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segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Nível raso - Jair Bolsonaro e o STF se meteram numa dessas discussões impossíveis - O Estado de S.Paulo

No bate-boca de rua em que se transformou o atual debate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal, e que a cada dia fica com mais cara de bate-boca de rua, a saída mais adequada parece ser a que menos interessa às partes. Há um conflito de forma e de fundo, mais gritaria do que argumento e um rancor crescente entre os dois lados – elementos que recomendam, com urgência, uma baixada geral de bola. Largada a si própria, a rixa não tem altas chances de curar-se sozinha; ao contrário, só tende a piorar de nível. A única saída viável é dar, como recomenda em editorial O Estado de S. Paulo, um tratamento institucional à questão, sem exclamações ou respostas exageradas que só contribuem para aumentar o calor sem aumentar a luz – e, no fim das contas, só ajudam mesmo aos que querem vandalizar as instituições.

Essas instituições, como é do conhecimento até das crianças de dez anos de idade, estão transformadas na visão do público num pano de estopa da anulação de todos os processos penais contra Lula à aprovação do “fundão eleitoral” de quase R$ 6 bilhões, da liquidação da Lava Jato a uma CPI dirigida por Renan Calheiros, da absolvição sistemática dos corruptos aos salários de sultão do alto funcionalismo, não sobra quase nada na democracia brasileira que mereça o respeito da população. Não pode haver momento pior, portanto, para o Supremo Tribunal Federal e o presidente da República estarem dando esse show; se um lado acha que vai exterminar o outro, os dois vão acabar, na prática, ficando cada vez mais desmoralizados aos olhos dos cidadãos que pagam o seu sustento.

Não é normal, é claro, que o presidente da República chame um ministro do STF de “idiota” em público; simplesmente, não tem como uma coisa dessas ser normal. É incompreensível, ao mesmo tempo, que a mais alta Corte de Justiça do País se comporte de forma a tornar-se uma das entidades mais odiadas da sociedade brasileira. Como se chegou a isso? A Justiça, em geral, nunca está entre as instituições que a população menos respeita. Esse papel é reservado, pelo mundo afora, aos políticos, aos banqueiros e aos vendedores de carros usados
No Brasil o Supremo vai para o pódio. Como pode? 
Isso dá a oportunistas de todo o tipo o ambiente ideal para a promoção da demagogia, da desordem e das ditaduras. 
Na última vez em que saíram na mão, presidente e STF se meteram numa dessas discussões impossíveis que têm tudo a ver com baixa política e nada a ver com lógica. 
Bolsonaro acusa o STF de ter excluído o governo federal do combate à covid. 
O presidente do STF diz que isso é uma mentira que não se transformará em verdade nem se for repetida mil vezes. 
Não se vai, é óbvio, chegar a lugar absolutamente nenhum quando o debate é colocado num nível tão raso. O STF não proibiu o presidente de cuidar da covid; ao mesmo tempo, decidiu que a autoridade federal não podia contrariar nenhuma decisão dos Estados e municípios. A quem estão querendo fazer de bobo? [uma análise sensata, imparcial, isenta, concluirá que o STF deu poderes à autoridade federal com uma mão e retirou com a outra. Ficou de um jeito que qualquer dos lados pode dizer o que bem entender, de hoje até o fim da vida. Foi água turva direto na veia. 
 
Há uma porção de entreveros de qualidade tão baixa como esse da covid. O principal deles é o do voto “impresso” – ou da adoção de um sistema de votação e de apuração que possa ser verificado fisicamente. O presidente diz que vão roubar o resultado da eleição, sem dizer quem. [o presidente age com o cuidado que qualquer cidadão age quando compra um cadeado para reforçar a segurança de sua casa = não pode garantir que vão arrombar a casa, mas ao comprar o cadeado o cidadão reforça o que pode ser arrombado
no caso do presidente (com o VOTO AUDITÁVEL) procura colocar  tranca em uma porta que ele não sabe se vai ser arrombada, ou não.]  O STF, por seu lado, não conseguiu até agora dar uma única razão séria para a sua recusa absoluta em sequer discutir a questão. É uma confusão contratada – e que, como tudo o mais, teria de ser resolvida pela via institucional. Não está sendo. 

J. R. Guzzo - O Estado de S. Paulo