituição essencial da República. No entanto, as instituições não são abstrações. Encarnam-se nas pessoas que a compõem. 
A credibilidade da Corte depende, e muito, das atitudes dos seus integrantes. É a base da legitimidade. Perdida a credibilidade, queiramos ou não, abre-se o perigoso atalho para o questionamento da legitimidade.  O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia. 
 
Meu artigo é um alerta angustiado. Já passou da hora de os ministros descerem do Olimpo dos deuses e fazerem uma séria e honesta autocrítica. A sociedade está farta de inúmeras decisões do STF. E a instituição, goste ou não, está mergulhando numa gravíssima crise de imagem. 
 
A decisão monocrática do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula da Silva decididas na 13.ª Vara de Curitiba pelo então juiz Sergio Moro, no âmbito da Operação Lava Jato, e tornou o ex-presidente elegível não poderia deixar de causar um terremoto político e um tsunami de indignação moral.  
Como disse, oportunamente, a professora Catarina Rochamonte, colunista do jornal Folha de S.Paulo, trata-se daquele que é tido como chefe do chamado petrolão, que o ministro Gilmar Mendes, antes da sua conversão garantista, considerou “o maior escândalo de corrupção de que se tem notícia”. Também “não se tem notícia de uma transmutação de valores como a de Gilmar Mendes, que, de entusiasta da Lava Jato, passou a fazer da destruição da mesma sua prioridade e obsessão”, frisou a colunista. 
 
Fachin, misteriosa e surpreendentemente, resolveu ressuscitar argumentos já analisados (e rebatidos) à exaustão sobre a competência da 13.ª Vara para julgar as ações contra Lula. Para sustentar sua decisão inexplicável afirmou que as ações contra Lula não tratavam especificamente da Petrobrás, foco central da Operação Lava Jato de Curitiba. No entanto, o próprio ministro incluiu em sua decisão trechos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal no caso do triplex, em que está claríssima a ligação entre os favores recebidos pela empreiteira OAS e nomeações e contratos da Petrobrás. Essa relação foi reconhecida em todas as instâncias nas quais Lula foi condenado – na primeira instância, pelo juiz Sergio Moro e no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), como voto do relator João Pedro Gebran Neto sendo seguido pelos demais membros da Oitava Turma. Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, que manteve a condenação de Lula, também analisou os questionamentos sobre a competência para julgar o caso e concluiu que não houve irregularidade alguma ao se realizar o julgamento na 13.ª Vara e pela Oitava Turma do TFR-4. 
 
Em nota, Fachin disse que a questão já havia sido debatida diversas vezes no Supremo, mas só agora reuniu condições de ser julgada corretamente. Ele assumiu o caso em 2017, depois da morte do ministro Teori Zavascki. Foram necessários quatro anos para decidir “corretamente” sobre um assunto que ele havia decidido outras tantas vezes de modo diverso? Nenhum problema. Faz tempo que a Corte deixou de lado os fatos e o Direito e se embrenhou no campo de um ativismo de ocasião. O STF é hoje a principal fonte de insegurança jurídica no País. 
 
Mas a coisa não parou por aí. Fachin errou feio ao anular os processos contra Lula, mas tão evidente quanto o fato de as denúncias e sentenças desses processos desmentirem sua argumentação é o fato de que, concorde-se ou não com essa decisão, uma vez anulados os processos, qualquer recurso impetrado dentro deles também se torna nulo. 
 
Mas aí, caro leitor, aparece no horizonte o ministro Gilmar Mendes. Após segurar o caso por quase dois anos e meio, graças a um pedido de vista, o ministro sentiu forte comichão e decidiu pautar o tema Moro na famosa Segunda Turma do STF. Em voto longo e carregado de parcialidade (afinal, é desafeto público de Moro), Mendes dedicou-se à demolição da reputação do ex-juiz, no que chamou de “maior escândalo judicial da nossa História”, e, apesar de dizer que nem seria necessário usar as supostas mensagens atribuídas ao ex-juiz e aos procuradores da Lava Jato, mencionou seu conteúdo com grande generosidade. 
 
O fecho de ouro foi dado pelo ministro Nunes Marques, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF. Pediu vista. Um artifício para adiar a provável degola do ex-juiz Sergio Moro e dar mais um empurrãozinho na Lava Jato rumo ao abismo diligentemente preparado num enorme acordão. Não faz muito, terminei um de meus artigos com um comentário premonitório: Lula absolvido e Moro condenado. A narrativa começa a ser construída. Agora só falta prender o responsável pela maior operação de combate à corrupção da nossa História. Caminhamos céleres rumo à ditadura do Judiciário. Acho difícil, muito difícil, que a imensa maioria da sociedade brasileira, honrada, trabalhadora e sacrificada, aceite engolir um sapo de tamanhas proporções. 
 
Carlos Alberto Di Franco, jornalista - e-mail: difranco@ise.org.br - O Estado de S. Paulo

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

De quem é a culpa - William Waack

O Estado de S. Paulo

Por não entender o que acontece lá fora, governo perde guerra da comunicação  

A situação internacional que o Brasil enfrenta em relação às políticas ambientais de Jair Bolsonaro é séria e perigosa. Vamos olhar o que acontece do ponto de vista da comunicação, deixando para especialistas dos vários outros setores o mérito de questões específicas.

Existe desinformação no que se diz e se publica sobre o que acontece na Amazônia e no Pantanal? Sim. Existem interesses de competidores comerciais incomodados com a capacidade brasileira de produzir grãos e proteínas? Sim. Existem organizações (partidos, ONGs, instituições religiosas) com agenda político-ideológica atacando um governo (o brasileiro) por considerá-lo seu adversário? Sim.

Nada disso é novidade nem começou com Bolsonaro.

Mas o governo está sabendo enfrentar essa batalha da comunicação? Não. Faltam aos que tomam esse tipo de decisões em Brasília dois elementos fundamentais que ajudam a entender a natureza deste que é um dos maiores desastres de comunicação em escala internacional. O primeiro elemento é a falta de compreensão do fenômeno lá fora, mas não só. Por incrível que pareça, o governo brasileiro não entendeu a abrangência, a profundidade e o peso da questão climática e ambiental na sua escala planetária. Se isto era, nos idos da Rio 92 (quando o Brasil se preparou muito bem para o que viria), uma agenda de instituições multilaterais e de governos, empurrados em parte por ONGs, hoje a questão ambiental molda nosso “Zeitgeist”, o espírito de uma época, e condiciona a percepção da realidade de gerações inteiras de atores políticos, instituições, governos, consumidores, empresários, grandes corporações no mundo inteiro.

Há um notável apego de ocupantes de gabinetes no Planalto, especialmente generais estrelados, em enxergar no tsunami negativo lá fora em relação ao Brasil articulações contra a nossa soberania em geral e nosso governo em particular – um esquema mental diretamente transferido dos anos setenta para uma realidade muito mais complexa do que conspirações geopolíticas para negar ao Brasil seu direito manifesto de ser uma grande potência. Em outras palavras, embarcaram na guerra de ontem.

O segundo elemento que ajuda a entender o desastre de comunicação é o apego a táticas político-eleitorais – como a negação de fatos, o “deixa que eu chuto”, o xingamento do adversário, a efervescência nas redes sociais – que funcionam no ambiente polarizado de eleições. Mas que tem se mostrado inócuas em escala internacional. O “enfrentamento” duro do adversário, real ou percebido, até aqui não avançou os interesses do Brasil.

Ao contrário, se há algo que o “altivo” discurso de Bolsonaro evidencia quanto à “estratégia” de lidar com a crise internacional de imagem brasileira é a de que ele não tem nenhuma – além de satisfazer seus seguidores domésticos. E não estamos falando de danos subjetivos ou de “percepções” deste ou daquele dirigente ou personagem do debate ambiente versus economia (totalmente superado até na China): estamos falando de danos concretos à capacidade do Brasil de competir nos mercados que interessam.

O extraordinário de tudo isso é que o Brasil tem, de fato, lições a dar em matéria de meio ambiente e de como aumentar a produção de grãos e proteínas de forma sustentável e socialmente responsável. Tem lições a dar em matéria de matrizes energéticas. Dispõe de sólida tradição diplomática (hoje abandonada) na busca de decisões por consenso e cooperação multilaterais. E uma imagem (ainda que cada vez mais distante da realidade social) de um país aberto, simpático, tolerante e bonito.

São ativos desprezados na batalha da comunicação. Enfrentar o que estamos enfrentando lá fora em termos de imagem não é culpa dos outros, dos insidiosos adversários. É nossa, mesmo.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


domingo, 12 de julho de 2020

O grande jogo - Nas entrelinhas

“A intenção do Palácio do Planalto é conquistar o comando da Câmara, via articulação com o Centrão, para limitar o protagonismo do Congresso”

Em meio à tragédia da pandemia do novo coronavírus, discute-se intensamente o que virá depois da covid-19. Existem várias dimensões nesse debate, do cotidiano doméstico ao novo mundo das inovações tecnológicas, mas a política não perdeu centralidade. Destaco as eleições nos Estados Unidos e a escolha do novo comando do nosso Congresso, principalmente da Câmara dos Deputados. Nosso futuro imediato dependerá muito desses dois eventos.

A pandemia de coronavírus colocou em xeque a reeleição do presidente Donald Trump, republicano, no pleito de 3 de novembro. Joe Biden, vice-presidente de Barack Obama, hoje lidera a disputa com uma vantagem de 14 pontos. Trapalhadas no combate à pandemia e a recessão jogaram Trump para baixo. A sua esperança é a recuperação da economia em V, mas o coronavírus se espalha por todo o território e Trump terá mais dificuldades. Além disso, a violência policial, que estimulou, provocou forte reação da sociedade, principalmente dos jovens.
Os sinais de que a recuperação acelerada da economia norte-americana seria possível vinham da China, após dominar a pandemia, e também da Alemanha, que segue a mesma trajetória, o que ainda pode se reproduzir em outros países da Europa com economias fortes, principalmente a Inglaterra e a França. Entretanto, a projeção do PIB dos EUA aponta para uma queda de 6,5% em 2020.
A disputa comercial entre os Estados Unidos e a China pelo controle das cadeias de comércio mundiais, cujo eixo se deslocou para o Pacífico, pauta a política mundial. Com a eventual derrota de Trump, não deixará de existir, mas sofrerá mudança radical na forma de atuação dos Estados Unidos. A política de Trump tensiona as relações do Brasil com a China, nosso principal parceiro comercial, porque a atual política externa é esquizofrênica: o alinhamento automático com os EUA está em contradição com nosso lugar na divisão internacional de trabalho. Por isso mesmo, a eventual derrota de Trump terá reflexos na nossa política externa. Como os democratas, hoje, têm melhores relações com a oposição, isso acabará influenciando o governo Bolsonaro.
Sucessão
Vamos à política interna. Nossas eleições municipais serão em 15 de novembro. É pouco provável que a polarização política nacional se reproduza em nível municipal, embora seja previsível o surgimento de candidatos bolsonaristas na maioria dos municípios. Entretanto, a recíproca não é verdadeira: os resultados das eleições municipais repercutirão fortemente na política nacional, principalmente no Congresso. Depois do tsunami de 2018, que promoveu grande renovação no Congresso, nossa elite política reagiu com muito protagonismo, principalmente nas reformas econômicas. Resgatou para si o grande jogo da política, enquanto o presidente Jair Bolsonaro se enredava na pequena política. Foi uma inversão de tendências, pois sempre coube ao Executivo a iniciativa de reformar o Estado e a economia. Muito desse protagonismo se deve ao desempenho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cujo mandato está acabando, não pode ser reeleito nem tem um sucessor consolidado para o cargo. [também não tem votos - Maia teve pouco mais de 73.000 votos nas eleições para 2018.]

É aí que o presidente Jair Bolsonaro pode passar da defensiva à ofensiva em relação ao Congresso. A intenção dos militares que ocupam o Palácio do Planalto, principalmente do ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Ramos, é conquistar o comando da Câmara via articulação com o Centrão: PP (40 deputados), PL (39), PSD (36), Republicanos (31), Solidariedade (14), PTB (12), PROS (10), PSC (9), Avante (7) e Patriota (6). Por ora, o governo joga com pau de dois bicos: Arthur Lira (PP-AL), o preferido do “baixo clero”, e Marcus Pereira (PP-S), bispo da Igreja Universal e atual vice-presidente da Casa. O MDB (34), o DEM (28) e o PSDB (31), apesar da liderança de Maia, ainda não têm um candidato competitivo, que possa dividir o Centrão e obter votos da oposição, para manter a autonomia da Casa.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense



sexta-feira, 3 de abril de 2020

A epidemia pelas ventas - Nas entrelinhas

”É genocida a ideia de que a epidemia tem baixa letalidade e, por isso, é preferível que tenha um ciclo curto, para que a economia se recupere rápido”

Todo velejador sabe que diante da tempestade é melhor prevenir do que remediar. Quando não é possível chegar a um porto seguro antes da borrasca, isso significa rizar bem as velas, ou seja, diminuir a área vélica proporcionalmente à força do vento, e enfrentar as ondas longe da costa. Em situações limites, pôr o barco em capa, aquartelando as velas no sentido contrário ao leme, até o mau tempo passar; ou correr com o tempo, em árvore seca, isto é, sem as velas, firme no leme para manter o barco longe dos arrecifes. No desespero, muitas vezes, a saída é encalhar o barco numa praia.

Em quaisquer circunstâncias, o timoneiro tem que saber posicionar o barco corretamente em meio às ondas, para não naufragar. Em capa, é preciso aguentar o aguaceiro pelas ventas, ou seja, a onda batendo na proa da embarcação, sem deixar o barco virar. Em árvore seca, ou seja, sem as velas, com a onda batendo na popa, o risco de virar também existe, a saída é reduzir a velocidade e não deixar o barco atravessar. Mesmo os grandes navios estão sujeitos a ter que fazer essas manobras nas grandes tempestades.

É válida a analogia das manobras de mau tempo com o combate à epidemia de coronavírus, que parece uma mistura de tsunami com tempestade tropical
O presidente Jair Bolsonaro não é um velho marujo. Não consegue entender o risco de seu próprio naufrágio.
 A pandemia começou como uma pequena ondulação, mas está crescendo como um tsunami que se aproxima da costa; para piorar, vem acompanhada de ventos equivalentes a uma tempestade tropical, a recessão da economia mundial. São dois fenômenos conjugados, sem precedentes desde a gripe espanhola, em 1918, e a Grande Depressão de 1929, sem esse intervalo de tempo.

O que o Ministério da Saúde, os governadores e os prefeitos fizeram até agora foi tentar preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto o tsunami não chega à praia, o que vai acontecer mais cedo ou mais tarde. A Saúde é um sistema federativo, financiado 40% pelo governo federal, 40% pelos estados e 20% pelos municípios, mas assimétrico no atendimento à população: 15% a cargo da União, 35% dos estados e 50% dos municípios. A União só gasta 5% com hospitais, 50% dos custos são arcados pelos estados e 45%, pelos municípios.

Ultimato
É preciso levar o barco devagar, como lembrou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, citando o samba famoso de Paulinho da Viola. Não há outra maneira de manter esse sistema operacional sem reduzir a circulação de pessoas e garantir os meios para que suas necessidades básicas possam ser atendidas, em termos de recursos financeiros, serviços e abastecimento. Trata-se de evitar o naufrágio dos hospitais no meio da tormenta, mantendo o maior número possível de pessoas longe da costa, para quando a onda chegar à praia os estragos serem menores.


O colapso do sistema de saúde pública somente poderá ser evitado diluindo a demanda de leitos e equipamentos ao longo do tempo. O preço disso é a redução da atividade econômica, com o que o presidente Jair Bolsonaro não concorda, porque deixa grande parte da força de trabalho sem renda. Mas, se isso não for feito, o custo humano e econômico será muito maior, advertem os economistas. A saída é governo garantir uma renda básica para todos e financiar a inatividade das empresas.

É genocida a ideia de que a epidemia tem baixa letalidade e, por isso, é preferível que tenha um ciclo curto, para que a economia se recupere mais rápido, mesmo com a morte de idosos. Sim, a sobrevivência da espécie estará garantida por aqueles que são mais jovens, com maior resistência ao vírus, mas o cálculo econômico desse “darwinismo social” é completamente equivocado: os prejuízos serão muito maiores se os hospitais entrarem em colapso e houver mortes em massa. A perda de recursos humanos também prejudica a economia.

Ontem, Bolsonaro voltou a questionar a política de isolamento social no Twitter e, em entrevista à Jovem Pan, disse que sua relação com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, está desgastada. “O Mandetta já sabe que a gente está se bicando há algum tempo. Eu não pretendo demiti-lo no meio da guerra. Agora, ele em algum momento extrapolou”, declarou. Bolsonaro já demitiu cinco ministros e advertiu que também pode exonerar Mandetta, se o ministro não flexibilizar o isolamento social na próxima semana. [Não defendemos o isolamento - opção preferencial do ministro Mandetta - mas destacamos que a maior parte do isolamento vigente  é consequência de atos de alguns governadores - sendo que alguns destes alguns são movidos por interesses não republicanos.

Só para registro informamos que o jornalista Luiz Carlos Azedo, segundo o portal dos jornalistas, nasceu em: Luiz Carlos Azedo, ou simplesmente Azedo, nasceu em São Paulo (SP), em 18 de novembro de 1952.]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense



nasceu em 

terça-feira, 31 de março de 2020

O tsunami - Nas entrelinhas

“Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém litígio com governadores, prefeitos e autoridades de saúde, que defendem a permanência de Mandetta”

A epidemia de coronavírus é um tsunami invisível que varre o mundo. No momento, seu epicentro é Nova York, nos Estados Unidos, o que obrigou o presidente Donald Trump a mudar completamente o discurso no domingo, quando pediu para a população ficar em casa até 30 de abril. Trump vinha defendendo o afrouxamento das medidas de isolamento e chegou a declarar no sábado que uma quarentena não seria necessária em Nova York, New Jersey e Connecticut. Mudou de ideia no dia seguinte, quando admitiu que o pico da epidemia será daqui a 15 dias. Já são mais de 2 mil mortos e mais de 100 mil casos confirmados, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, na economia mais poderosa do mundo. O sistema de saúde de Nova York está à beira do colapso.

Ao contrário de Trump, aqui, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para contestar a política de isolamento social e deu um rolé pelo comércio do Sudoeste, de Ceilândia e de Taguatinga, defendendo que as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Depois do périplo, devidamente registrado no Twitter — que apagou duas de suas postagens por colidirem com a orientação das autoridades de saúde pública —, Bolsonaro disse que era preciso enfrentar a situação como homem e não como moleque, porque as pessoas um dia vão mesmo morrer. Não se sabe a quem ele se referia, mas o fato é que desautorizou a orientação do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que aumentou as especulações de que ele seria demitido.
Nas Entrelinhas - CB
Não foi o que aconteceu, porém, apesar de Mandetta estar visivelmente constrangido na entrevista coletiva concedida no final da tarde de ontem pelo comitê de crise do Palácio do Planalto, que coordena as ações do governo contra a epidemia, sob comando do ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto. Quando Mandetta foi indagado pelos jornalistas sobre as divergências com Bolsonaro e se sairia do governo, foi interrompido por Braga Netto, que matou a pergunta no peito e respondeu: “Está fora de cogitação”, “Não existe essa ideia”. Também participaram da entrevista os ministros Tarcísio Gomes (Infraestrutura), Onyx Lorenzoni (Cidadania) e André Mendonça (Advocacia Geral da União), além de um representante do Ministério da Defesa.

[a mudança do formato das entrevistas diárias foi uma medida excelente e permite conter os arroubos do ministro da Saúde.
Quanto ao comentário do presidente Bolsonaro afirmando: 'porque as pessoas um dia vão mesmo morrer', se trata de uma verdade e falar a verdade as vezes magoa, aborrece, mas não é crime.

A OMS não tem primado pelo acerto de suas manifestações - no inicio da crise chegou a prever uma vacina para breve e nada de concreto até agora. É mais um cabide de empregos estilo ONU - esta, nada faz contra a mortandade perpetrada na Síria.
O impeachment do presidente da República, Jair Bolsonaro, é um sonho - e sonhar, por enquanto, não custa nada.]

Na sua entrevista, Mandetta desconversou sobre o assunto e reiterou que a orientação do Ministério é focada no combate à epidemia, em termos técnicos e científicos. Justificou a decisão de mudar o formato das avaliaçoes diárias, que agora serão feitas por todos os ministros, não sob seu comando, mas o de Braga Netto, com o argumento de que a pandemia transbordou a esfera de sua pasta e exige engajamento de todo o governo, o que é verdadeiro. Bolsonaro vem defendendo o relaxamento das medidas de isolamento adotadas nos estados e a retomada da atividade econômica, com a reabertura do comércio e volta dos estudantes às escolas. As recomendações de especialistas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do próprio Mandetta são de que o isolamento é necessário para evitar a expansão da pandemia.

Tensões
Ontem, o diretor executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, fez nova advertência quanto à expansão da pandemia. Disse que o coronavírus ultrapassou as ruas e está sendo levada para “dentro das famílias”, o que reforça a necessidade de isolamento social, sobretudo onde há transmissão comunitária e faltam testes, como é o caso do Brasil. “O ideal é que a quarentena ocorra em um lugar que não seja a casa [do infectado], porque esse doente pode infectar sua família. Mas isso não é sempre possível”, disse. No Brasil, já houve 159 mortes, com 4.579 casos confirmados, uma taxa de letalidade de 3,5%. A epidemia ainda está concentrada no Sudeste, com 2.507 casos, 55% do total. São Paulo é o epicentro, com 1.451 casos. O aumento do número de mortos de ontem para hoje no estado foi de 17%, sendo 7,9% o de casos.


Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém seu litígio aberto com os governadores, prefeitos e autoridades de saúde pública, que defendem a permanência de Mandetta no cargo. O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra(MDB-RS), que é deputado federal e médico, se movimenta para substituir Mandetta e faz coro com as teses de Bolsonaro. As relações de Mandetta com Bolsonaro vão de mal a pior e somente não houve uma ruptura porque o ministro já avisou que não pede demissão. Demiti-lo agora seria a implosão da equipe de sanitaristas do ministério e uma porta aberta para a articulação do impeachment do Bolsonaro, por crimes de responsabilidade. O Congresso está fazendo seu dever de casa, mas cobra um comportamento mais responsável do presidente da República.

Ontem, o Senado aprovou o chamado “corona voucher”, a ajuda de R$ 600,00 para os trabalhadores informais sem atividade, que se soma ao pacote de medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. É fundamental para garantir uma renda básica aos que ficaram sem nenhuma outra fonte e evitar uma situação de caos social. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, articula a aprovação do que está sendo chamado de “orçamento de guerra”, as medidas necessárias para o país atravessar a pandemia sem um cenário de tragédia social e reativar a economia logo depois. De certa forma, o foco na pandemia e nessas medidas econômicas é um elemento estabilizador do processo, em meio às tensões criadas por Bolsonaro, que ameaçam transformar a pandemia num tsunami político.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense




segunda-feira, 30 de março de 2020

O tranco vem aí. E ninguém poderá alegar surpresa - Alon Feuerwerker

Análise Política


A Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (@FGVDAPP) detectou uma novidade esta semana nas redes sociais: certa agregação de perfis que ela considera de esquerda e de centro. Vamos então aceitar para efeitos didáticos a classificação, pois aponta um movimento de razoável importância no público.

As ações do presidente da República para reagrupar e anabolizar a base mais próxima dele na guerra de opiniões da Covid-19 tiveram um custo: juntaram contra ele, pelo menos nas redes sociais, quem não se juntava há tempos para nada. Não existe mesmo almoço grátis, apesar de esse rearranjo na internet não ter até o momento maior implicação política.
O custo em imagem ainda precisa ser medido nas pesquisas, mas os dados digitais fazem deduzir que a base bolsonarista fiel continua preservada na essência. E duas coisas jogam a favor do presidente na correlação de forças: não há condições objetivas para protestos de rua em massa e tampouco o Congresso Nacional parece propenso a enveredar por um confronto aberto contra o Planalto.

Tirando os pontos fora da curva, por exemplo a suspensão dos contratos de trabalho sem contrapartida, a disposição no Legislativo é aprovar as medidas governamentais de combate às crises sanitária e econômica, aqui especialmente as de caráter anticíclico. Até porque de repente todos viraram keynesianos: economistas, empresários e jornalistas especializados.

E um Congresso que só pode reunir por teleconferência não chega a ser propriamente ameaça. Nesta condição, é pouco provável deputados e senadores colocarem para rodar qualquer coisa afastada do consenso. E se há um consenso nas duas Casas é não bater de frente com Jair Bolsonaro. Em vez de esticar a corda, dar corda para o presidente. Nas últimas horas a sensação é de um movimento centrípeto governamental. Os ministros da Saúde e da Fazenda falaram à vontade no sábado para garantir que planos para a defesa contra o coronavírus estão aí e irão funcionar. Mostraram estar confiantes nas cadeiras. É pouco provável terem feito a aparição pública sem combinar com o chefe.

Mas nada servirá de escudo se duas coisas não funcionarem bem
: se o dinheiro para empresas e trabalhadores não chegar na ponta e se o sistema de saúde não aguentar o tranco que vem aí nas próximas semanas. Os ministros responsáveis pelas duas áreas pareceram neste sábado confiantes de que os dois desafios serão equacionados.

Ninguém se engane. Ainda não saímos da etapa dos bate-bocas. Que têm hora para dividir o palco com os fatos duros. O tsunami vem aí. E o governo será julgado pelos resultados. Inclusive porque teve tempo de se preparar. O lockdown em Wuhan tem mais de dois meses, e a agudização na crise na Europa já vem há várias semanas. Ninguém poderá alegar surpresa.  Deu tempo suficiente para aprender com os erros dos outros. Vamos aguardar, e rezar, para termos aprendido.

*

Depois desta epidemia vai ficar muito difícil a vida de quem deseja enfraquecer o Sistema Único de Saúde
Se ele funcionar como prometem, e nada indica que não vá (tem um pouco de torcida nisso), estará aberta a estrada para atacar de vez o problema do subfinanciamento. 

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política


domingo, 29 de março de 2020

Isolamento sim! - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo


Governo emite sinais trocados e Brasil começa a se dividir. Coronavírus agradece
Eta gripezinha que está custando caro! O presidente da República fala para um lado e os ministérios agem para o outro, anunciando montanhas de dinheiro para enfrentar o abandono dos miseráveis que precisam do Bolsa Família, a insegurança dos informais e a dramática ameaça aos empregos. Isolamento, sim, para salvar vidas. E medidas emergenciais para reduzir os danos na economia.

É a realidade se impondo, com as lições vindo assustadoramente de fora. Se não quer ouvir a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde, a ciência e as estatísticas, o presidente deve ao menos se informar sobre o que aconteceu nos dois países mais afetados pelo Covid-19 no mundo. Nos Estados Unidos, seu tão amado Trump foi obrigado a recuar e agora clama para os americanos ficarem em casa. Na Itália, o mea culpa do prefeito de Milão é um grito de alerta. [Em Brasília/DF, a capital do 'isolamento', a primeira morte por Covid-19, acontece dentro de um hospital público - HRAN, referência para tratamento da Covid-19 - paciente não estava sob isolamento, tendo a morte ocorrido em um andar do hospital - área não destinada ao isolamento.
Saiba mais, clicando aqui.]

Trump, como o “amigo” brasileiro, minimizou o coronavírus até que os EUA passaram a ser o epicentro da doença, ultrapassando os cem mil infectados e beirando 1.500 mortos. Só aí ele se rendeu à única “vacina” contra a pandemia: o isolamento social. Na Itália, o prefeito de Milão desdenhou do tsunami, animando as pessoas a saírem. Agora admite: “Errei”. Tarde demais. Os italianos já contabilizam mais de 9 mil mortes, 919 só na sexta-feira.  “Infelizmente, algumas mortes terão. Paciência, acontece, e vamos tocar o barco”, conformava-se o presidente brasileiro no mesmo dia, ignorando alertas e estatísticas, a lógica, o bom senso, a humanidade. Pior: a responsabilidade. Tudo em nome do seu novo slogan político: “O Brasil não pode parar”. O problema é que, se milhões são contaminados e milhares morrem, aí é que o Brasil vai parar. Só não vê quem põe sua visão pessoal acima das evidências.
[Não isolamento = atividades econômica = letalidade = igual a da Covid-19 = estimada em um máximo de 3%.
Isolamento = economia parada = inanição = letalidade = 100%.

Num país dividido, com um governo que emite sinais trocados, governadores e prefeitos, em maioria, decidem deixar o capitão falando sozinho e se articulam para enfrentar a pandemia, acolher os infectados e evitar mortes, enquanto os do Nordeste lançam manifesto “pela vida”. Mas o efeito do comando do presidente contra o isolamento já se faz sentir, com governadores aliados de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia e Roraima se assanhando para flexibilizar o isolamento. [articulação de governadores para derrubar o presidente? = impedir que o Presidente da República governe? 
A Constituição Federal,em vigor, tem a solução para essa  agressão a um dos Poderes da República = Poder Executivo federal.
A solução é: o presidente da República acionar o artigo 142, da CF.]

Na sociedade, o mesmo. CNBB (bispos), OAB (advogados), ABI (imprensa), SBPC (ciência), ABC (ciência) e Comissão de Direitos Humanos de São Paulo fazem alerta “em defesa da vida” e conclamam a população a “ficar em casa”, em respeito à ciência, aos profissionais de saúde e à experiência internacional.  Do outro lado, as falas e a campanha do presidente produzem aumento de pessoas nas ruas, shoppings de Minas reabrindo, a ofertazinha bacana da CNI em tempos de gripezinha: testes rápidos de coronavírus, de 15 em 15 dias, para 9,4 milhões de trabalhadores industriais. Isolamento social? “Só para pessoas com exame positivo.”

Bolsonaristas vão alegremente às ruas contra o isolamento. Mas de carro, que ninguém é besta, enquanto defendem que seus empregados se exponham ao vírus em ônibus e metrôs e garantam seu lucro. Só não entenderam ainda, e vão entender na marra, que, se os trabalhadores se contaminarem, eles também vão se contaminar, depois contaminar seus amores, famílias, amigos. E, “infelizmente, algumas mortes virão...”, lembram?

É profundamente importante, sim, reduzir os danos na economia, nos empregos, na pobreza. E é por isso que o Estado está devidamente flexibilizando a prioridade fiscal para tomar as medidas necessárias. O que não pode é desdenhar da morte em nome da economia. Até porque nada comprova a eficácia desse método ignorante e desumano (para não buscar adjetivos e referências pavorosas na história).

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo