No bate-boca de rua em que se transformou o atual debate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal,
e que a cada dia fica com mais cara de bate-boca de rua, a saída mais
adequada parece ser a que menos interessa às partes. Há um conflito de
forma e de fundo, mais gritaria do que argumento e um rancor crescente
entre os dois lados – elementos que recomendam, com urgência, uma
baixada geral de bola. Largada a si própria, a rixa não tem altas
chances de curar-se sozinha; ao contrário, só tende a piorar de nível. A
única saída viável é dar, como recomenda em editorial O Estado de S. Paulo,
um tratamento institucional à questão, sem exclamações ou respostas
exageradas que só contribuem para aumentar o calor sem aumentar a luz –
e, no fim das contas, só ajudam mesmo aos que querem vandalizar as
instituições.
Essas instituições, como é do conhecimento até das
crianças de dez anos de idade, estão transformadas na visão do público
num pano de estopa – da anulação de todos os processos penais contra Lula
à aprovação do “fundão eleitoral” de quase R$ 6 bilhões, da liquidação
da Lava Jato a uma CPI dirigida por Renan Calheiros, da absolvição
sistemática dos corruptos aos salários de sultão do alto funcionalismo,
não sobra quase nada na democracia brasileira que mereça o respeito da
população. Não pode haver momento pior, portanto, para o Supremo Tribunal Federal
e o presidente da República estarem dando esse show; se um lado acha
que vai exterminar o outro, os dois vão acabar, na prática, ficando cada
vez mais desmoralizados aos olhos dos cidadãos que pagam o seu
sustento.
Não
é normal, é claro, que o presidente da República chame um ministro do
STF de “idiota” em público; simplesmente, não tem como uma coisa dessas
ser normal. É incompreensível, ao mesmo tempo, que a mais alta Corte de
Justiça do País se comporte de forma a tornar-se uma das entidades mais
odiadas da sociedade brasileira. Como se chegou a isso? A Justiça, em
geral, nunca está entre as instituições que a população menos respeita.
Esse papel é reservado, pelo mundo afora, aos políticos, aos banqueiros e
aos vendedores de carros usados.
No Brasil o Supremo vai para o pódio.
Como pode?
Isso dá a oportunistas de todo o tipo o ambiente ideal para a
promoção da demagogia, da desordem e das ditaduras.
Na última
vez em que saíram na mão, presidente e STF se meteram numa dessas
discussões impossíveis que têm tudo a ver com baixa política e nada a
ver com lógica.
Bolsonaro acusa o STF de ter excluído o governo federal
do combate à covid.
O presidente do STF diz que isso é uma mentira que
não se transformará em verdade nem se for repetida mil vezes.
Não se
vai, é óbvio, chegar a lugar absolutamente nenhum quando o debate é
colocado num nível tão raso. O STF não proibiu o presidente de cuidar da
covid; ao mesmo tempo, decidiu que a autoridade federal não podia
contrariar nenhuma decisão dos Estados e municípios. A quem estão
querendo fazer de bobo? [uma análise sensata, imparcial, isenta, concluirá que o STF deu poderes à autoridade federal com uma mão e retirou com a outra.] Ficou de um jeito que qualquer dos lados pode
dizer o que bem entender, de hoje até o fim da vida. Foi água turva
direto na veia.
Há uma porção de entreveros de qualidade tão
baixa como esse da covid. O principal deles é o do voto “impresso” – ou
da adoção de um sistema de votação e de apuração que possa ser
verificado fisicamente. O presidente diz que vão roubar o resultado da
eleição, sem dizer quem. [o presidente age com o cuidado que qualquer cidadão age quando compra um cadeado para reforçar a segurança de sua casa = não pode garantir que vão arrombar a casa, mas ao comprar o cadeado o cidadão reforça o que pode ser arrombado;
no caso do presidente (com o VOTO AUDITÁVEL) procura colocar tranca em uma porta que ele não sabe se vai ser arrombada, ou não.] O STF, por seu lado, não conseguiu até agora
dar uma única razão séria para a sua recusa absoluta em sequer discutir a
questão. É uma confusão contratada – e que, como tudo o mais, teria de
ser resolvida pela via institucional. Não está sendo.
J. R. Guzzo - O Estado de S. Paulo
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